Adilson. Paulo. Todos contra o racismo

Oito minutos e 46 segundos. Este foi o tempo para que o mundo parasse. Parasse e refletisse sobre o racismo. Sobre o ser humano. Sobre o preconceito dominante em todas as sociedades do planeta. Naquela manhã, George Floyd, um americano negro, morreu ao ser asfixiado por um dos joelhos do policial branco Derek Chauvin. O crime chocou o mundo. E serviu novamente para reabrir um velho debate. Porquê?

No Brasil, assim como em Campo Mourão, o assunto também é um tabu. Disfarçado em todos os lugares, o preconceito ainda é uma ferida aberta na sociedade. Estampado na cara. Adilson Floriano dos Santos hoje mora em Curitiba. Mas morou na cidade até 2017. Conta que passou por momentos ruins. Negro, trabalhou como frentista em um posto de combustíveis. “Me lembro da vez que o dono de uma caminhonete não deixou que eu verificasse o óleo do motor”. Disse: “Não quero que esse neguinho mexa no meu carro. Não tem outro pra fazer o serviço?”, lembrou.

Adilson tem 38 anos. Trabalha como garçom. Mas já fez um pouco de tudo na vida. Tem dois filhos e está no terceiro casamento. Um cara bem resolvido. Sorridente. Mas o tal preconceito o tira do sério. Em 2012, trabalhando como garçom numa festa de casamento, na cidade de Ribeirão Claro, foi humilhado. Ele atendia cordialmente algumas mesas, quando uma senhora o chamou. Questionou sobre o celular dela que havia desaparecido. “Expliquei que não tinha visto o aparelho. Que não sabia dele. Mas não adiantou. Ela disse ao metre que eu tinha pegado o celular”, disse.

Em alguns minutos o delegado da cidade foi chamado. A mulher em questão se dizia juíza. Todos os garçons se colocaram à disposição do policial. Ele podia revistar tudo. Mas não precisou. O celular foi localizado. Estava nas mãos da filha da mulher. Uma criança, que brincava inocentemente do lado de fora do salão de festas. “Naquele dia me senti como uma lata de lixo. Fui humilhado como nunca. E ainda não recebi nem um pedido de desculpas”, disse. A mulher foi embora como se nada tivesse acontecido, lembra Adilson. Ele acredita que deve haver debate sobre o assunto. Direitos iguais a todos. “O racismo tem que acabar”.

Paulo Cesar Dias Timotheo mora em Campo Mourão. E diz que o racismo está espalhado por tudo. Ele não entende por que não vê manequins negros em vitrines de lojas. Não entende porque recebe olhares desconfiados quando adentra a um mercado. Ou quando anda na rua. “Não adianta. Moreno, negro ou preto sofre neste país. No meu caso, em alguns empregos que tive, as pessoas achavam que eu ia roubar”, disse

E ele deseja que isso mude. Paulo acredita que os negros ainda estão, de certo modo, escravizados. “Em alguns locais de trabalho, o fardo mais pesado sempre recai para nós”, diz. Para ele, os negros sempre são os últimos a serem escolhidos. Seja para o trabalho que for.

Aos 25 anos de idade, Paulo é casado com Aline. Ela, branca. Ele, negro. Vivem uma vida harmoniosa. Se amam. E provam que as cores podem ser unidas. Sem nenhum problema. Não existem diferenças. Apenas, afinidades. Ele trabalha no que precisar. É garçom. Animador de festas. Segurança. Churrasqueiro. Servente. Professor de dança de salão. “Sei que isso um dia vai mudar. O racismo não vai prevalecer pra sempre. Acho que o primeiro passo é parar com ofensas. Com palavras mal ditas”, acredita.

George Floyd

George Floyd foi um afro americano morto em 25 de maio de 2020. Autuado pela polícia, ficou por mais de oito minutos deitado de bruços, algemado, e com o joelho de Derek Chauvin sobre o seu pescoço. Em nenhum momento resistiu à prisão. Foi acusado por trocar uma nota falsa de US$20 em uma loja da cidade de Mineápolis. Os policiais Thomas Lane e J. Alexander Kueng também ajudaram a conter Floyd. Enquanto o policial Tou Thao estava perto e observava. 

O incidente foi gravado em vídeo nos celulares por vários espectadores. As gravações em vídeo, mostrando Floyd dizendo repetidamente: “I Can’t Breathe!” (“Não consigo respirar”) foram amplamente divulgadas nas plataformas de redes sociais e transmitidas pelos meios de comunicação do mundo inteiro.

Os quatro policiais envolvidos foram demitidos no dia seguinte. O ex-oficial Derek Chauvin respondia, até aquele momento, a 18 queixas e denúncias. O assassinato de George Floyd gerou revolta social e uma onda de protestos antirracistas e contra a violência policial. Primeiro nos Estados Unidos. Depois, por diversos outros países. 

REFLEXO? 
De acordo com o Infopen, um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro desenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. São aproximadamente 700 mil presos. Além da precariedade do sistema carcerário, as políticas de encarceramento e aumento de pena se voltam, via de regra, contra a população negra e pobre. Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos. Vale lembrar que 53,63% da população brasileira têm essa característica. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, enquanto são 45,48% na população em geral.