Conhecido como ‘Voodoo’, Guilherme coleciona acidentes e histórias do além

Quantas vidas você tem? Guilherme Eduardo Piemontez acredita ter pelo menos uma dezena delas. Ele nasceu em 5 do 5 de 1995, em Araruna. Veio ao mundo às 9h35, com 4,5 kg e 55 centímetros. Hoje, aos 29 anos, ainda se pergunta como está vivo. É que, desde criança, desafiou a própria vida numa série de acidentes. Alguns na infância, outros na adolescência, enquanto os últimos, já adulto. E em todos eles, ainda não sabe como saiu ileso. Quem o conhece diz ter o corpo fechado. Uma espécie de iluminação divina. São tantas as presepadas em que se meteu, que passou a ter um arsenal de histórias. Aliás, excelentes histórias. E a maioria delas, do além.

Apelidado de “Voodoo”, conta que cresceu junto aos avós. Os pais trabalhavam demais. E não tiveram tempo de cuidá-lo. Então, foi criado na roça, vivendo grande parte da infância na zona rural de Mamborê e Farol. Tempo em que sumia no mato. Pescava, brincava e caçava. Aos 13, presenciou o tio descobrir um cemitério, segundo ele, da Guerra do Paraguai. “Meu tio passava a grade do trator na propriedade e, quando viu, saíram alguns ossos da terra”, disse. Mais adiante, segundo ele, pesquisadores estiveram lá e resgataram as ossadas.

Mas isso não é nada comparado ao que viria a seguir. Segundo ele, ainda na mesma fazenda, ouviu da avó uma lenda que, andando perto do rio, à noite, as pessoas da região viam luzes amarelas. “Um dia eu fui lá com um amigo. E encontramos à beira do rio, uma gruta cheia de armas antigas. Tinha até uniformes militares do Paraguai. Aí o dono da fazenda viu aquilo e chamou o pessoal de Maringá. E eles levaram tudo. Deu até dó”, lembrou.

O apelido “Voodoo”, aliás, teria surgido a partir deste episódio. Com receio das luzes mencionadas pela avó, ele foi até pessoas ligadas à Umbanda. Na verdade, queria saber do que se tratavam. “Passei a acompanhar a Umbanda, desde então. E foi aí que meus amigos me apelidaram de voodoo”, disse.


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Acidentes

Depois da descoberta, Guilherme retornou à Araruna, mais uma vez, acompanhado dos avós. Época em que os acidentes começaram. “Certa vez estava com meu primo. A gente fez em uma curva de nível, uma espécie de açude para pescar e brincar. Escondido do meu vô, pegamos os cavalos para andar. Acontece que eu assistia muito filmes de faroeste. Fui montar como os cowboys dos filmes. Mas não deu certo. Quando eu pulei por trás da égua, ela empinou e bati o rosto na cabeça dela. Quebrei o nariz”, disse. Segundo ele, a égua acabou nomeada pelo avô como “Fuça Quebrada”.

O avô faleceu um tempo depois , por conta de um câncer. E o tempo foi passando, até que um dia, 2013, Guilherme adentrou à faculdade de Agronomia, fazendo a vontade dele. Acontece que, entre matrículas e trancamentos, está no curso há 11 anos. “O pior foi no primeiro dia de aula, quando eu derrubei um professor de moto. No meio de 60 alunos , já peguei o apelido de motoca”, disse.

E foi nesse mesmo dia, ao retornar de Campo Mourão à Araruna, que sofreu o primeiro acidente de moto. “Fui atropelado no semáforo, próximo ao Ovídio Pneus. Não me aconteceu nem um arranhão. Mas o capacete quebrou em dois. Me levantei, bati a poeira da calça e voltei pra casa, como se nada tivesse acontecido”, relatou rindo.

Um ano após o acidente, 2014, Guilherme foi caçar com um amigo de infância. Era noite, próximo ao rio ligeiro, na saída de Araruna a Peabiru. Foi quando se depararam com, segundo ele, uma coisa não terrena. “Quando estacionamos as motos, vimos o que parecia ser um senhor de idade. Parecia estar perdido ali. Aí a gente chegou mais perto e esse senhor correu pro meio do mato. E sumiu. Continuamos a procurá-lo e não achamos nem pegada”.

Os dois ficaram assustados. E decidiram voltar. A ideia era desaparecer dali. Mas quando perceberam, o homem estava perto das motos. “Meu amigo disse que aquilo não era coisa desse mundo. Eu não acreditei muito. Então meu amigo disparou uma vez. E a bala da arma caiu nos pés dele. O homem olhou pra gente. Seus olhos eram vermelhos, daqueles que iluminavam a noite. Eu caí sentado. E meu amigo começou a rezar. E olha que ele nem sabia rezar. Aí aquele senhor, ou seja lá o que era, sumiu de novo. Ali foi feio. Eu não passo mais a noite ali nem que me paguem”, disse.

