Hoje não deu para Flávia. Amanhã pode dar

Única atleta residente em Campo Mourão nas Olimpíadas de Paris, Flávia Maria de Lima competiu na tarde dessa sexta-feira (2) nas eliminatórias da prova dos 800 metros. Chegou em sexto lugar, com 2min00s73 e não avançou à fase seguinte. Mas o sonho ainda não terminou. Neste sábado (03) ela tenta uma nova chance na repescagem.

Na prova, vencida pela cubana Daily Cooper – 1min58s88, Flávia optou por uma ousada estratégia: abrir frente as demais. A tentativa não deu certo. A 200 metros do final perdeu ritmo, sendo ultrapassada por cinco adversárias. Agora, sua última chance acontece amanhã, sábado, 11h20 de Brasília.

Flávia nasceu em 1993, em Rio Negro. Mas cresceu em Campo do Tenente. Ali viveu até 2010. Ano em que conheceu a professora Lucia Regina, que mudaria a sua vida. Para sempre. Lá, incentivou Flávia a participar dos jogos escolares de Maringá. Na época, a inscreveu na prova de salto em altura. A menina de 17 anos jamais havia treinado. E na prova, descalça, ficou em terceiro lugar. Com a desenvoltura e com os pés no chão, literalmente, chamou a atenção do professor Paulinho, de Campo Mourão. E, após um convite, Flávia se mudou para as terras vermelhas.

Nascida em berço de poucos recursos, trabalhou na roça. Mais adiante estudou. E foi na escola onde descobriu os desejos da vida. Ali, percebeu o propósito de se tornar uma esportista. Ela poderia ter sido apenas mais uma atleta. Mas a força de vontade a levou a pensar alto. E sonhando em despontar, construiu uma carreira vitoriosa. E mesmo os preconceitos do próprio esporte sobre sua gravidez, em 2018, a fizeram mais forte. Mais aguerrida. Definitivamente, ela não teme mais nada. Esta é a segunda Olimpíada de Flávia.

“Meus primeiros treinos de verdade aconteceram com o Paulinho”, disse. No começo ela treinava provas de salto. Mas, inscrita em uma competição, na prova dos 800 metros individual, acabou ganhando a disputa diante de medalhistas já conhecidas. “Naquele dia, Paulinho chegou e me disse: você é uma oitocentista. Esta é a sua prova”, lembrou. Depois disso, Flávia nunca mais desistiu dos 800 metros.

Em Campo Mourão, a menina treinou até o final de 2011. Mas Paulinho sabia que o diamante precisava ser lapidado. Então a encaminhou a Uberlândia. Lá, no Centro Nacional de Treinamentos, passou a fazer um “camp” com o treinador Luis Alberto. E os resultados não demoraram a aparecer. Passou a se destacar internacionalmente. E, a partir de 2012, Flávia não era mais uma menina. Os sonhos começaram a serem consolidados, principalmente, depois do mundial juvenil de Barcelona. “Ali comecei a ter uma evolução muito grande. Minha história começou a ser escrita”, disse.

Os treinamentos incessantes a levaram a muitos títulos internacionais. O último deles no Sul Americano do ano passado, com o primeiro lugar. Flávia conta que correu a prova sob uma pressão psicológica gigantesca. Estava envolta a problemas pessoais devido a sua separação. Mesmo assim, diante de um pesado contexto, de dificuldades e dor emocional, foi campeã. O título a levou ao mundial de Budapeste, recentemente, quando foi semifinalista, ficando em 17º lugar. “Eu preciso melhorar em alguns aspectos. Minha cabeça e meus treinos estão todos voltados para ser uma finalista olímpica”, afirmou, em entrevista à TRIBUNA, em 2023.

Gestação e preconceito

Da relação com o ex-companheiro, Flávia teve uma filha em 2018, em meio a sua trajetória vitoriosa nos 800 metros. A gestação não foi ao acaso. Ela desejava ser mãe. Mas, ao invés de ser uma suave passagem, o contexto foi pesado demais. “De certa forma, eu sabia o que iria acontecer. O esporte é ingrato nesta questão. Ele não aceita. Hoje, vejo que as políticas de valorização da mulher estão melhorando. Evoluindo. Mas naquela época, foi triste demais”, lembrou.

Flávia diz que, por conta da gravidez, o clube parou de pagar sua grana. Amigos se afastaram como se fosse uma doença. “Mas nunca desisti. Busquei realizar meu sonho. Sempre soube que eu conseguiria mais e que minha história não terminaria ali. Na verdade, estava apenas começando”, disse.

A transformação de atleta para mãe, acabou a transformando em uma outra mulher. Após um ano parada, ela voltou aos treinos, quando percebeu um corpo totalmente diferente. Ela lembra que tudo mudou. Como exemplo a maneira de sua recuperação. “Passei a me reconhecer de novo como atleta. Foi um recomeço do zero. O cansaço era diferente. E passei a ser uma atleta ainda melhor do que era. Parei de ter medo. Não tive mais nervosismo e nem mesmo ansiedade. Hoje eu sei o que tenho que fazer. Tenho autoconfiança. A maternidade me tornou mais forte e mais capaz. Principalmente porque tenho uma verdadeira motivação em minha vida: minha filha”, afirmou. De certa maneira, os sonhos foram ampliados.

Flávia é a filha do meio de cinco irmãos. Desde pequena, após retornar da escola, encarava a lavoura ao lado da mãe, Cláudia, e do pai, José. Embora ela esteja novamente morando em Campo Mourão, os genitores continuam em Campo do Tenente, ainda na roça. Os pais são trabalhadores honestos e deram exemplos aos filhos. E mesmo nas dificuldades de um país desigual, jamais deixaram faltar algo à família. Flávia lembra que na lida da lavoura, os ajudava colhendo verduras. “Eu ajudava colhendo tomate, alface, repolho. E também fazia manejo de leite, tirando leite das vacas”, disse. Aliás, uma das brincadeiras de infância: correr dos bois, pulando as cercas. “Aprendi a correr fugindo deles”, brincou ela.