Marcos enfrenta o maior dos seus pesadelos: deixar o álcool

“O boteco não leva a lugar nenhum. Lá, as portas estão abertas. E qualquer um entra. Mas, para sair, parece que as portas se fecham. É um caminho sem volta. Quando percebe, você já perdeu a família, bens materiais e, até, a própria dignidade”. A afirmação é de Marcos Rogério Brambila. Um alcoólatra, internado na Comunidade Salvando Vidas, em Campo Mourão, desde 2021. Trabalhador ainda aos 15, hoje, aos 41, tenta se reabilitar de um vício difícil de se combater. A bem da verdade, o maior de todos os seus pesadelos: o álcool.

Marcos nasceu em 1982 em Marialva e teve uma infância repleta de “molequices”. Filho de um lavador de carros e uma doméstica, sempre foi pobre. Mas, criado com a dignidade do trabalho dos pais. Aos seis anos, 1988, a família decidiu buscar novos rumos. A morada agora era a cidade de Juranda. A vida seguiu em linha reta até 1996. Foi quando a relação dos genitores chegou ao fim. Então, insatisfeito com a situação, pediu colo dos avós, em Marialva.

O retorno à terra natal aconteceu aos 15 anos. Época em que continuava a estudar. Ao mesmo tempo, arregaçou as mangas e buscou emprego numa borracharia. Nunca mais largou o ofício. Tanto é que passou a ser conhecido como “Orelha Borracheiro” – devido às orelhas de abano. Dizem que o primeiro emprego a gente nunca esquece. No caso dele, não foi diferente. Dois anos depois, já aos 17, conheceu a bebida.

Mesmo morando em Marialva, Marcos visitava os pais, em Juranda. E foi numa dessas viagens quando conheceu a esposa. Os dois se casaram e tiveram um único filho, hoje com 19 anos. O casal morou em Marialva. Mas em 2009, optaram em mudar à Juranda. E lá, as coisas não seriam boas. É que havia um obstáculo no caminho: o álcool.

Com o costume rotineiro de tomar “umas” no bar, Marcos chegava em casa, digamos, “atravessado”, “do lado avesso”, “azedo”. E a situação foi limitando a paciência da companheira. Cansada dos pileques do marido, pôs um fim na relação. Pior a ele. Não aceitando a separação, Marcos logo arrumou outra: a cachaça. E se casou com ela. Jurou amor eterno, hasteou a bandeira da liberdade e se afundou num mar de ilusões.

Trabalho

Em Juranda, Marcos sempre trabalhou na mesma borracharia. E era bom no que fazia. Tinha o respeito do patrão. E a satisfação dos clientes. “Não conheço um borracheiro melhor do que eu. Modéstia parte, eu fazia o trabalho de dois”, disse. E o trabalho era movido a suor, esforço e muito álcool. Ele conta que bebia durante toda a manhã e à tarde. Escondia corotes de aguardente. E os bebia enquanto mentia usar o banheiro.

Agora, Marcos já avançava o sinal vermelho. Sem dó, sem piedade. O vício pelo álcool era algo incontrolável. Era o que, segundo ele, o movia. “Eu bebia o dia todo no trabalho. Ao sair com direção a minha casa, passava no boteco e comprava mais corotes. E os escondiam entre o mato do caminho. Pela manhã, ao deixar a casa e ir ao trabalho, encontrava as garrafinhas e as tomava, como água”, revelou. Após a separação da esposa, estava bebendo sete corotes por dia, ou seja, quase dois litros de aguardente.

Marcos chegou a acreditar que o patrão não desconfiava do seu vício. Mas ele sempre percebeu. Mais adiante, numa boa conversa, o aconselhou a parar. “Ele disse que aquilo iria me matar. E ele estava certo”, lembra. Com as veias repletas de álcool, se envolveu em muitos acidentes de carro e moto. Não morreu por pouco. Noutra vez acabou preso, alcoolizado, após uma briga em uma festa.

Mas o fundo do poço ainda não havia chegado. Em 2021, ao saber da morte do irmão, no interior de São Paulo, buscou doses extras ao sentimento de dor. Na verdade, era uma espécie de fuga. Se já era refém do álcool, atravessando ao sinal vermelho, agora, nem mais o semáforo enxergava. “Comecei a aumentar a quantidade de corotes por dia. Pra falar a verdade, nem eu estava mais aguentando”, disse.

Sim, ele havia alcançado o fundo do abismo. Um enorme buraco escavado por ele mesmo. Perdeu bens materiais, a família e o pior: o amor do filho. Mas as saídas de emergência foram, finalmente, visualizadas após a mãe relatar sofrer problemas no coração. “Foi quando pensei em não dar mais dor de cabeça a ela. Então pedi ajuda. E me indicaram à Comunidade Salvando Vidas. Estou aqui. E não tenho vergonha de mostrar a minha cara”, afirmou.

Marcos conta que chegou à entidade, em Campo Mourão, no final de 2021. Ali, passou a receber a palavra de Deus. Trabalhou, ajudou, colaborou com a casa. E, após nove meses internado, deixou o abrigo. “Eu retornei à Juranda. Acreditei estar livre do vício. Puro engano. Numa festa, cai em tentação. Deu tudo errado”, disse.

Desejando se reabilitar, retornou à entidade e está ali até hoje. Já são meses limpo. Mas ele sabe que um dependente químico sempre será um dependente. Mas qual a cura? Infelizmente, não há cura. A única maneira de combater a doença é a abstinência. Isso significa que a pessoa precisa parar de beber completamente e manter-se afastada do primeiro gole.

“Só sairei daqui quando me sentir totalmente pronto ao mundo lá fora. Sei que não será fácil. Em cada esquina deste país, um bar. Mas aceitar que sou alcoólatra foi um passo fundamental. O primeiro deles. Entrar no vício é muito fácil. Sair, extremamente difícil. Se pudesse dar um conselho aos mais novos, diria para nunca beberem. Não ganhamos nada com isso. Ao contrário, só perdemos”.

Pastor Adão, responsável pela Comunidade Salvando Vidas acredita da reabilitação de Marcos

Serviço

Se você é, ou conhece alguém com dependência química, busque ajuda através da assistência social de sua cidade. Dados indicam que o álcool é um grande condutor à violência doméstica, causando em grande parte a separação de casais. A ele também recaem consequências como conflitos interpessoais, negligência infantil, além de dificuldades financeiras. Alcoólatras não se reconhecem como dependentes químicos, muito menos, doentes. Em tempo: Desde que Marcos foi internado, a relação com o filho melhorou.