Não aos produtos da Tereos: europeus querem boicotar agro brasileiro
Certa feita o Papa João Paulo II deu a seguinte declaração: “França, o que fizeste com o teu batismo?”. Talvez seja necessário recorrer à teologia para tentar explicar o rápido afastamento da França dos valores ocidentais, como o do livre comércio. É impressionante a quantidade de executivos franceses vomitando declarações extremamente desastrosas para as empresas que comandam.
Tivemos, em questões de dias, a Danone, o Carrefour e agora a Tereos, um gigante agrícola com 44 fábricas em nove países. O CEO da empresa, Olivier Leducq, deu a seguinte declaração, se posicionando contra o acordo comercial da UE com o Mercosul, fazendo acusações falsas contra o agro brasileiro: “Como é que as nossas explorações agrícolas conseguirão fazer face à concorrência desleal de produtos importados que não cumprem as mesmas normas ambientais e sociais?”.
Todo mundo tem o direito de ter a sua voz ouvida em diferentes questões, mas não à custa dos centavos dos acionistas. Foi isso que o Leducq fez, mas com uma vergonhosa fakenews. A declaração do CEO da Tereus é mentirosa, pois as normas ambientais brasileiras são muito mais rigorosas do que as francesas.
O pronunciamento poderia até ter razão, mas no sentido contrário: são os agricultores franceses que nem se aproximam do que hoje um agricultor brasileiro tem que cumprir. Um dos itens que revoltaram os agricultores franceses era o que obrigava a manter 4% de suas terras em pousio. Veja bem, pousio e não uma forma permanente de proteção ambiental.
O resultado, depois de imensos protestos, é que a norma foi revogada. A profunda ironia neste ponto é que no Brasil, o país que é motivo de críticas pelo CEO da Tereos, em média, 49,2% dos nossos imóveis rurais está dedicado à preservação ambiental. É preciso esclarecer que hoje há um imperialismo regulatório da UE em que Bruxelas se vê como um exportador de regras para terceiros países – como os legisladores do mundo.
Outrora continente de inovação, arte, democracia e inconformismo, a Europa foi derrubada por uma mistura inebriante de burocracia, regulamentação excessiva, tributação excessiva e dívidas. Recentemente, o Senado francês rejeitou, por grande maioria, o acordo comercial entre a UE e o Canadá, como hoje assistimos com o Mercosul. O resultado é um gritante isolacionismo da Europa, arrastando as suas empresas para o nível local.
Há 10 anos as empresas europeias de capital aberto representavam quase 30% da capitalização do mercado de ações global, mas esses números foram reduzidos pela metade, para apenas 15% hoje. De uma certa forma, o protecionismo é pilhagem legalizada. É o uso injusto do poder para fazer atos que, se uma pessoa tentasse realizar privadamente, esse mesmo poder seria justamente usado para impedir.
Primeiro, o comércio transfere bens de pessoas que os valorizam menos para pessoas que os valorizam mais. O protecionismo defendido por Leducq é a escravidão moderna: as pessoas, ao serem praticamente proibidas de utilizar os frutos do seu trabalho para adquirir aqueles bens e serviços que são mais bem produzidos por estrangeiros, acabam sendo obrigadas a desempenhar várias atividades nas quais não têm nenhuma habilidade. É proibir o consumidor francês de ter acesso a um alimento sustentável e mais barato.
O que mais impressiona nessa declaração irresponsável é que a Tereos tem operações no Brasil e conhece o Código Florestal que o agricultor brasileiro precisa cumprir. A verdade é que até os próprios franceses estão cheios desse tipo de ativismo pernicioso.
Uma pesquisa da Reader’s Digest descobriu que mais da metade dos franceses estaria interessada em se mudar para a América se tivesse a oportunidade. É isso mesmo, surpreendentes 52% dos cidadãos franceses interessados em fugir para os EUA capitalista. Para os franceses que tanto falam do Iluminismo, talvez tenham esquecido que o comércio ilumina e civiliza.
A verdade é que a União Europeia ameaça a prosperidade global com essas medidas tresloucadas. E vai tornar o mundo mais instável, abrindo as comportas de uma guerra comercial global.
Por fim, um mercado genuinamente competitivo continua sendo a melhor restrição às grandes empresas, mesmo em nossa era de guerra cultural ou tempos de lacração. Nesse caso, vamos boicotar os produtos da Tereos no Brasil (como o Açúcar Guarani) até que que o Leducq se retrate dessa difamação que fez contra o agro brasileiro.
Antonio Cabrera foi ministro da Agricultura e Reforma Agrária.