Defensora Pública de Campo Mourão alerta sobre riscos do trabalho infantil

A exploração do trabalho infantil ainda afeta um grande número de crianças e adolescentes no Brasil, muitas vezes, de forma silenciosa e difícil de identificar. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2024 indicam que, em 2023, 1,6 milhão desse público entre 5 e 17 anos de idade estava em situação de trabalho infantil. Embora esse número represente uma redução de 14,6% em relação a 2022, o quantitativo ainda é preocupante.

Trazer à tona discussões referentes a esse problema se torna especialmente relevante durante as férias escolares, quando as crianças passam mais tempo em casa. Isso porque, em algumas situações, as crianças e os adolescentes acabam sendo envolvidos em atividades inadequadas para sua idade, seja em ambientes familiares ou em outros contextos.

Para alertar sobre essa realidade, Maria Julia Gonçalves, defensora pública da Vara da Infância de Campo Mourão, prestou esclarecimentos em entrevista à TRIBUNA, destacando os cuidados que pais e responsáveis devem ter ao avaliar o tipo de atividades realizadas pelos filhos especialmente nesse período. As informações se estendem a toda a sociedade, que também tem responsabilidade de garantir que crianças não sejam submetidas a atividades inapropriadas para a sua idade.

A defensora iniciou destacando que, durante as férias, a principal preocupação deve ser com o tipo de ‘trabalho’ exigido das crianças e adolescentes. “A exploração do trabalho infantil é uma questão ampla, que vai desde o exercício de funções perigosas, insalubres ou exploratórias até o simples exercício de trabalhos que desrespeitam a legislação trabalhista, como o excesso de carga horária ou a realização de tarefas noturnas”, explicou.

Nesse sentido, é preciso se atentar sobretudo aos trabalhos proibidos por lei, como o manuseio de maquinários pesados, a exposição a agrotóxicos ou substâncias tóxicas, além do trabalho na construção civil, que envolvem riscos evidentes à saúde e segurança dos jovens.

Além disso, no caso de adolescentes aprendizes, a partir de 14 anos, é preciso observar a jornada de trabalho, que não pode ultrapassar 20 horas semanais nem ser realizada durante o horário noturno, entre 22 e 5 horas, o que poderia prejudicar o sono e o desenvolvimento físico e emocional dos jovens.

Tarefas domésticas e negócios familiares

Em muitos lares, as crianças são incentivadas a ajudar nas tarefas domésticas como uma forma de aprender responsabilidades e colaborar com o ambiente familiar. A defensora pública Maria Julia Gonçalves também comentou sobre essa questão. “Em relação às tarefas realizadas no âmbito doméstico e familiar, não há critérios extremamente definidos sobre o que poderia vir a ser considerada uma exploração”, disse.

No entanto, ela informou que é importante os pais se atentarem à natureza dessas tarefas, evitando que as crianças sejam sobrecarregadas ou envolvidas em atividades que possam colocar em risco o bem-estar físico ou emocional delas, como o uso de produtos químicos ou a realização de trabalhos que exigem esforço físico excessivo.

“As atividades devem ter como objetivo o desenvolvimento pessoal da criança e não devem interferir no seu direito de brincar, estudar e descansar”, reforçou. Ela também frisou que, se a atividade desempenhada pela criança tiver algum viés econômico, mesmo que em casa, há possibilidade de ser considerada trabalho infantil.

Caso isso seja desrespeitado, as consequências legais podem ser severas, com aplicação de medidas de proteção e, em situações extremas, até mesmo a perda do poder familiar. “Em casos em que a exploração do trabalho infantil é realizada pelos próprios pais ou responsáveis, pode ocorrer a intervenção do Conselho Tutelar e a instauração de processos de proteção à criança, podendo levar inclusive à destituição do poder familiar”, alertou Maria Julia.

Outro ponto que frequentemente gera dúvida é o envolvimento de crianças e adolescentes em negócios familiares, como comércios ou pequenas empresas. Embora o trabalho de menores de 14 anos seja proibido em qualquer contexto, conforme explicou a defensora pública, após essa idade, a legislação permite que adolescentes possam atuar como aprendizes, com determinadas limitações, que devem ser respeitadas.

Por exemplo, de acordo com o Artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho: I – noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II – perigoso, insalubre ou penoso; III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV – realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola”.

Além da questão legal, a defensora pública ressaltou que o trabalho infantil também está enraizado nas desigualdades sociais e econômicas. Ela afirmou que a situação está diretamente relacionada às desigualdades estruturais de classe e raça, o que muitas vezes leva as famílias a dependerem do trabalho infantil como uma forma de sobrevivência.

“O exercício do trabalho infantil é um fenômeno diretamente relacionado a desigualdades estruturais de raça e classe, o que exige um acompanhamento mais profundo da sociedade, tanto por meio de políticas de conscientização quanto por políticas públicas voltadas à redução da pobreza e ao acesso à educação de qualidade”, destacou a defensora.

Denúncias

No caso de suspeitas de exploração do trabalho infantil, a defensora pública orientou que a denúncia seja feita ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Conselho Tutelar ou à Polícia, por meio de canais de denúncia presenciais ou on-line. Segundo ela, fornecer informações detalhadas facilita a investigação e as ações necessárias.