Coronel Bastião, “farta pouco pra daqui a pouco”
Não há, ó gente, ó não/Luar como esse do sertão/ Ó, que saudade do luar da minha terra/ Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão/ (…) Se a lua nasce por detrás da verde mata/
(…) E a canção e a lua cheia/ (…) A nos nascer do coração/ (…) Coisa mais bela neste mundo/ Não existe/ Do que ouvir um galo triste/ No sertão se faz luar/ Parece até que a alma da lua/ É que diz, canta/ Escondida na garganta/ Desse galo a soluçar/ A quem me dera/ Eu morresse lá na serra/ (…) E dormindo de uma vez/ Ser enterrado numa grota pequenina/ (…).
Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco
A luz que ilumina o letreiro (No Ar) e o estúdio é apagada. O microfone desligado definitivamente. A música que toca é a última. Tudo escuro. O som é harmonia daquela voz outrora típica e legítima da Rádio Difusora Colmeia e referência pioneira da comunicação pelas ondas, agora é apenas gravação física e memória. Fala inconfundível propagada nos auto falantes da Casa dos Retalhos. Benedito Ferreira de Freitas, por muitos só conhecido como coronel Bastião, inté chamado de coroné.
O Rancho pontua a dolorosa perda do coronel. Rádio desligado, a viola guardada. O bom causo a fluir na prosa simples e sábia é legado rico. Familiares e numerosos amigos se reúnem no que restou, Rancho inanimado. Lembrança, intenso lamento. Paixão pela cultura popular caipira, a identidade do Coronel Bastião. O fato de ser pioneiro, por si só importante, é indissociável da moda moldada por ele a cada programa na bela profusão da ruralidade.
Na chácara dos meus saudosos pais Eloy e Elza, ao chegarmos lá ouvíamos o rádio do caseiro a tocá as moda no Rancho do Coronel Bastião. Sem carecer de algum recurso a locução era espontânea e a cada programa a tradição se enraizava. Quando da transmissão, as pessoas se reuniam para ouvir o coronel, sentavam nas cadeiras de palha, a sorver o café saído do fogão a lenha, a sentir o aroma da polenta, a roda do chimarrão, a cunha de mão em mão, foi assim há quase meio século. E quando ia informar a hora ele dava uma pausa ou falava rapidamente, atenção para a hora: farta pouco pra daqui a pouco. De menino me marcou esta fala, brincadeira que levei tempo para compreender, sem achar errado, redundância deliciosa, cabocla.
Além do conhecimento musical da cultura caipira desde o tempo que ela só era tocada em programas específicos, o coronel era a voz do entardecer de um Campo Mourão e região onde eram muitas as roças, as chácaras, os sítios. Voz do povo, nunca deixou de ser a sintonia com o homem do campo. O costume de ouvir o coronel marcava o descanso árduo da lida, o som perpassava a varanda e todos os cômodos da casa enquanto era tirado o chapéu, pendurado na parede e ao lado do calendário e da imagem do santo. A caneca com a água fresca do poço matava a sede. O fumo de corda picado e a palha de milho alisada e enrolada, depois era pitado e espantados os pernilongos. Todo feito sem tirar a atenção do programa. As mais famosas duplas como Tonico e Tinoco eram ouvidas no Racho do Coronel Bastião. Com a mesma deferência deu importância e incentivo para os que estavam começando.
Querido, respeitado. Quem o conhecia ficava ainda mais maravilhado, era a mesma pessoa em casa, na rua, na emissora. Artista apresentador, o pai de família, honesto, trabalhador. Dia sete ele completaria 80 anos, mas resolveu ir embora antes da festa, não assoprou as velas nem cortou e ofereceu o primeiro pedaço do bolo. Morreu em casa, na mesma residência da sua Vila Urupês onde foi um dos primeiros moradores.
A vida quanto mais ela é boa, é efêmera: farta pouco pra daqui a pouco.
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Fases de Fazer Frases (II)
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Olhos, Vistos do Cotidiano
Não confunda: A calça do Adão com o calçadão.
Reminiscências em Preto e Branco
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