Após 70 anos, Acicam se vê em meio à denúncias de assédios moral e sexual

Campo Mourão, 6 de junho de 2023. Era quase meio-dia quando uma funcionária, com mais de 29 anos de Associação Comercial e Industrial de Campo Mourão (Acicam), recebe um comunicado, no mínimo, surpreendente. Ela seria transferida da sede do órgão, à Casa do Empreendedor, pertencente à prefeitura. Ainda no mesmo dia, ao chegar do almoço e sem entender os motivos da mudança, ficou chocada com a cena a seguir: membros da entidade pegando suas coisas à transferência. De uma certa maneira, acabou se sentindo, segundo ela, “despejada” do próprio ambiente de trabalho.

Dias antes, a colaboradora já vivenciava um trato amargo no ar. Ares de isolamento por parte do Secretário Executivo Anderson Douglas de Almeida. “Eu não podia mais fazer minhas atividades. Eu tinha que pedir permissão ou autorização pra tudo. Estava me sentindo excluída da Acicam“, afirmou. A exclusão foi comprovada numa tarde, durante um simples café oferecido a todos os funcionários. À todos, com exceção dela, que não foi convidada. “Putz, esqueci de você. Porque você fica isolada lá“, teria explicado Anderson, num tom de deboche.

A mudança de ambiente foi indesejada. Mas acabou bem aceita. Ela não estava mais excluída. Ao contrário, agora tinha o companheirismo de todos na Casa do Empreendedor, embora ainda fosse trabalhadora da Acicam. Mas acontece que algo pior ainda aconteceria. Em 6 de outubro, quatro meses após a transferência, ela foi demitida. Coincidentemente, dias depois de ser intimada e ter prestado depoimento ao Ministério Público do Trabalho. Era uma ação que investigava e apurava crimes de assédio moral dentro da própria entidade. Para o MP, a demissão pode ter um único motivo: retaliação.

A funcionária em questão conta que era amiga de outra ex-veterana dos quadros funcionais da Acicam. Mas a colaboradora pediu demissão há dois anos, segundo ela, por não mais aguentar as perseguições e assédios morais de Anderson, assim como do próprio presidente Ben-Hur Roberval Teixeira Berbet. No caso do último, nem tanto por pressões, mas por “omissões”. Ela trabalhava ali desde 1995 e deixou o cargo de secretária executiva em abril de 2022. “Eu não concordava com alguns comportamentos e fiquei esgotada emocionalmente“, disse.

O primeiro “confronto” entre ela e o presidente, aconteceu por causa de Anderson, antes mesmo dele ser inserido ao quadro de funcionários da entidade. Na época, trabalhando para a Faciap, Anderson ofereceu e vendeu à Acicam um produto chamado “Clube do Associado“, o qual o remunerava com R$ 2,5 mil mensais. Acontece que a funcionária não aceitava a falta de transparência do negócio. “Não havia um contrato. E também o questionava sobre os resultados da parceria. Na verdade, não existiam resultados, nem relatórios. Nada. Eu não tinha nada em mãos para prestar contas à diretoria“, afirmou.

Vendo um produto ineficaz e, agora, também recebendo críticas do mesmo projeto de outras associações da região, já que Ben-Hur viajava por algumas vezes com Anderson, ela decidiu relatar o assunto à Cacercopar – Coordenadoria das Associações Comerciais da região. E o assunto, por óbvio, apareceu na Faciap. E é claro, a bomba caiu em seu colo. “O Ben-Hur entrou na minha sala e disse que precisava conversar sério comigo. Então fomos a uma lanchonete. E perguntou porque eu tinha levado as reclamações de outras associações à Faciap e não à ele“.

No mesmo dia, após voltar à Acicam, Anderson adentrou sua sala e, falando agressivamente, perguntou se ela sabia que ele quase havia sido demitido da Faciap. “Após esbravejar, ainda disse que na Acicam havia alguns espíritos de porcos“. A conversa aconteceu na presença do próprio presidente que, segundo ela, permaneceu calado e nada fez. Se sentindo constrangida, chorando e vendo um péssimo ambiente de trabalho, ela pensou muito e decidiu pedir demissão. Não havia mínimas condições de trabalho ali. Então, após 27 anos de Acicam, ela deixou a entidade. E seu lugar agora, passou a ser ocupado por Anderson.

Assédio sexual

Não bastasse o clima de “guerra” instaurado internamente às paredes da Acicam, também em 2023, mais precisamente, em junho, outra denúncia estarrecedora é comunicada a alguns diretores: um possível assédio sexual. Uma funcionária teria, segundo ela, recebido propostas para sair com um membro da diretoria. “Ele chegou a printar uma foto minha, das redes sociais, e me enviado dizendo, ‘que delícia’“. De acordo com ela, não foram poucas as vezes que se sentiu assediada.

O assédio teria acontecido entre os anos de 2020 e 2021. Mas somente em junho do último ano se encorajou em revelá-lo. O diretor acusado conversou com a TRIBUNA. E afirmou jamais ter a convidado para sair. Sobre o print, disse não se lembrar de nada. “Eu nem tenho redes sociais para ficar olhando o perfil de ninguém“, disse ele. A denunciante garantiu ter provas do assédio, embora não as tenha mostrado. “Meu advogado não quer que eu me pronuncie ou mostre alguma coisa“, disse.

