O que prefeitos não fizeram, Sanepar terá que fazer

Vanessa Kutchera da Cruz acorda todos os dias preocupada. E não é à toa. Sem uma rede de esgoto adequada, tem aos fundos da casa duas fossas. Uma com tampa podre de madeira, já condenada, e outra praticamente destampada, apenas com duas ripas. Seu maior temor é que as filhas, de três e cinco anos, caiam em alguma delas. Vanessa mora em Farol, município que, segundo dados de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mantinha somente 1,5% de saneamento básico adequado.

“Eu gostaria que minha casa tivesse a rede de esgoto”, afirmou. Segundo ela, além da preocupação constante, com as crianças, o cheiro em dias de chuva é constrangedor. Para uma melhor segurança, ela e o marido estão gastando R$750 para fazer uma nova fossa, agora, com tampa em concreto. “É um dinheiro que poderíamos não precisar gastar, caso tivéssemos o saneamento”, disse Vanessa.

Vanessa tem medo que as filhas sofram acidentes nas fossas ao lado de casa

E os temores da dona de casa podem ser sanados em breve. No último ano, o Senado aprovou o novo marco legal para o saneamento básico no país (PL 4.162/2019). A proposta traz metas de universalização para o setor até o ano de 2033. Até lá, pelo menos 90% das casas de todo o país devem ter água potável e esgoto tratado. De uma forma geral, a meta é garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90%, com tratamento e coleta de esgoto.

Hoje, o Brasil possui 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada e mais de 100 milhões sem os serviços de coleta de esgoto. A nova lei contribuirá, também, para a revitalização de bacias hidrográficas, a conservação do meio ambiente e a redução de perdas de água, além de proporcionar mais qualidade de vida e saúde à população.

Aos 32 anos, Franciele de Lara é casada e possui três filhas. A casa modesta, mas própria, em Farol, também não tem rede de esgoto. O jeito foi investir na construção de uma fossa. E ela fica bem em frente a varanda. “Colocamos um cano bem longo para o cheiro não nos atrapalhar. Mesmo assim, fica uma cena feia né”, disse. Para ela, o correto seria a cidade aumentar a coleta de esgoto e pôr um ponto final em fossas sépticas.

Francieli tem em frente a varanda uma fossa. Ela prolongou o cano para evitar mau cheiro

E uma boa notícia chega aos municípios. De acordo com Araceli Pendiuk, gerente regional da Sanepar, em Campo Mourão, cidades com contratos vigentes com a empresa não terão que arcar com o dinheiro à obra. “Esses recursos serão por parte da Sanepar, através do plano plurianual de investimentos”, disse. Ela explica que na região da Comcam todo o planejamento já está feito. Os serviços vão desde estações à implantação de redes coletoras. No caso da água tratada, os municípios já são atendidos em 100% das residências. De uma certa forma, o novo marco irá arrumar o que antigos prefeitos não fizeram.

Municípios

Dados do IBGE – censo de 2010 -, indicam que Corumbataí do Sul possuía 38,6% de saneamento adequado. No entanto, hoje, segundo o prefeito Alexandre Donato, os índices saltaram para 78,79%. “Para que nosso município renove o contrato com a Sanepar, a empresa terá que atingir a meta dos 90%”, explicou.

Em Campo Mourão, conforme dados de 2010, a coleta de esgoto abrangia 75%. No entanto, segundo a prefeitura, os números subiram a 89,5 %. E com as obras atuais em andamento no Jardim Santa Cruz e arredores, deve ser elevado a 92%. Em Altamira do Paraná, o IBGE indicava apenas 2% de saneamento. Em Luiziana, 3,7%. E em Farol, 1,5%. Nos três últimos casos, os prefeitos não retornaram os contatos para informar se os números cresceram.

A expectativa é que a universalização dos serviços de água e esgoto reduza em até R$ 1,45 bilhão os custos anuais com saúde, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Além disso, a cada R$ 1 investido em saneamento, deverá ser gerada economia de R$ 4 com a prevenção de doenças causadas pela falta do serviço, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Peabiru nunca investiu um centavo em coleta de esgoto

Entra prefeito, sai prefeito, seja de direita ou de esquerda, a verdade é que Peabiru, cidade irmã a Campo Mourão, jamais investiu um centavo em coleta de esgoto. Nos seus 69 anos de emancipação política, a população sempre viveu ao lado de fossas sépticas. As consequências vêm agora. E a galope. Sem convênio com a Sanepar, a prefeitura deverá encontrar recursos às obras de, pelo menos, 90% de toda a cidade.

Das 25 unidades da Comcam, apenas Peabiru não mantém parceria com a Sanepar. Lá, os serviços de esgoto deverão ser executados via prefeitura, sob a fiscalização do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), o órgão municipal responsável pelo abastecimento de água da população.

De acordo com o procurador da SAAE, Jeferson Lima Aguiar, o município possui zero coleta de esgoto. “Aqui ainda são fossas sépticas”, disse. Agora, é hora de correr em busca de recursos. De acordo com Aguiar, a Funasa já liberou recursos da ordem de R$ 1 milhão aos serviços, devendo ter início em 2022.

Para o prefeito de Peabiru, Júlio Frare, políticos antigos tinham a mentalidade de que, obras sob a terra, definitivamente, não geravam votos. “Peabiru sofre com essa mentalidade até hoje. Além de não termos um metro quadrado de rede de esgoto, também temos muitas ruas pavimentadas sem galerias. Isso impossibilita o recape com recursos estadual e federal. Sofremos por pecados cometidos no passado”, afirmou.

Agora, segundo ele, não é hora de olhar o passado. É o momento de trabalhar. Frare explica que já tem R$ 1 milhão nas contas para iniciar os serviços. Os primeiros passos são os projetos.

Mas isso é quase nada perto do que o município irá precisar até a finalização das obras. Dados indicam que a última atualização dos produtos estava orçada em R$ 14 milhões. De acordo com o Diretor da SAAE, José Augusto Pasqualini Alves, esse primeiro milhão possibilitará o início dos serviços.

“Estamos tentando viabilizar, mas o preço dos produtos subiu demais. Hoje não saberia dizer em quanto está orçado. Mas vamos tentar recursos federais, assim como emendas parlamentares”, disse. Segundo ele, a meta é finalizar uma primeira etapa. Uma vez funcionando, a própria arrecadação ajudará a gerar receita e, consequentemente, reinvestir no próprio esgoto.