Marcos sempre teve Antônio e Roseli. E agora, tem a justiça a se fazer

Eram 16h do dia 13 setembro de 2024. Naquela tarde, em Curitiba, a vida provava mais uma vez o verdadeiro sentido da palavra perseverança. Sentado frente a uma comissão de juízes, Marcos fez a última prova para adentrar à magistratura. O rapaz simples e humilde, dava o maior passo de sua breve jornada. E mesmo não imaginando todos os percalços por ele enfrentados, durante os seus 27 anos, a comissão disse sim. Marcos agora, definitivamente, é um juiz de direito. A justiça social foi feita.

Eram 16h do dia 13 setembro de 2024. Naquela tarde, em Curitiba, a vida provava mais uma vez o verdadeiro sentido da palavra perseverança

Mourãoense, nascido em 1996, Marcos veio de um berço extremamente modesto. Os pais, Antônio e Roseli, trabalhavam na roça. E, desde então, jamais pararam a labuta, mas agora, distante dos campos. Hoje o pai aposentado, aos 68, ainda atua numa transportadora. Ele precisa complementar a renda de casa. Já a mãe, aos 58, é uma honesta professora do ensino fundamental. Sempre travando uma luta desleal contra a economia e as injustiças do país, o casal jamais deixou faltar comida a Marcos e ao irmão, Paulo.

Antônio trabalhou na lavoura dos seis aos 17. Hoje, ele tem o ensino fundamental. Já, Roseli, esteve na roça dos sete aos 15. Ao atingir essa idade, ela fez o antigo curso técnico de magistério e passou a ensinar outras crianças no meio rural. Atualmente, ela está formada em pedagogia.

Durante toda a infância dos dois irmãos, somente o pai era empregado. Roseli abdicou da vida profissional para cuidar da prole. E nunca se arrependeu disso. Aliás, os resultados hoje confirmam que a escolha foi certeira. Enquanto Marcos seguirá a magistratura, Paulo caminha bem, na parte de logística de uma empresa de construção em Maringá.

Com o trabalho do pai, as condições financeiras, definitivamente, não eram boas. Por esta razão, como a imensa parte da população brasileira, os meninos estudaram o fundamental em colégios públicos – Escola Monteiro Lobato e Marechal Rondon. Não havia grana aos particulares. E somente depois disso, Marcos conseguiu uma bolsa de estudos no Colégio Sesi, já no ensino médio.

Após os filhos se dedicarem bastante aos estudos e, consequentemente, adentrarem à faculdade, Roseli retornou ao trabalho em 2014. E, mais uma vez, a decisão foi pelos dois. Uma vez que, somente o salário do pai não seria suficiente para bancar os estudos.

A decisão de Marcos em fazer Direito aconteceu ainda no ensino médio. “Inicialmente eu tinha a pretensão de fazer alguma engenharia. Todavia, meu professor de história Silvio Coelho (in memoriam) conversou muito comigo porque viu em mim a vocação para a carreira jurídica. Tenho uma profunda admiração por ele até hoje. Principalmente, por ter me dado essa direção tão certeira”, explicou Marcos.

Marcos então ingressou no Direito em 2014. Foi bolsista integral do programa PROUNI do Governo Federal. “Foi um período bem difícil, porque não conseguia estágio. E meus pais tinham que fazer muitos sacrifícios pra me manter na faculdade. Tinha dias que eu passava só com o almoço do restaurante popular, que custava R$ 2 na época”, disse.

Mas se a ideia era ser um advogado, a coisa começou a mudar em agosto de 2015. Período que iniciou a estagiar no gabinete do Dr. Marcel Ferreira do Santos, Juiz na Comarca de Maringá – hoje ele é presidente da Associação dos Magistrados do Paraná. “Ali eu entendi um pouco melhor sobre as figuras do advogado, juiz, promotor e defensor. E pude perceber que a magistratura era a que mais se encaixava no meu perfil pessoal”.