Embora tenha a proibição do advogado, a funcionária revelou em uma rede social, em 20 de março deste ano, o suposto assédio que teria recebido. O relato, extenso, aconteceu durante a entrevista do então candidato Francisco Viúdes à Rádio Colméia. Ali, além de dar nome aos bois, ainda descreveu o que, segundo ela, teria vivenciado.

As revelações do possível assédio, foram, segundo Anderson, o estopim para iniciar uma batalha entre alguns diretores e à própria diretoria. “Isso é visível na sindicância que eles instauraram, dias após estas revelações, quando ouviram apenas quem eles quiseram. Porque não ouviram todos os funcionários?“, questionou.

Sindicância

Final de maio de 2023. Foi neste período quando alguns diretores da Acicam souberam de possíveis ações de assédio na entidade. Então, em 22 de junho, instauraram uma sindicância para averiguar os fatos, mesmo Ben-Hur não gostando da medida, a quem chamou de “reunião clandestina”. O fato é que as narrativas das duas funcionárias e de outros dois colaboradores, indicavam se tratar de assédio, o que configurava crime na legislação trabalhista. “Não tenho dúvidas de que isso aconteceu. Nas oitivas pudemos ouvir os relatos. Foi assédio moral sim“, afirmou Leonardo Hiroki, ex-assessor jurídico da Acicam.

A comissão, não reconhecida pelo presidente, teria o propósito de identificar todos os pontos negativos internamente, inclusive, o de um possível assédio sexual. No entanto, segundo Hiroki, os integrantes foram impedidos de verificar todos os pontos. “Quando iniciamos a sindicância é que soubemos da denúncia de assédio sexual. E também iríamos investigar. Só que não conseguimos dar andamento mediante os obstáculos impostos pela diretoria“, explicou o advogado.

Os casos de assédio moral acabaram denunciados, anonimamente, ao Ministério Público do Trabalho no ano passado. E em 27 de julho, foi instaurado um inquérito civil para apurar os fatos. Como corre em sigilo, a reportagem não teve acesso aos autos. Mas sabe-se que após as oitivas, o órgão pediu o afastamento do presidente e do secretário da Acicam. O pedido foi indeferido pela justiça. Mesmo entendendo se tratar de “graves condutas”, a Vara do Trabalho não seria a jurisdição competente para analisar as normas estatutárias da Acicam. A jurisdição correta seria a justiça comum.

Pelo menos duas testemunhas que depuseram, se disseram ameaçadas de demissão. E, além das denúncias sobre assédio a funcionários, a presidência da Acicam também teria obstruído o trabalho de membros do Conselho Deliberativo, simplesmente, alegando que tal conselho não existia oficialmente. “Era o que o Ben-Hur alegava com reuniões clandestinas. Dizia que o conselho havia sido formado distante das regras do estatuto“, explicou Hiroki. Agora, com uma “guerra” instaurada nas entranhas da entidade, membros do conselho acabaram excluídos até mesmo do grupo de whatsapp da diretoria. A Acicam vista de fora, continuava uma maravilha. Mas dentro, vivenciava o inferno.

O outro lado da moeda

Envolvido nas denúncias de assédio moral a, pelo menos quatro funcionários, Anderson revelou que há nove meses vem passando por acusações injustas e infundadas. Segundo ele, os colaboradores em questão – uma pediu a conta, outra foi demitida e dois continuam no trabalho -, não aceitaram o novo ritmo de trabalho imposto na última gestão. “Tínhamos um jeito mais dinâmico para buscar o sucesso da Acicam. Estas pessoas não conseguiram entrar no ritmo e acabaram não gostando“, explicou.

Para ele, as cobranças por melhores resultados jamais aconteciam de modo rude ou de um jeito ameaçador. “Pedíamos resultados, apenas“, disse. No caso da colaboradora demitida, ele ressaltou que, após quatro meses, ela não conseguiu atrair nenhuma nova MEI (Microempreendedor Individual), aos quadros da Acicam. “Não tinha resultados. Então preferimos não mais continuar com os seus serviços“, afirmou. Através de uma testemunha, a reportagem foi informada que a colaboradora em questão não recebeu treinamento na nova função.

Anderson e outros funcionários, juntos, relataram que nunca houve verdadeiramente os assédios morais denunciados. “Isso não existiu. Tenho 15 anos de Acicam, criei meus filhos honestamente com este emprego. E o que vejo aqui é uma grande injustiça“, afirmou uma das colaboradoras. Ela também não entende porque ninguém quis ouvir o restante do quadro de funcionários da Acicam.

Ressaca do pós-eleição

Ainda na última terça, após a “ressaca” da eleição, a TRIBUNA esteve na sede da Acicam. Este repórter chegou como se estivesse em meio à derrubada de um vespeiro. Nos corredores, ânimos exaltados. Funcionários chorando. Já em uma outra sala, membros da nova diretoria eleita, conversando com uma colaboradora.

