De pai para filho, o torresmo do Figueiredo está de volta

Os mais boêmios, adoradores de uma bela mesa de boteco, certamente se lembram da figura emblemática de Maurildo Figueiredo, o “Figa”. Morto após um acidente de moto, em março de 2020, era ele o responsável pelo melhor torresmo dos fins de tarde de Campo Mourão. Acompanhados por uma cerveja bem gelada, era ali, naquelas surradas mesas vermelhas onde a prosa e o riso corriam soltos. Pois bem, “Figa” se foi. Mas o torresmo, definitivamente, não. A partir de agora, a famosa receita será eternizada pelas mãos de Marlon, um dos filhos do saudoso gentleman das 18h. Sim, o torresmo defumado mais famoso voltou.

Mesmo não seguindo os passos do pai – e olha que pedidos pra seguir com o bar não faltaram -, Marlon decidiu colocar em prática a receita que tanto sucesso fez. A ideia é delivery. Com um ponto comercial já alugado, próximo à Central Hospitalar, o “Torresmo do Figueiredo” pretende levar o mesmo gostinho tentador de antes. No cardápio, além do tradicional torresmo do “Figa”, aperitivo de barriga suína, pastel de torresmo, antepasto de torresmo e, até, pão de torresmo. Para completar, mandioca, batata, frango e linguiça. Deu até vontade em abrir uma cerva, não?

Pelo andar da carruagem, o negócio começará a funcionar neste dia 26, de quarta a sexta, das 18 às 22h. E no sábado, das 11 às 20h. Marlon ganha a vida como técnico de informática. E por esta razão, não pensou em continuar o boteco do pai. Mas o destino é imprevisível. Acontece que, este ano, amigos e antigos clientes começaram a pedir porções do famoso torresmo. Marlon, menino bom, acabou fazendo. Mas não deu conta da demanda.

As consequências foram imediatas. E pelo lado bom. Descobriu um filão de mercado a ser explorado. Um nicho do segmento de alimentação pouco usual, quase inexistente. Ainda mais, com a receita do velho “Figa”. Pimba! “Quer saber, vou abrir o negócio”, disse. Segundo ele, além de gostar, vem estudando muito sobre o assunto. Afinal, não se trata apenas de um bom produto. Mas sim, o gerenciamento dele. E os desafios começam nesta sexta. De preferência, com uma gelada pra acompanhar.

Serviço

Delivery – (44) 99817-1914
Horário –  Quarta à sexta, 18h às 22hrs / sábado 11 às 20hrs


Figueiredo foi cedo demais

Maurildo Figueiredo, ou apenas, o Figueiredo, era o dono de um dos mais tradicionais bares de Campo Mourão, existente desde a década de 70. Morreu na estrada, numa tarde encalorada de domingo. Caiu de moto. Não se levantou mais. Foi sem saber o drama que o mundo enfrentaria a partir dali, daquele março de 2020.

Sim, o Bar do Figueiredo fechou desde então. Mais adiante, fecharia pela pandemia. “Figa” morreu sem saber que passaria por isso. A vida por trás daquele antigo balcão deixou de existir. Restaram as histórias e lembranças de um local sempre alegre, cuja alma, refletia a imagem do seu dono. O bar era o espelho de Figueiredo.

“Figa” era um cara extremamente bem resolvido. Pelo menos, até a esposa Josefina morrer há cerca de três anos. Como dizem alguns amigos, ela era o DNA do marido. Era o braço direito e esquerdo, as duas pernas e até o coração. Foi a companhia de uma vida. Certa nos momentos alegres. Perfeita nos problemas do dia a dia. Figueiredo morreu aos 57 anos. Voltava de viagem com sua Harley Davidson. Desde a morte da mulher, aderiu a um grupo de motoqueiros – Bodes do Asfalto. Uma espécie de fuga da solidão. E ele adorava a estrada.

O bar não tinha luxo nem lixo. Era o equilíbrio perfeito entre as boas companhias e a cerveja trincando. Canela de pedreiro. Era um local sem frescura. Chão vermelho daqueles apenas com cera. Coisas empilhadas. Mesas de plástico na calçada. Uma mesa de sinuca. Boa conversa. E claro, o melhor torresmo da cidade.

Boteco respeitado, ali não se criavam playboys ou malacos. Era um bar pra gente normal. Democrático. Trabalhadores, médicos, empresários, advogados. Gente simples. Gente rica. Mas em comum: as cadeiras de plástico do “Figa”. Na sombra do final de tarde, muita conversa fiada. Piadas. Política. Economia. E como todo time tem um capitão, a liderança era do próprio Figueiredo.

Maestro da boa recepção, sabia lidar com cada um dos seus clientes. Aos mais chegados, gozação. Aos novatos, respeito. Aos intermediários, a boa prosa. Sem garçom, ele mesmo ensinava aos clientes como pedir a cerveja. Bastava uma batida do copo americano na garrafa. Em instantes lá vinha ele com a “mardita”. Criou o código pra ninguém gritar. E a turma o respeitava. Quem sempre o ajudou na cozinha foi a esposa. Ela vinha seguindo uma receita da família com o torresmo. Mas com a sua morte, vítima de câncer, ainda em 2018, Figueiredo já não era mais o mesmo. Sentiu a perda. Sofria calado, contam alguns amigos.

O bar começou em 78 com o pai, Nilton. Catarinense, ele chegou a Campo Mourão no final da década de 50. Cresceu e virou caminhoneiro. Transportava madeiras. Mas beirando os anos 80 decidiu abrir o “boteco”. “Figa” cresceu praticamente no interior no bar. Tanto é que virou sócio do pai entre os anos de 85 e 90. Depois disso o bar fechou. Mas em 97 Figueiredo veio com tudo. Não só o reabriu, como trouxe a esposa para ajudá-lo. Era a sua companheira de uma vida.

Com a morte de Josefina, a mãe de Figueiredo voltou à cozinha. Olga, aos 73 anos, retomou a velha receita do torresmo. Antes de morrer, o filho já havia falado para amigos que não era justo fazer a mãe voltar a trabalhar. Talvez por esta razão estava pensando em fechar. Maurildo deixou dois filhos, Marlon e Herlon. Mas eles não tiveram interesse em tocar o negócio. Decidiram fechá-lo.

Por certo, o bar não abrirá mais. O sorriso de Figueiredo ficará em seu interior. Lá, dentro daquelas paredes, pra eternidade. Lá o vazio continuará. Assim como os ecos da saudade. Uma saudade sem cura. Doída. Maldita. É que vai ano, vem ano, as pessoas não se acostumam com a morte. Mas no caso do “Figa”, ainda foi mais difícil digerir. Principalmente, porque as perdas acidentais não avisam quando chegam. E ele foi cedo. Cedo demais.