Com a voz da alegria, Rita deixou um passado de tristezas

Quem escuta a voz forte, confiante e cheia de alegria nas tardes de segunda a sexta, na Rádio Colméia, não imagina a dor e o sofrimento já enfrentados por Rita Caires. Movida por um entusiasmo do “além”, a locutora é a felicidade em carne e osso. Por vezes, chega a invejar quem a conhece. Afinal, não se sabe de onde vem tanta alegria, tanta motivação. Muito possivelmente, como ela mesmo acredita, o sorriso corre solto diante da satisfação no que faz: locução. Um sonho conquistado na raça e na força de vontade.

Hoje, aos 52 anos, Rita de Cássia Gonzaga Caires, já superou o passado. Embora ainda o carregue debaixo dos braços. Nascida em 1972, em Campina da Lagoa, aos dez meses de vida, foi levada pelos pais à cidade de São Paulo. Lá, mesmo criança, ainda se recorda do drama enfrentado pela família: lidar com o pai alcoólatra. “Me lembro de muitas coisas. As cenas nunca saíram da minha cabeça. Principalmente do meu pai cambaleando pela casa. E minha mãe o carregando para clínicas da época, que eram conhecidas como sanatórios”, disse.

O pai não era violento, embora apenas uma só vez, tenha agredido a irmã. Ele sempre trabalhou. Mas parte da grana era ferozmente revertida em álcool. Rita se lembra das garrafas escondidas pela casa. “Não via em meu pai a figura de herói, que a maioria das crianças têm. Era bastante ausente, distante dos filhos. Gostava de quando ele jogava moedas pra gente comprar doces. Mas só”, lembrou.

Eu atendia o telefone empostando a minha voz. Queria transparecer, pela voz, minha alegria.”

Refém do vício, o pai chegou a trabalhar na Ford. Mas em 1978, já bastante debilitado pela bebida, morreu de cirrose. Estava magro demais, abatido pelas consequências do alcoolismo. E mesmo passando por um drama sem fim, a esposa, Valdete, jamais o abandonou. Ficou ao seu lado até o fim. “Eu tinha seis anos quando ele morreu. Mas não sofri com a morte. Me lembro quando me levantaram para vê-lo no caixão. Não senti nada”, relatou. Naquele momento, se encerrava ali todo o drama vivido pela mãe. E mais tarde, uma história semelhante, que se repetiria, agora, com a própria Rita.

Retorno à Campo Mourão

Com a morte do pai, Valdete e os quatro filhos deixaram a grande São Paulo em 1978 e retornaram à Campo Mourão. E mesmo com o tempo, Rita jamais se esqueceu dos dias de dor. Em sua adolescência dizia que preferia não ter pai, a ter tido um pai alcoólatra. É que o vício do genitor o afastou dela. “No fundo, não gostava do jeito dele. O que mais me lembro é disso, dele bêbado”, lembrou.

Nas terras mourãoenses, Valdete lutou sozinha para criar os quatro filhos. Foi merendeira por muitos anos no Colégio Bento Mossurunga. Grana honesta, conquistada a cada gota de suor. E, enquanto a vida rolava, Rita despontava como uma menina extremamente comunicativa. Ela cresceu gostando de vozes. Tanto é que, nos primeiros empregos atuou como telefonista. “Eu atendia o telefone empostando a minha voz. Queria transparecer, pela voz, minha alegria”, disse. Tempos depois, após uma amiga engravidar em Cianorte, o destino fez com que mudasse para lá. E assim, Campo Mourão perdia um dos seus sorrisos mais sinceros.

Descobrindo porque veio ao mundo

Em Cianorte, ao mesmo tempo em que ajudava a amiga, Rita começou a trabalhar em um shopping. Virou vendedora de roupas. E foi lá que, efetivamente, descobriu sua vocação. Conta ela que o shopping mantinha um apresentador de desfiles. E não era qualquer apresentador, não. Era um cara “bonitão”, cheio de pompa e, ainda, com um baita vozeirão. E não deu outra. Rita se apaixonou pelo sujeito.

Então, em 1994, ela pensou: “Eu podia virar uma locutora pra conquistar esse cara”. Dias se passaram até que o apresentador soube, por outras colegas, que Rita tinha interesse em trabalhar com a voz. Até que num certo dia, ele a convidou para gravar ao seu lado. E a menina emplacou de cara. Como um tiro certo, a voz dela já estava nos corredores do shopping. “Foi demais escutar minha voz naqueles corredores. Foi o dia que tive a certeza do que queria fazer na minha vida”. Em tempo: mesmo agora trabalhando ao lado do “bonitão”, nada rolou. Foi só amizade mesmo.