Anderson disse que foi “expulso” da própria sala e que os chamavam para uma espécie de “opressão”. No entanto, não foi o que uma das colaboradoras ouvidas informou, ainda no recinto. “Não estou me sentindo ameaçada, nem coagida“, afirmou.

Pelo que se vê, trata-se de um momento singular na entidade. Ela está dividida. Fora, com dois grupos de empresários. Dentro, com dois grupos de funcionários. E é visível que os núcleos funcionais tinham a sua própria torcida, na disputa da eleição da última segunda-feira.

Ainda à flor da pele, Anderson chegou a postar um vídeo nas redes sociais demonstrando o clima da volta dos trabalhos. “Olha os primeiros momentos do Chico presidente. Membros da nova diretoria chegaram acoando todos os funcionários. Como se fôssemos bandidos“, disse. Ainda no vídeo, uma colaboradora afirmou ter sido humilhada. A postagem foi apagada momentos depois.

Presidente eleito

Recém empossado à frente da Acicam, o empresário Francisco Viúdes disse que esteve na entidade na terça, após o episódio, quando fez uma pré reunião com os colaboradores. E colocou a todos eles a forma como pretende conduzir. “Mostrei como queremos administrar e a paz que desejamos ter internamente. Sabemos que lá existe uma rivalidade entre alguns funcionários. E já tomamos algumas providências“, explicou.

Francisco também enfatizou no encontro que todos eles dependem da Acicam, e vice-versa. “Falei a eles que temos que fazer um trabalho de bom atendimento, com harmonia, dedicação. Porque a Acicam é maior que todos nós. Com diálogo e entendimento vamos ter um bom andamento, nunca prejudicando nosso associado“, disse. Segundo ele, a meta da entidade é que todos remem para um só lado, trabalhando felizes e com o empresariado satisfeito com o trabalho.

No entanto, sobre as denúncias, revelou que existem prós e contras. E que as pessoas têm o direito de se defenderem. “Se houve esses assédios lá atrás, é problema de quem está sendo acusado e do acusador. Não podemos nos envolver. O objetivo é fazer uma Acicam forte e pujante“, disse.

EM TEMPO: Ben-Hur, ex-presidente da Acicam, foi procurado pela reportagem. Ele não retornou às ligações. O espaço segue aberto.


Colaboradores pedem demissão em massa

No final da tarde da última terça-feira, pelo menos oito funcionários da Acicam pediram o seu desligamento. O que surpreendeu a nova diretoria eleita. Nem mesmo a ata de posse foi localizada. Ao chegarem a entidade, apenas seis colaboradores continuavam no trabalho. “Realmente, estou decepcionado. Uma situação que não imaginava“, disse o presidente, Francisco Viúdes.

Em nota enviada a um dos diretores, os funcionários escreveram: “Sem respeito, não há possibilidade de convivência. Sendo assim, ficou claro para nós funcionários da Acicam, que a atitude dos diretores da chapa eleita Leonardo Hiroki, Raphael Menechine e Donizete Santos, ao humilharem 8 funcionários da Acicam, demonstra o desprezo e indiferença com quem tanto contribuiu para o desenvolvimento dessa valorosa entidade.

A Acicam foi a casa desses colaboradores por mais de 20 anos, e é muito triste ver toda essa história acabando assim. Comunicamos que hoje, 8 funcionários da Acicam, cansados das perseguições praticadas por esses diretores e mais 3 que compõe a chapa, se desligaram da Acicam. Aos associados, nosso muito obrigado por todas as conquistas e celebração”.

Os três diretores negam as acusações de “humilhação”. E dizem que isso jamais ocorreu. “Temos testemunhas que provam que isso não ocorreu. Estávamos apenas verificando algumas questões sobre cargos e funções. Foi um teatro armado justamente para subsidiar reclamações trabalhistas que vão impetrar. É o descontentamento deles com o resultado da eleição“, explicou Leonardo Hiroki. De acordo com ele, a ida até a Acicam aconteceu naturalmente, para que a nova diretoria tomasse posse.

Viudes disse que, embora a atitude dos colaboradores tenha sido contra a sua vontade, irá preencher as vagas com novas pessoas. “O trabalho não irá parar. Vamos colocar novos colaboradores e seguir adiante. A Acicam não irá parar“, afirmou.

Novo capítulo

Como uma grande caixa de surpresas, na manhã de hoje (quarta), a TRIBUNA recebeu um vídeo enviado por Anderson o qual, aparentemente, selava a paz com o novo presidente Francisco Viúdes. Nele, explicava que, como uma transição de gestões, ideias nem sempre são aceitas e, por vezes, incompreendidas. Mas que a partir de agora, tudo seria pacificado. Mais do que isso: ainda chamou de matéria sensacionalista qualquer veiculação a respeito dos fatos, que possa denegrir a imagem da entidade. “Não estamos autorizando a veiculação de nenhuma matéria“.

Após conturbadas ações no dia de ontem, hoje a paz foi selada entre Anderson e Francisco