Não precisamos de mais médicos, mas de melhores médicos
Você entraria em um avião se soubesse que o piloto não tem qualificação condizente com a responsabilidade? Da mesma maneira, você colocaria sua vida nas mãos de um médico que se formou em uma instituição de baixa reputação? Aceitaria passar por uma cirurgia de alto risco com um profissional que não recebeu um ensino adequado e sem qualquer compromisso com a excelência? Sua resposta, certamente, seria não. Mas o Brasil, infelizmente, no que se refere à formação médica, está dizendo sim – e arriscando a saúde de milhões de pessoas.
Apesar de termos um número suficiente de médicos no país – 2,7 por mil habitantes, já acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde – e sermos o segundo em número de faculdades de medicina, seguem sendo abertas escolas médicas de forma indiscriminada. Com o fim da moratória, são mais de 200 na fila pela autorização para funcionar. Já há descontrole e falta de critério na avaliação das instituições existentes. Com essa avalanche de cursos, corremos o risco de termos mais e mais escolas sem qualidade mínima para formar esses profissionais – no linguajar popular, podemos ter médicos com diploma das “UniEsquinas” atendendo à população.
O que deveria ser uma formação altamente criteriosa, com estrutura e professores de qualidade – e suportada por uma rede hospitalar e leitos SUS suficientes para o aprendizado prático –, está virando uma série de puxadinhos para agradar grupos de interesse, fazendo paliativos em vez de enfrentar os desafios históricos da saúde.
Além disso, há iniciativas por atores ideológicos no sentido de abrir cursos específicos para grupos sociais, além de reduzir a meritocracia e a qualificação necessárias para ingresso na residência, bem como tentativa de interferências políticas na Comissão Nacional de Residências Médicas. É notável a redução de exigências de conhecimentos dos alunos que ingressam nos cursos de medicina, com decorrente queda de qualidade na formação e do médico egresso de grande parte desses cursos.
É um completo contrassenso. Fala-se em mais e mais médicos, enquanto nosso sistema de saúde segue fragilizado, sem condições mínimas de trabalho em diversas regiões. Cidades mais distantes, por exemplo, ainda têm hospitais sem estrutura adequada para operar — sendo que, no financiamento tripartite, há sempre um dos entes que não investe o suficiente, obrigando os outros a aportarem recursos que não têm para manter a operação.
Esse é o desafio que a União segue se omitindo a enfrentar. Não precisamos de mais médicos, mas de melhores médicos. Em vez de abrir cursos a torto e a direito, temos de fiscalizar com rigor os existentes – e fechar os que não atendem aos padrões. Temos de corrigir as distorções no financiamento da saúde, levando infraestrutura adequada para todas as regiões, bem como condições dignas de trabalho aos profissionais.
Enquanto isso, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) tem enfrentado de maneira intensa essa proliferação de escolas médicas. Recentemente, ingressamos na Justiça do Rio Grande do Sul para impedir o aumento das vagas no curso de Medicina na Ulbra, feita sem autorização do Ministério da Educação. Temos levado essa pauta à União e ao Congresso para barrar as escolas caça-níqueis. E também nos opusemos ao exercício, no Brasil, da medicina por profissionais sem revalidação do diploma obtido no exterior.
A maior parcela da população não tem condições de escolher o médico. O atendimento pelo SUS não pode ser prejudicado pela baixa qualidade na formação profissional. Não podemos correr o risco de ter, à nossa frente, um médico sem a qualificação adequada para exercer o trabalho, colocando em xeque a própria atividade e, o mais grave, a saúde do paciente. É isso que está em jogo. É essa a realidade que precisa mudar. Queremos que os 200 milhões de brasileiros possam contar com médicos de excelência, formados seguindo os melhores modelos de ensino. Como está agora, é a sua saúde que está em risco.
Marcos Rovinski é presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).