Passados alguns meses, “Voodoo” foi até Campo Mourão, à noite, dar um rolê com a moto. E numa rua movimentada, bateu com a moto na traseira de um caminhão. A batida não foi fraca. Tanto é que acabou perdendo a moto. Mas ele, mais uma vez, saiu ileso. “Não me aconteceu nada, nem arranhão eu tive”, lembrou. Tempo depois, comprou outra motocicleta. E caiu novamente, agora, na estrada, próximo a curva do Portal do Sul. “A moto era uma CB 300, entrou embaixo de uma carreta. Eu só esfolei o braço direito nessa. Mas não morri. Pelas fotos eu tava morto”, gargalhou, lembrando do acidente.

No entanto, possivelmente o acidente mais grave ocorreu em 2022. Guilherme pegou carona de Campo Mourão à Araruna com um amigo. Em alta velocidade, o condutor se perdeu em uma das curvas, batendo o veículo em um barranco. Então, capotaram. “Não quebrei nada. Mas infelizmente acabei com um ferro atravessado no joelho direito”. Já o amigo teve traumatismo craniano, com direito ainda a costelas e braço direito quebrados. O automóvel chegou a dobrar, prendendo o corpo de Guilherme em seu interior.

Guilherme é tão descolado que, ainda dentro do veículo, fez pose para foto. Pedindo, inclusive, um cigarro para fumar até que o socorro chegasse. Mas o pedido não foi aceito. Com combustível vazando, populares evitaram o pior. “Eu não sei quem me protege. Mas esse tem trabalho”, disse ele, rindo.

O dia que viu a mulher do demônio

Ainda menino, morando no sítio com os avós, seu avô chegou à casa correndo. Era um dia ensolarado, de céu azul intenso. “Ele estava pálido, e gritou pra minha avó entrar rápido pra dentro de casa. Eu não entendi nada. Minha avó me pegou no terreiro e entramos às pressas”, disse.

Segundo ele, o avô apanhou uma arma e saiu junto ao tio. E ficaram na entrada da propriedade, aguardando ao lado de outros homens. “Alguma coisa veio aquele dia. O tempo virou do nada, fechou pra chuva, ficou escuro. Ventava. De repente uma mulher estranha, no alto da estrada, cabelo escuro grande, emaranhado, suja e de farrapos no corpo , horrível, apareceu”.

Segundo Guilherme, que assistia a tudo pela janela, a mulher gritava: “Hoje eu me casei com o demônio”. Ela rodava insistentemente perto do cruzeiro que existia na fazenda. Ele conta que um padre foi chamado. Era um padre alto, com chapéu grande, vestido todo de preto. “Eu vi aquilo e comecei a tremer de medo. Então o padre bateu no chão com uma das mãos e disse: ” Volte de onde saiu e não perturbe mais”.

Então, os homens que estavam na porteira correram pra cima da mulher. Levavam enxadas, foices, facões. “O que tinha na frente eles cataram e foram pra cima da mulher. Naquele momento bateu um vento forte e deu pra escutar a mulher gritando: eu vou voltar. E depois ela sumiu”, disse ele. De acordo com Guilherme, uma das partes do cruzeiro caiu. Hoje, apenas a outra parte continua lá. “Ninguém tem coragem de voltar e arrancar o resto”.

Amigo inseparável de Guilherme, o avô, José, morreu este ano

Hoje

“Voodoo” não sabe porque o oculto insiste em atravessar o seu caminho. Mesmo assim, sempre busca receber bênçãos. “Eu tenho um imã pra essas coisas. E geralmente acontece quando estou com um ou dois”, disse. “Você tem que andar comigo pra ver o que acontece”, disse ele a este repórter.

Para fugir disso, revela que tem em seu quarto fotos e imagens de santos. Japamala, espécie de colar budista de proteção. Carranca, escultura antropomórfica para afastar maus espíritos. Além de objetos sagrados indígenas. “Sinceramente, não sei o que acontece comigo. Mas já perdi o medo. Antes eu tinha. Hoje, de tanto ver coisas, não tenho mais”, disse.

Hoje, Guilherme já está mais tranquilo. Os acidentes pararam. E ele trabalha registrado em uma empresa de Araruna. Ele também retornou ao curso de Agronomia, há seis meses. Recentemente, também perdeu o avô, José Antônio de Oliveira Neto, com quem morou quase a vida toda. Vítima de câncer, deixou a saudade. E levou todo um arsenal de boas histórias ao lado do neto. As mesmas que Guilherme continua a narrar.