Herança africana no Brasil: avaliações sobre tema da redação do Enem 2024

Desde domingo (3), quando a primeira etapa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), um dos assuntos relacionados ao exame mais comentados tem sido o tema da redação: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Por isso, a TRIBUNA ouviu, nesta terça-feira (5), avaliações de alguns profissionais que atuam em Campo Mourão, sendo um professor de história, uma psicóloga e uma assistente social, ambas com letramento racial.

Para muitos estudantes, o assunto não foi novidade. É o caso dos alunos do Colégio Estadual Professora Ivone Soares Castanharo e do Colégio Conexão Smart, de Campo Mourão, que têm aulas, por exemplo, com o professor de História Daniel Ferreira da Silva. Segundo o docente, a valorização da herança africana na sociedade brasileira, assim como da indígena, são conteúdos já abordados por ele em suas aulas.

Como profissional de História, ele destacou a importância da Lei nº 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afrodescendente no Brasil. “O Enem, ao aprofundar nesse tema, me traz profundamente uma motivação a continuar lidando com a cultura em sala, pois ela trata de uma questão essencial para a compreensão da nossa sociedade, que historicamente marginalizou a população negra, especialmente após a promulgação da Lei Áurea, que não foi acompanhada de um processo de inclusão dessa população”, disse.

O docente também avaliou positivamente a escolha dos textos motivadores usados no exame, ao citar um exemplo que demonstra a importância das escolhas. “A prova incluiu textos de apoio variados, entre eles, trechos da obra de Carolina Maria de Jesus, uma autora negra de grande relevância, que, por meio de sua contribuição literária, revelou a realidade das pessoas negras que viviam nas favelas de São Paulo”, informou.

Opinião semelhante é compartilhada por Josiane Leal de Souza, assistente social do Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS IJ), de Campo Mourão. “Os textos de apoio sugeridos na prova foram bem escolhidos, pois orientam o debate crítico sobre a construção social de um país que historicamente negou e ainda nega a história do povo que o construiu”, falou.

Mulher preta, mãe e profissional dedicada à proteção da infância e adolescência, como se autodenominou, Josiane ressaltou que os jovens precisam conhecer a verdadeira história que construiu o Brasil. Para ela, é essencial discutir essas questões também no Enem. “São muitas as lutas para avançarmos, e colocar essa pauta em evidência na prova mais importante do país gera a inquietação necessária para que a sociedade enxergue essa urgência”, ponderou.

Para ela, isso expande discussões necessárias sobre o assunto em toda a sociedade. “A redação, ao convidar cinco milhões de estudantes a refletirem e proporem ações, amplifica o debate sobre um tema que vai além da valorização cultural. Traz à tona questões interligadas, como educação, violência, saúde, moradia, e transporte – problemas que afetam desproporcionalmente a população negra, que, após séculos de exploração, continua enfrentando obstáculos na luta por direitos que, para muitos, ainda são privilégios”, analisou.

A escolha do tema da redação do Enem deste ano também pode ser considerada, para muitos, um avanço para aquecer as discussões acerca de uma tentativa de reparação mínima de séculos de exploração da população negra brasileira. É o que defende a psicóloga clínica, pesquisadora e palestrante sobre raça, gênero e classe, de Campo Mourão, Sirlene Souza.

Esse posicionamento se assemelha à perspectiva abordada por ela recentemente em entrevista à TRIBUNA sobre a instituição da Lei nº 14.759, de 21 de dezembro de 2023, que decreta feriado nacional 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, tema relacionado à proposta de redação do Enem. Confira a reportagem completa aqui.

Como contribuição para quem desejar se aprofundar nos estudos sobre os desafios de preservação da herança africana no Brasil, a psicóloga sugeriu a leitura do livro “O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado”, de autoria de Abdias Nascimento.

Página da proposta de redação do Enem 2024 – Foto: Reprodução/Anglo

Segundo dia de prova

No próximo domingo (10), estudantes de todo o Brasil voltam a realizar o Enem, em sua segunda etapa. Nesse dia, serão aplicadas provas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias. Os portões abrem às 12 horas e fecham às 13 horas. As provas iniciam às 13h30, com término às 18h30.