O circo não morreu. E os artistas, precisam de aplausos
O sorriso do palhaço, se apagou. As trapezistas, não alçaram voos. A mágica, se frustrou. Não teve espetáculo. Mesmo abrindo no final de semana, respeitando todas as normas e o decreto municipal, o circo Rhoney não teve plateia. Ninguém compareceu. Mesmo os mais de 1000 ingressos gratuitos distribuídos, não serviram pra nada. Instalada há 14 meses em Campo Mourão, a companhia está esfacelada. Acabou a grana. Recursos secaram. Mas não a alegria. Ela está viva. Bem viva. Como uma família, as histórias ali se misturam. Mesmo diante das dificuldades, como perseverantes, continuam firmes, ajudando uns aos outros. Eles sabem que, um dia, isso tudo irá passar. Mas agora, necessitam de apoio.
Sílvio Roberto Pfuetzenreiter, está com 48 anos. Há 20, convive no circo Rhoney. Conta que morava em Blumenau, em 2000, quando soube que precisavam de ajuda para montar a estrutura. “Fui lá. Me apresentei e ganhei uns trocados. Desde então, não saí mais. Deixei a minha cidade e passei a integrar o circo”, disse.
Antes, Sílvio trabalhou em quase tudo na vida. Principalmente, com vendas. Mas desde que conheceu a estrutura, se apaixonou. Nunca mais deixou a lona. Mesmo com um sobrenome impronunciável, o alemão se transformou em um artista. Agora, é o “Lambança”, o palhaço da empresa. Dias, semanas, anos se passaram. Se apresentando na cidade de São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul, conheceu Fabiana. A “carregou” também.
Mais nova integrante da “família Rhoney”, Fabiana teve dois filhos com Silvio. Atualmente, também se transformaram em artistas. O de sete anos é trapezista. O de cinco, é palhaço, “Pacotinho”. E eles adoram fazer o que fazem. No último fim de semana, se arrumaram. Fizeram a maquiagem. Ensaiaram. Mas ninguém apareceu. Não subiram ao palco. Muito menos, receberam aplausos. “Foi muito frustrante”, disse Silvio.
Aparecida Feliz de Oliveira Santos, aos 52, é outra que se apaixonou pela arte circense. Morando em Curitiba, largou tudo para embarcar numa aventura, sem volta. Nutricionista, passou a viver o sonho de uma nova família. “Eu sempre quis viajar. Sou inquieta. Estou muito feliz aqui”, revelou. Desde a sua chegada, em 2015, também conseguiu agregar a filha, Stéfany, 29, e os dois netos, Melany, 14 e Eduardo, 12.
Tímida, Stéfany era manicure em Curitiba. Agora, atua no caixa do circo e num show com a escada. Melany, ainda criança, já é uma estrelinha. Linda, carismática, se transformou numa contorcionista. Enquanto isso, Eduardo, é o Homem Pássaro, no espetáculo do tecido. Mas a coragem de todos eles veio da mãe. Além de ajudar na bilheteria, Aparecida também aprendeu a ser uma palhaça. “Essa pandemia nos ensinou a ser perseverantes. Estamos vivendo dificuldades. Mas o circo não pode e não vai morrer”, disse.
Insubstituível, Rita Salgueiro é a primeira dama da empresa. Aos 69 e com problemas motores, era casada com Onei, que herdou as lonas da família – a empresa iniciou em 1927. O marido morreu em 2014, aos 66. Desde então, está ao lado do filho, também Oney, viajando num sonho interrompido apenas com a pandemia. “Isso aqui é a minha vida. Desde que eu fugi de casa para ir embora com o circo, decidi que morrerei aqui”, disse.
Conhecida como Sandra, Rita é daquelas mulheres fortes, convictas, sem medos ou receios. Ainda continua sendo a grande professora da companhia. Já fez de tudo. Hoje, ensina as crianças, amplificando suas ideias e desejos. Mas agora, ela se diz numa tela de cinema. Um enredo de ficção. Onde tudo é escuro. Está vivendo dias de incertezas. Sem aplausos. Sem o sorriso da platéia.
Michele está com 41. E, a exemplo de outros, também desenhou o próprio destino junto ao circo. Há alguns anos, era corretora de imóveis em Curitiba. Mas há 14 anos, numa das idas da companhia a capital, decidiu novos rumos. Arrumou as malas e traçou desafios. Com o tempo, se casou com Oney, o filho de Rita. Atualmente, é o braço direito do marido. Ela também aprendeu a ser artista. Virou mágica. Embora hoje, a mágica maior, seja sobreviver à pandemia.
O circo chegou à cidade no dia 8 de março de 2020. Já são 14 meses. Foram apenas algumas apresentações. Elas cabem nos dedos das mãos. Sem recursos, dos 32 profissionais que aqui chegaram, sobraram apenas 12. São quatro famílias. Todas, perseverantes. E crentes num futuro normal, como antes de 2020, distante de pandemias e vírus. Não fosse a ajuda municipal, a situação seria bem pior. A prefeitura vem colaborando com cestas básicas. Fora isso, o que entra na bilheteria é o lucro.
Mas no último fim de semana foi a gota d´água. Precisando que entrasse dinheiro, principalmente, visando o pagamento da energia elétrica, não houve platéia. Ninguém apareceu. Foi uma frustração total. “Todos nós preparamos tudo. Distanciamento das cadeiras. Higienização. Artistas se maquiaram. Se prepararam. Estávamos todos felizes, aguardando o público. E ele não veio”, disse.
“Nunca antes ficamos tanto tempo numa cidade. E não podemos sair. É que outras não aceitam. A pandemia nos cerceou”, disse Michele. Agora, um novo decreto, mais pesado, foi sancionado. Não há o que fazer. Ela sabe que o diagnóstico da saúde é preocupante. Assim como a vida de sua equipe. “Não queremos esmolas. Queremos apenas trabalhar. Ir ao mercado com nosso dinheiro. Agradecemos o que a população faz por nós”, lembrou.
Para dar um último suspiro, antes do novo decreto – que inicia nesta quinta-feira (27) -, o circo fará sua apresentação nesta quarta, às 18h30. São lugares limitados, respeitando as normas municipais. Os ingressos custam de R$ 10 a R$ 15. Pouco. Mas muito pra quem não sabe mais o que é trabalhar. Ou melhor, impedidos de trabalhar. A esperança prevalece. E a alegria, continuará.