O descrevendo como um ótimo ser humano e profissional extraordinário, Marcel foi ao poucos, passando despachos, decisões e sentenças. E fazendo minutas de sentença, Marcos se sentiu realizado. “A capacidade de transformar a realidade é um dos diferenciais da magistratura e aquilo me realizou profissionalmente. Mesmo ainda sendo estagiário”, afirmou. Os estudos à magistratura tiveram início em janeiro de 2019. E somente em 2024, foi aprovado.

Não raro, num país enraizado por preconceitos, por óbvio, Marcos também sofreu. Passando por inúmeros constrangimentos, principalmente durante a faculdade, chegou a “normalizar” as situações

Sacrifícios

Marcos conta que, de janeiro de 2014 até outubro de 2016, ele foi sustentado 100% pelos pais. “Nessa época minha mãe voltou a trabalhar justamente em razão da insuficiência do salário do meu pai. Só que tudo que eles davam pra mim e pro meu irmão, eles tiravam deles, então era bem complicado”.

Conta que, diante das dificuldades, buscou estágio na área. Mas não conseguia em razão de estar nos primeiros anos da faculdade e não ter conhecimento. Pela falta de opção, acabou ingressando como estagiário voluntário. Trabalhou de forma voluntária por aproximadamente um ano e meio. Foi quando então surgiu a oportunidade de ter uma bolsa de estágio. Após isso, 2016, começou a ter dinheiro para pagar a própria comida. E eventualmente ajudar em uma conta menor de casa, como por exemplo a luz.

Não raro, num país enraizado por preconceitos, por óbvio, Marcos também sofreu. Passando por inúmeros constrangimentos, principalmente durante a faculdade, chegou a “normalizar” as situações. “Isso é algo que sempre acontece. Na faculdade eu fui bem acolhido por professores e pelos colegas de classe. Mas em outros lugares acontecia. Pessoas escondendo pertences quando eu passava perto. Ou ser seguido por segurança em shopping”.

Marcos deve tomar posse como juiz na próxima semana. Depois disso, fará curso de formação em Curitiba e Brasília. “Devo iniciar os trabalhos depois, na comarca de Peabiru ao que tudo indica”. Em sua profissão, ele entende que “sempre devemos ter em consideração que o juiz é um servidor público e, como tal, está sujeito a avaliação pela sociedade. É na fundamentação das decisões que o juiz demonstra o acerto de sua atuação. Diante disso, entendo que o juiz deve estar atento a realidade social e aplicar as normas de modo prudente e razoável”

Amiga

Amiga de Marcos, Paula Fernanda Alves disse que não tem palavras para expressar o orgulho da caminhada do, agora juiz. “Apesar das adversidades ele estava determinado a não desistir. Tinha que equilibrar os estudos com o trabalho”. Para ela o grande apoio à vitória do amigo, foi através dos pais. Foram essenciais a tudo.

“Sei do amor que ele tem pelos pais. Me lembro de ter falado que o pai estava com problemas. E mesmo assim, ele jamais deixou de ajudá-lo. Marcos é sem dúvidas um exemplo. Com muito esforço e dedicação, se transformou em um juiz. Tenho certeza de que sua carreira será marcada pela busca incessante pela verdade e pela justiça”.

Pais

Olhando a tudo pelo que passou, vivendo com as dificuldades do dia a dia, principalmente, sem grana no bolso, Marcos não se esquece do sacrifício dos pais. “Eles ficaram super felizes com a notícia, quando fui aprovado como juiz. Eles foram as maiores testemunhas das abdicações que experimentei nesses anos de estudo. O apoio deles foi essencial pra eu conseguir estudar, tanto na faculdade como depois”, afirmou. E como gratidão eterna, Marcos garante que agora, a ajuda será no sentido contrário. Ele quem ajudará Antônio e Roseli. Mais uma vez, justiça sendo feita.