Levado pela Covid, Dr. Miguel deixou um legado

Há quase 30 dias, Miguel Batista Ribeiro teve os primeiros sintomas da Covid 19. Otimista, não se abalou. Sempre acreditou que venceria a doença. Mas não sabia que, aquele vírus, seria o pior dos seus inimigos. Então, após dez dias, foi internado. Depois, transferido a Maringá. A luta contra a morte terminou na última terça. E ele perdeu. Restaram as recordações. E o curriculum de um dos maiores criminalistas que a cidade já teve. 

Conhecido apenas como o “Doutor Miguel”, nasceu em 1966, em Mamborê. De família humilde, os pais eram da roça e tiveram três filhos. Vivendo na dificuldade dos dias, o menino fez somente até a quinta série. O destino também se encarregou em colocar pedras em seu caminho. Miguel perdeu a mãe muito nova. Ela tinha apenas 27 anos. Cresceu ao lado do pai e de uma tia.         

Com o passar do tempo, decidiu pelo pragmatismo. Arregaçou as mangas e encarou o trabalho. Morando, agora, em Roncador, conseguiu o primeiro emprego como açougueiro. Mais tarde, adentrou ao ramo da venda de gado. Com a vida nos trilhos, na década de 80, se casou pela primeira vez. Com Cleo, teve dois filhos, Carlos e Aline. E, sempre muito carismático, ficou amigo de gente importante. O que proporcionou o cargo de delegado da cidade. Era a época dos delegados “calças curtas”. Ele não detinha estudo à profissão. Mas havia sido nomeado. Estava tudo certo.  

Pensando alto, Miguel decidiu voltar aos estudos. Viu que as coisas poderiam mudar se fosse, digamos, mais “diplomado”. Então, aos 40, voltou as cadeiras escolares. Terminou o ensino médio e, em 2003, passou no vestibular do Direito do Integrado. Pronto, os objetivos estavam traçados. E, com eles, o sonho em melhorar de vida. Com o diploma nas mãos fez concurso para auxiliar do Instituto Médico Legal de Campo Mourão. Passou. Permaneceu lá por um ano. 

Mas os rumos eram mesmo como advogado. Em 2009, após conseguir sua OAB, iniciou a carreira na área criminal. Nunca mais parou. Amigos o descrevem como um notório criminalista. “Ele nasceu pra isso. Tinha um carisma com os clientes. Sabia como lidar. Analisava o caso e, ao mesmo tempo, confortava a família”, disse a advogada Renata Moysa Gimael. 

Em 2014, Miguel já era uma figura pública bastante conhecida, dentro e fora das grades da cadeia. Com muitas vitórias no júri, a fama se espalhou. De tantos clientes, chegou a ter 80% dos presos de Campo Mourão em seu rol de defesa. “Ele teve muitas conquistas. Sempre foi um otimista. E perseverante. Se perdia hoje, dizia que ganharia amanhã”, disse Renata.

A família revela que Miguel, apesar de uma boa condição financeira, não ostentava luxos. Continuava como uma pessoa simples. Até demais, diante da popularidade conquistada. Não gostava de ternos de grife. Mantinha os mesmos, de quase sempre, pendurados no guarda roupas. Rosalina Ribeiro, irmã, disse que Miguel era muito esforçado e dedicado ao que fazia. “Tenho muito orgulho dele”.   

Já, divorciado, em 2015 Miguel passou a morar com Francini. Com ela teve Isabela, hoje com seis anos. E foi um ano depois, em 16, quando soube da possibilidade de ter tido outra filha. Sim, Jéssica era uma filha desconhecida. Após exames, ele a reconheceu como sua. No mesmo ano, conhecido em toda a cidade, se lançou candidato a vereador. Foi eleito com quase mil votos. No último ano, tentou a reeleição. Não conseguiu. Mesmo com a função política, jamais deixou os afazeres da área criminal. 

Levando consigo o jeito simples da infância, Miguel continuava com um linguajar popular. Para ele, uma forma de equilibrar o contato com os clientes, ou meramente, interagir com pessoas da comunidade. E foi assim, que, em janeiro deste ano, foi nomeado como Chefe Regional da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf). “Era amigo do caseiro do sítio, como de pessoas influentes. Tinha as portas abertas de onde entrava. Em sua vida, sempre ajudou quem precisava”, lembrou Renata. 

A simplicidade, fez com que não tivesse desejos luxuosos. Quase não saía do país. No máximo, ia ao Paraguai. Mas, uma das poucas vontades, conseguiu realizar. Em 2020, levou Francini até os Estados Unidos. Lá, em Las Vegas, se casou. Amigos contam que Miguel não possuía problemas de saúde. Muito menos, comorbidades. Era saudável, sempre, fazendo suas dietas.

Advogado, José Welington Crippa, era também amigo de Miguel. Sempre trabalharam juntos. Segundo ele, em dias de júri, o parceiro ficava inquieto. E, mesmo com vastos relatórios à sua frente, não os lia. De improviso, falava por duas, três horas. “E sempre dava certo”, disse. “Tinha ele como um irmão. Brigávamos e sorríamos juntos”. Uma espécie de Batman e Robin. Arroz e feijão. Queijo e goiabada.    

Sua carreira, assim como a luta pela vida, terminou na terça, dia 8. O ex vereador, advogado e pai de quatro filhos, foi cedo demais. Tinha 54. E morreu sozinho, como tantas outras vítimas da Covid, distante do que mais amava: a família. Não há mais tempo para lamentar. Apenas, recordar.