E a amizade entre os dois foi tanta que, meses depois, convidou Rita para fazer um teste em uma rádio da cidade. “Um dia fui na rádio e fiz um teste com outras 25 meninas. Fui a escolhida”. Então, em 1995, Rita já estava empregada como locutora. Uma época que não volta mais, principalmente, em decorrência das transições de tecnologias. “Peguei o tempo dos vinis, da cartucheira. Era muito mágico. Muito corrido”. Ela começou trabalhando na madrugada. Logo depois, conquistou a confiança da direção, sendo promovida para o dia.

Em Cianorte, Rita permaneceu na mesma rádio por 13 anos. E passou a ser a melhor amiga do “Bonitão” do shopping, o chamando até hoje, de mestre. Na empresa também foi redatora, fazendo textos das propagandas. Mas acabou se despedindo em 2000. Ano em que se casou e foi embora para o interior de São Paulo.

No comando do microfone, Rita Caires transforma histórias em emoções na Rádio Colméia, conquistando ouvintes com sua dedicação e talento

Drama se repetiu

Casada, após seis meses passou a perceber um comportamento, no mínimo, estranho do companheiro. Ele se mostrava muito nervoso, chato, briguento. “Eu achava que ele tinha problemas neurológicos. Mas no interior de São Paulo as coisas não seguiram conforme o ritmo da música. Então, o casal optou em voltar ao Paraná.

Em 2002, novamente em Cianorte, Rita voltou ao rádio. Ares de alegria mais uma vez em ondas mecânicas e longitudinais. Ainda casada, continuava não gostando do comportamento grosseiro do marido. Mas a vida seguia. Foi quando, depois de dois anos, finalmente soube os motivos da agressividade do companheiro: ele era alcoólatra.

Como um roteiro de cinema, baseado na obra de Charles Bukowski, Rita estava vivendo tudo como a mãe um dia havia passado. Mas com algumas diferenças. “Ao invés de cambalear, como o meu pai, ele andava reto, não demonstrava. Mas o álcool o transformava em agressivo, estressado. Pra mim foi difícil acreditar no seu vício. Porque ele não cheirava bebida. Simplesmente, não demonstrava que bebia”, revelou.

Também, a exemplo da mãe, Rita não o abandonou. E ficou ao seu lado para ajudá-lo. Passou a levá-lo aos Alcoólatras Anônimos (AA), assim como em outras entidades. Mas o tratamento não estava dando certo. Ao mesmo tempo em que o apoiava, Rita começou a ter problemas. Problemas decorrentes da situação do marido. “Comecei a ter crises de ansiedade, reflexo direto do problema dele”. E isso, estava a levando à beira do abismo.

Ela então colocou um ponto final na relação. Por pouco tempo. Até o marido implorar pela continuidade do casamento. “Naquele momento eu disse que voltaria se ele se internasse em uma clínica. E assim ele fez. Ficou nove meses sem voltar para casa”, lembrou. O seu retorno foi também uma espécie de liberdade para Rita. Agora, com o vício controlado – o alcoolismo não tem cura, mas controle – a vida fluía normalmente. Como sempre deveria ter sido.

Com novos ares, foram morar em Maringá. Lá abriram uma papelaria. Rita passou a cursar psicologia e, quando menos esperavam, o casal se transformou em três. Foram quase dez anos sem fazer uso do álcool. Até chegar em 2013, quando a mãe dele morreu. Teve uma recaída. Não suportou e acabou vencido mais uma vez. Foi quando Rita impôs o seu último ato: o fim incondicional da relação. Agora, ao lado da filha de cinco anos, arrumou as malas, deixou a faculdade e hasteou a bandeira da liberdade. Voltou à casa da mãe, em Campo Mourão e prometeu para si mesma nunca mais se envolver com homem que bebia.

Então, desde 2013 em Campo Mourão, Rita mantém a promessa. Na cidade foi repórter de tv e vendeu móveis. Mas, como o destino já havia revelado lá atrás, vem ganhando a vida dignamente na Rádio Colméia. Sempre otimista, mantém o vozeirão alegrando ouvintes há cinco anos na emissora. Atualmente é apresentadora de um programa de entrevistas. E antes que a matéria termine, ela voltou a fazer psicologia. Termina este ano. Um curso bastante sugestivo a quem tanto sofreu.

# Esta matéria é também uma homenagem a mãe de Rita, Valdete. Como uma guerreira solitária, criou sozinha os quatro filhos, sem deixar que nada faltasse a eles. Valdete faleceu em 2024, dez dias antes do aniversário de Rita.