A história de Aparecida, que parou com as sessões de quimioterapia para garantir saúde à filha

Aparecida passa pelo maior obstáculo de sua vida: ela enfrenta o câncer. Não bastasse isso, deu à luz na última terça, a Edilaine Vitória – nome sugestivo a quem vinha lutando para nascer. Pelos problemas da doença, o parto foi antecipado em um mês. Internada na Santa Casa de Campo Mourão, há quase dez dias, ela descobriu algo a mais para continuar a acreditar. Desde que ali chegou, vem recebendo um carinho extra, de todos os profissionais do hospital. Mulher simples, até os 33 anos de idade, jamais havia feito uma maquiagem. Não mais. Sobre a cama, entre medicamentos e canos de soro, saboreou uma das muitas vaidades femininas. Não apenas foi maquiada, como recebeu um book fotográfico. Aparecida e Edilaine, continuam a lutar.

Aparecida ganhou a primeira maquiagem de sua vida

Nascida em Piracicaba, interior de São Paulo, Aparecida conta que jamais correu do trabalho. Começou ainda aos oito, ao lado da avó. Na época, a ajudava a coletar recicláveis. E, mesmo criada em uma família extremamente pobre, jamais faltaram alimentos à mesa. Os exemplos da mãe e da avó, já indicavam que, parar, não era e ainda não são, os caminhos a seguir. “Eu sempre fui à luta. Nunca precisei pedir nada, a ninguém. Trabalhar é a saída a todos os problemas”, disse.

A mulher de olhos negros profundos, nunca teve uma vida fácil. Estudou até a quinta série, o suficiente para aprender a ler e escrever. Mesma época em que nunca mais parou de trabalhar. Mas, ainda aos 13, decidiu pelas próprias pernas, sair de casa. Segundo ela, inevitavelmente, era agredida pelo pai. Vítima do alcoolismo, o genitor promovia cenas de horror na residência. Para não mais ver a mãe e, ela própria, passarem por isso, hasteou a bandeira da liberdade. E sumiu.

O destino foi a casa da avó. E foi com ela quando aprendeu o verdadeiro sentido da palavra trabalho. “Nunca precisamos roubar. Os recicláveis eram uma das saídas de nossas emergências. E quer saber: nunca nos faltou comida”, disse.

Aos 18 anos, ainda em Piracicaba, conheceu um rapaz. Com a paixão, decidiu juntar os trapos. E, da relação, tiveram dois filhos. Em 2014, o marido recebeu uma proposta de trabalho em Sarandi, na região de Maringá. Buscando melhores oportunidades, a família deixou as bandas paulistas. No entanto, os rumores de uma nova vida também se transformaram em frustrações. Pelo menos no lado emocional. É que o álcool cruzou mais uma vez, o caminho de Aparecida.

Bebendo bastante, o marido fez com que a relação chegasse ao limite. Aparecida então colocou um ponto final na história. Permaneceu com o casal de filhos e arregaçou as mangas, ainda mais. “Eu já trabalhava. Mas naquele instante fui para as ruas e iniciei a coleta de recicláveis de novo. Eu tirava um bom dinheiro. Nada nos faltava”, lembrou.

Após a separação, Aparecida se mudou a Paiçandu, ao lado de Maringá. E foi ali que continuou sua jornada, solitária, mas sempre junto aos filhos. A vida seguia como sempre, até aparecer a história do Uber em seu caminho.

A descoberta do câncer

2021. Era um dia de extremo calor em Paiçandu. Aparecida chamou um Uber para a levar até uma residência. Lá, receberia algumas roupas de doação. Ao lado dos filhos, chegou ao endereço. E após apanhar as sacolas, acionou novamente outro motorista de aplicativo. Ao chegar ao local, o veículo estacionou 15 metros de distância. “Como as sacolas eram grandes, pra mim ficou bem longe. Mas mesmo assim eu carreguei o peso até o carro. Fiz muito esforço, ainda mais com o calor daquele dia”, disse.

Ao chegar em casa e tomar banho, Aparecida percebeu um grande “caroço” em uma das mamas, ao que define hoje como, do tamanho de uma “laranja”. Embora preocupada, pensou que se tratasse apenas do esforço físico feito durante à tarde. “Lembro da minha avó falar muito em íngua. Acreditei que fosse isso. E cheguei a fazer simpatia com uma faca. Mas não adiantou nada”, disse. Somente 30 dias depois, optou em buscar um diagnóstico sobre a saliência.

