Tempos sombrios

Os acontecimentos dos últimos tempos me levam a concluir que perdemos as estribeiras. Na verdade, me levam a questionar se realmente as tivemos algum dia ou vivemos até hoje na ilusão de que possuíamos um mínimo de discernimento e controle sobre a vida, mesmo com seguidos indícios de que sempre estivemos à deriva.

De certa maneira a inteligência humana se torna questionável quando observamos os caminhos escolhidos pelo homem. Seguimos a passos largos para uma terceira grande guerra, refazendo as mesmas rotas que levaram às anteriores e confirmando que não aprendemos absolutamente nada com os erros do passado. Não aprender com os próprios erros, aliás, parece ser regra.

Por mais que esbravejemos, algumas lutas jamais vão terminar: o racismo dá as caras a todo momento e não há uma atitude contundente para conscientização e punição, mesmo quando ocorre em eventos esportivos com inúmeras câmeras escancarando-o; o contexto político brasileiro continua psicótico e maniqueísta; o homem comum ainda é usado como massa de manobra e segue achando que sempre está certo; as redes sociais imbecilizam em escala inédita. E isso não é tudo.

Enquanto sociedade, perdemos o domínio da razão e a confiança no próximo. Fomos relegados a um convívio complicado, que nos deixa frequentemente à mercê de emoções descontroladas e desconfianças mútuas. Nesse contexto, qualquer conflito se torna um flerte com a morte. Talvez isso seja reflexo de um povo viciado em dopamina, um povo que dá mais audiência ao influencer, ao coach, à rede social, do que à própria família, um povo que acredita ser diferente, evoluído, tecnológico, mas que demonstra estar desprovido de um mínimo de raciocínio e autocontrole.

Não sei se vivemos um transtorno estrutural, educacional, social ou espiritual, mas o fato é que há muito perdemos a fé na humanidade e desacreditamos na idoneidade das instituições, passando a viver como se nada importasse. Estamos à flor da pele. Basta passar os olhos pelo noticiário para nos perguntarmos quando foi que perdemos o juízo. É assustador, por exemplo, perceber o gigantesco número de casos de violência doméstica e outros abusos cometidos por homens contra mulheres. Quando foi que os homens deixaram de raciocinar e, ao invés de proteger, passaram a perseguir, ameaçar, encarcerar, bater, torturar e matar as suas companheiras? Mais do que isso, quando foi que se tornou aceitável esse tipo de coisa? Sinceramente, não sei se essas ocorrências aumentaram nos últimos tempos ou só agora estamos tomando conhecimento de algo que sempre existiu. Aparentemente, são situações muito comuns, afinal, todos conhecemos alguma mulher que foi – ou é – perseguida por um antigo marido, namorado, companheiro, amigo ou desconhecido.

Se perdemos as estribeiras ou se nunca as tivemos, no fim das contas, não importa. Os valores que regem a nossa sociedade são obtusos e instáveis. Em verdade, não acredito que possamos vislumbrar algum avanço significativo nos próximos anos. Estamos preocupados demais com a nova dancinha do TikTok, com a última festa do Neymar, com o filtro do Instagram.

Alexandre Leidens


* As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal