Após fugir por quase três anos, acusado vai a julgamento pela morte de Patrícia Kauane
Está marcado para o próximo dia 13, o julgamento de ‘V.M.G’. Ele é o principal acusado de ter matado a golpes de facão a nora, Patrícia Kauane, de 16 anos, em novembro de 2020, no Jardim Tropical 2, em Campo Mourão. Após o crime, ele fugiu com rumo incerto, sendo encontrado pela polícia, em Iretama, quase três anos depois.
Hermínia, mãe de coração, há tempos já aconselhava Patrícia a deixar a casa do sogro, ‘V’. Eram muitos conflitos. Brigas banais. Discussões por nada. Mas naquele dia, as previsões se confirmaram. A menina de 16 anos foi brutalmente assassinada. Ela estava em casa, na Rua dos Encontros. Nome bastante sugestivo ao prenúncio da tragédia que poderia acontecer. E aconteceu.
Naquela tarde, ‘V’ chegou da rua. Uma discussão acalorada iniciou. Descontrolado, apanhou um facão e, pelo que tudo indica, a matou em frente à filha dela. Mesmo com dois anos, a criança correu até uma vizinha pedir ajuda. Tinha no corpo respingos de sangue da própria mãe. O socorro era em vão. Patrícia já estava morta. E, ‘V’, havia fugido. Teve a alma condenada e desapareceu no mundo.
Patrícia Kauane Santos de Mello, era uma menina sonhadora. Engravidou aos 14 anos no interior de São Paulo. Morava com a mãe biológica. Mas a gravidez não foi compreendida pela genitora. Contam familiares que foi “convidada” a deixar a casa. Então, voltou a Campo Mourão. Morando com o pai, teve ajuda, apoio e carinho. Aos 15, a filha nasceu. Meses depois, já havia encontrado Diogo. Seu companheiro e pai adotivo da criança. “Ele era muito bom para ela e para a criança”, contou na época, Hermínia Camargo dos Santos – que entrará na história logo mais.
A moça passou a morar sob o teto de ‘V’, pai de Diogo. Ele tinha uma residência no Jardim Tropical 2, em Campo Mourão. Era ali onde Patrícia, o esposo e a filha, ocupavam um dos quartos. Contaram os mais próximos que ela não se dava com o sogro. Quase todos os dias, uma briga. Naquela dia, Patrícia lavava roupas. Era fim de tarde. Ao seu lado, a filha, que brincava. E a cunhada, Andriele. Conversavam à toa quando ‘V’ chegou. Sem motivo algum, a briga teve início.
“Ele disse a ela que não precisava dela. Ela devolveu e disse também não precisar dele”, revelou Andriele, na época dos fatos. Para ela, foi uma discussão à toa. Sem motivos aparentes. Mas que passou a ficar sem controle. Bastante nervoso, ‘V’ apanhou um facão e a atacou. Patrícia, segundo a polícia, havia apanhado um machado para se defender. Mesmo assim, teve braços e pernas cortados. O sangue atingiu até a filha, que correu assustada.
Patrícia também tentou escapar. Mas foi alcançada ainda no quintal, e derrubada. Impiedosamente, o homem terminou o que havia começado. Com um dos pés sobre o seu corpo, a golpeou, agora, no pescoço. Consciente do que fez, levou o facão e sumiu numa boca de mato próxima a casa. Nunca mais foi visto, até fevereiro de 2023, quando a polícia o capturou.
Assustada, a filha de dois anos correu até a vizinha e clamou ajuda. “Ela chegou tremendo. Tinha sangue no corpo. Estava nua. Disse que o seu avô estava matando a sua mamãe”, revelou uma vizinha. A menina foi assistida pelo Conselho Tutelar. E, mais adiante, internada em um lar provisório.
Hermínia entrou na história de Patrícia anos antes de sua morte. Ela se casou com o pai da adolescente, ainda quando era um bebê. Então, o novo casal passou a criá-la. “Ela era como se fosse minha filha de sangue. Eu a criei com muito carinho e amor. Era minha menininha”, disse em 2020.
A mãe de coração explicou que a vida de Patrícia nunca foi fácil. Tinha o sonho de ter a própria casa, ao lado do companheiro e da filha. Mas, enquanto não conseguia, se submeteu ao teto do sogro. E isso, a afligia demais.
“Ela sempre reclamava do sogro. Dizia que ele pedia que ela deixasse a casa. Jogava na cara dela que ali não era a sua residência”, contou Hermínia. Então os conselhos eram para que saísse do local. E se afastasse do homem. “Aconselhamos ela diversas vezes. Minha outra filha disse a ela: Saía de lá antes que esse cara mate você”. E Patrícia a ouviu.
Alguns meses antes da tragédia, cansada dos conflitos, Patrícia apanhou a filha e suas coisas e deixou a casa. Diogo foi junto. Alugaram uma casa por apenas dois meses. Mas, como a grana era curta, decidiram retornar sob o teto de ‘V’. Lá, as brigas com o sogro continuaram.
Dias depois, novamente, deixou o local e o próprio companheiro. Disse ir embora ao interior de São Paulo. Não queria mais conflitos em sua vida. Antes, ficou na casa de Hermínia. Em seguida, buscou o colo do pai. Bem no fim, acabou reatando com Diogo. E acabaram voltando a Rua dos Encontros. Local onde teria, efetivamente, um “encontro” com a morte.
Hermínia ficou chocada com o que aconteceu. Emocionada, chorou por algumas vezes durante a entrevista. “É muito triste você criar uma pessoa com tanto amor. E depois ver um homem tirar sua vida como ele fez”, disse. Para ela, Patrícia era uma pessoa maravilhosa. Cheia de sonhos. Era estudiosa e sempre buscou a Deus. A moça também batalhava ao lado de Diogo. Por inúmeras vezes deixou a filha para fazer jardinagens com o companheiro.
Meses antes do crime, Diogo passou a trabalhar na construção civil. Então, coube a companheira ficar em casa, ajudar nas tarefas do lar. Mas a ideia não foi tão boa. Os conflitos com ‘V’ só aumentaram. “Patrícia me dizia que o sogro a chamava de vagabunda. Dizia não ser mulher para o filho dele. Isso mexia muito com ela”, lembrou.
Bem no fim, todos os conselhos dados à moça, não foram ouvidos ao pé da letra. Ela não voltará. “Patrícia dizia que queria voltar a ser amiga de sua mãe. Deixar pra trás as coisas que aconteceram”, lembrou a cunhada. Mas não houve tempo para isso. Agora, o que restou aos familiares, é a justiça. E eles clamam por isso.
‘V’
‘V’, segundo informações, não bebia. Até então, era tido como um homem batalhador. Carpia uma roça aqui. Outra ali. Regularmente, vendia verduras pela rua. Era o típico brasileiro que recebia hoje, pra comer amanhã. Pelo que se sabe, não tinha histórico nas fichas criminais da polícia. No entanto, tinha sim, temperamento explosivo. Nem sempre, é verdade. Mas o nervosismo era habitual.
A família vem de tragédias na década de 90. Um irmão de ‘V’ tinha 19 anos quando foi preso, em 1998. Na época, confessou ter matado o próprio pai, em 13 de maio de 1998. O pai morreu pela manhã, quando tirava leite das vacas de sua chácara, também no Jardim Tropical 2. Levou um tiro no braço, várias pauladas na cabeça e facadas diversas pelo corpo. Como no caso de Patrícia, um crime familiar. Brutal. E sem vestígios de piedade.
Na ocasião, revelou ter matado o pai porque ele era muito ruim aos filhos. O irmão também desconfiava que sua mãe, tinha sido morta por seu pai. O fato aconteceu em setembro de 1997. A reportagem não obteve dados sobre o caso.
Anos mais tarde, em 2012, o mesmo irmão, aos 33 anos, foi morto no portão da sua residência, também em Campo Mourão. O crime aconteceu na manhã de um domingo. Ele tomava café com a família, quando duas pessoas, em uma motocicleta, chegaram ao portão e o chamaram. Ao atender, foi surpreendido por um dos motociclistas, que efetuou vários disparos contra o seu corpo. Os tiros foram à queima roupa e atingiram o rosto, tórax, abdômen e o braço. No corpo foram identificadas sete perfurações.
Advogado de ‘V’, Pedro Ricardo Camargo revelou que deve atuar com a tese da inexigibilidade de conduta diversa. Ou seja, resumidamente, consiste na coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico. “Acreditamos que será o júri mais difícil que já enfrentamos”, disse.