Encaminhada a um médico, teve que fazer biópsia. E lá, constatou-se a gravidade da tal “laranja”: era um câncer. Então, ainda em 2021, realizou oito sessões de quimioterapia. E 25 de radioterapia. “Me judiou demais. Perdi todos os cabelos do corpo. Fora o mal estar, que era constante”, lembrou. Ainda no mesmo ano, Aparecida fez um procedimento para retirar o tumor da mama.

Agora aliviada e pensando estar curada, teve uma vida normal em 2022. Época em que deixou os recicláveis para encarar a vida como diarista. Mas, acabou se esquecendo de continuar cuidando do diagnóstico. E não realizou nenhum outro exame. As más notícias chegaram rápido.

Além da maquiagem, ela também foi presenteada com um book fotográfico

O câncer retornou

Fevereiro de 2023. Eram cinco horas da manhã quando Aparecida acordou com fortes dores de cabeça. Tomou remédios e nada adiantou. Então buscou um posto de saúde. Foi medicada com Dipirona. E as dores não paravam. Encaminhada a um hospital, fez uma tomografia. E descobriu-se nove tumores em sua cabeça.

Ainda “baqueada” com as más notícias, se submeteu novamente a mais dez sessões de radioterapia. O drama havia voltado. E mais pesado ainda. E o pior: fez algumas sessões sem saber da gravidez. “Eu só soube que estava grávida em junho”, disse. Após finalizar o tratamento, médicos descobriram outros tumores, agora no pulmão e na coluna. E nada mais podia ser feito, uma vez que a gestação já havia sido descoberta.

Pedindo ajuda divina, Aparecida seguiu até Cianorte. O colo da mãe era o lugar mais seguro, de certa forma, confortável. Então, no meio de agosto, fortes dores na coluna iniciaram. Como não cessavam, foi encaminhada à Santa Casa de Campo Mourão.

Lá, acabou acolhida não só pelo hospital. Mas por todos os profissionais que a assistem. Psicóloga, Sarah Casali fez muito mais que suas obrigações. Para distraí-la, conseguiu ajuda de amigas e sem saber, acabou proporcionando um “dia de princesa”. Edina Borsato foi a maquiadora. Débora Casali e Cárita Rieme Fonseca, as fotógrafas. Juntas, as voluntárias se comoveram, transformando aquele dia, num dia especial. Gente cuidando de gente. “Eu nunca tinha feito maquiagem. Não sei se foi por falta de oportunidade. Não sei. O que sei é que fiquei muito, mas muito contente”, disse.

Edilaine Vitória

A terceira filha de Aparecida nasceu na última terça-feira, às 18h30, na Santa Casa de Campo Mourão. Veio ao mundo com 30 dias de antecedência. O corpo clínico assim decidiu por encarar o quadro de saúde da criança preocupante. De acordo com o hospital, o bebê vinha apresentando alterações nos batimentos cardíacos, compreendidos como uma taquicardia. Por este motivo, a mãe foi submetida a uma cesariana de emergência. Logo após o nascimento, Aparecida e Edilaine foram unidas. Por pouco tempo, é claro. Em seguida, a menina foi levada a uma incubadora. As duas estão bem.

Aparecida tem consciência da gravidade da doença. Após saber de sua gravidez, ela foi obrigada a romper com o tratamento, as infindáveis sessões de quimio e radioterapia. Ela fez tudo pela saúde da filha. Mas foi obrigada a sacrificar a sua.

Hoje, um dos filhos está em São Paulo, junto ao pai. Embora a separação matrimonial tenha sido traumática, ele e Aparecida são amigos. Segundo ela, o ex companheiro parou com a bebida. A filha mais nova é fruto de uma recente relação com o namorado. Ele acompanha a situação da mãe e filha, de longe, devido ao trabalho.

O passo agora é alinhar um novo recomeço às sessões oncológicas. E o tratamento deve ser quase, imediato. No entanto, ainda é preciso a análise de seu quadro com médicos de Maringá, que já a trataram. O hospital frisou que Aparecida está bem. Fez tomografia, está medicada e vem recebendo acompanhamento psicológico, da “amiga” Sarah.

Durante a entrevista, Aparecida Cristina de Souza se mostrou forte, como sempre foi. A bem da verdade, ali, ficou evidenciado o retrato fiel de uma guerreira. “Não estou com raiva de Deus, não. Pra mim, ele representa compaixão. Misericórdia. Esperança. Minha relação com ele é de paz e amor”, disse.