Apenas um rapaz… vindo do interior

Hoje eu sei que quem me deu a ideia /

 de uma nova consciência e juventude /

Está em casa guardado por Deus /

 contando o vil metal.

Belchior – Como nossos pais

 

            Imediatamente a reminiscência em preto e branco, no colorido de minha adolescência, via-me retratado na imagem da casa dos meus saudosos pais, diante da vitrola, entre tantos discos de vinil. Ponho para escutá-lo entre muitas e centenas vezes, o grande bolachão preto: Belchior! Talvez, apenas por mim, não o tivesse descoberto, escutado, ou, ainda, teria deixado de lado. Mas não, a influência que temos na vida é também sonora, musical, que ouvimos através do outro que ouve, no caso o irmão Elio.

            No domingo passado, em meio à leitura dos jornais, ligo a televisão e sequer me fixo na imagem fixa, a notícia direta. O anúncio da morte do compositor e intérprete Belchior tomou conta de mim, tristeza às avessas, como um sol no quintal. Mando mensagem para o mano, Belchior morreu. A tristeza mútua ligava amargamente Campo Mourão e Florianópolis (onde mora Elio Brisola Maciel).

            As músicas, todas dele, tenho a sensação de ouvi-las, todas de uma vez só. Como naquela casa de madeira que não mais existe, perderam-se no tempo os discos, a vitrola, a criançada, depois mocidade adulta, amadurecida pelos anos, fios de cabelos brancos, dos que teimam em ficar no couro. A voz anasalada chega aos meus ouvidos, harmoniosamente com o silêncio da perda: Em cada luz de mercúrio vejo a luz do seu olhar / Passas praças, viadutos, nem te lembras de voltar / De voltar, de voltar / No corcovado quem abre os braços sou eu /Copacabana esta semana o mar sou eu / Como é perversa a juventude do meu coração / Que só entende o que é cruel e o que é paixão / E as paralelas dos pneus n'água das ruas / São duas estradas nuas em que foges do que é teu /… / No corcovado quem abre os braços sou eu / … / Como é perversa a juventude do meu coração / Que só entende o que é cruel e o que é paixão /

            Então recém-lançado, comprei o livro e imediatamente comecei a lê-lo, era dezembro, férias, cada página o melhor da nossa cultura musical, registrada e analisada por um dos nossos maiores conhecedores, Nelson Mota. O livro 101 canções que tocaram o Brasil contextualizam cantores, autores, letras e música como elas brotaram para se tornarem marcantes. Mota põe na referida lista Como nossos pais, ele menciona outras canções do Belchior gravadas por cantores como a Elis Regina, 1972, lírica e nostálgica ‘Mucuripe’, Belchior compõe com outro cearense, o Fagner. Além de Elis, Roberto Carlos gravou (impecável), o que já era sucesso tornou-se sublime. O som de palavras que juntadas dão uma fonética doce, melodia pura: Aquela estrela é dela/vida vento vela leva-me daqui/.

            São duas reminiscências, em preto e branco ou coloridas, alternando-se na ordem, misturando sentimentos do tempo, uníssonas na presença que se torna ausência, marcantes e inesquecíveis. Foi no Teatro Municipal Campo Mourão que estávamos lá, o meu irmão Elio, eu (e… pouca gente sim). Belchior cantou seus sucessos. No camarim atendeu a todos com gentileza e amabilidade. O professor e artista Bernardo de Mattos ganhou autógrafo no disco de vinil.

A emoção de ao vivo ouvir o cantar instantâneo do artista se torna parte da imortalidade que eles conseguem, sobretudo não pelo legado que deixam, mas por não saírem da mente e do coração dos que apreciam a obra. Belchior, para citar algumas das canções, Apenas um rapaz latino-americano, Paralelas, Medo de avião, no impossível anonimato que almejou nessa década, agora é saudade, aos 70 anos, melodia.

Fases de Fazer Frases (I)

            Esperar por nada? Se possível esperar, nada não será nada.

Fases de Fazer Frases (II)

            Pensar não vale nada? Nada a pensar vale o quê?

Olhos, Vistos do Cotidiano

            Água da chuva na janela é deixada pelo vento. Gotas frias escorrem pelo vidro. Foi a ínfima pausa que tive enquanto escrevia esta Coluna.    

Reminiscências em Preto e Branco

            Em vão enterramos o passado. Ele ressuscita na reminiscência do presente.