Dois empresários. R$4 mil. E uma morte
Dois pequenos empresários. Dois bons trabalhadores. Um negócio mal feito. Ameaças. Como a um roteiro de tragédias, o final não poderia ser diferente. Como não foi. Após uma semana ameaçando Nei dos Santos, 51, Darci Arthur de França Velozo, 47, foi até a lanchonete do primeiro. Era noite da última terça. Após mais ameaças, Nei acertou um golpe de faca em Darci. Ele ainda saiu vivo. Adentrou ao carro e foi encontrado morto, horas depois, numa das saídas de Campo Mourão. Momentos antes, Darci teria enviado uma mensagem, dizendo que um dos dois não sairia vivo. Nei se apresentou na última quinta à polícia. Mas responderá, possivelmente, em liberdade.
O impasse entre os dois teria iniciado há um mês. Conhecido como “Magrão”, Darci era um empresário de acessórios para caminhões e teria pago R$4 mil como sinal a um terreno de Nei e de sua esposa. Mas logo se arrependeu. Desejando o dinheiro de volta, iniciou uma série de ameaças. Num dos áudios ele disse: “Se você quiser brigar, vamos brigar. Ou entramos num acordo com esse dinheiro ou vai dar briga. E você sabe, não vai ser bom pra ninguém. O pau vai comer. E eu não arredo o pé. Você fala que é homem. Eu sou homem também. Dois homens brigando sabe o que vai acontecer? Um vai morrer. E espero que a tua mãe chore e não a minha”.
As mensagens ameaçadoras e agressões verbais de Darci tiveram início há quase dez dias. Ele queria a devolução do dinheiro. No entanto, segundo Marcos Pavinato, advogado de Nei, seu cliente disse precisar de alguns dias para devolvê-lo. “Ele iria devolver. Só pediu um tempo”, explicou. Mas o tempo pedido pelo primeiro, não foi aceito pelo segundo. Foram inúmeras as mensagens enviadas, todas pressionando sobre a grana. “Tua vida vale R$4 mil”?, ameaçou Darci. Num dos áudios, Nei respondeu: “Só fui falar com você pra ver se parava de ficar me ameaçando na frente da minha casa. Em nenhum momento eu fui pra brigar com você. Só que você marcou encontro comigo na rodovia. Para de mandar ameaças que isso não vai dar legal. São dois homens que não vão baixar a cabeça. Não estou te ameaçando. Não quero briga com você”.
Possivelmente, a indignação de Darci se aflorou após receber um áudio de Nei, quando declarou não mais pagar o valor: “Conversei com a minha esposa e ela não vai te devolver o dinheiro. Quem não vai deixar sou eu. Você me ofendeu, me ameaçou. Vamos brigar na justiça. Da maneira decente. Se quiser receber será lá. Eu não pedi dinheiro seu. Falei pra você não dar sinal. A gente deu a palavra e ia fazer o negócio. Mas você desistiu”.
Então, com a cabeça quente, na terça à noite, Darci apanhou o carro e foi até a lanchonete de Nei. Lá, voltou a ameaçá-lo. Nei pediu que se retirasse. Bastante exaltado, Darci foi se aproximando e colocou a mão na cintura. “Meu cliente então pegou uma faca e foi pra cima dele. Entraram em vias de fato, acertando uma facada. Baseado no conjunto probatório, com os áudios e imagens, entendo se tratar de legítima defesa”, disse Marcos. Segundo ele, Nei foi ouvido pela polícia na última quinta e saiu em liberdade. “Primeiro porque não foi preso em flagrante. Segundo porque deu os esclarecimentos e disse toda a verdade, mostrando as provas”.
Nei mantém uma pequena lanchonete ao lado da esposa. Antes, teria trabalhado como moto taxista. E foi juntando o dinheiro das corridas quando conseguiu montar o próprio negócio. Ele também não possuía passagens pela polícia. Pelo menos até a última terça. “Se trata de um trabalhador honesto, que ganha o seu dinheiro suado e não precisava estar passando por isso”, informou o advogado. Num áudio enviado a um amigo, Nei revelou: “Tive que fazer porque senão eu morria”.
A reportagem entrou em contato com o irmão de Darci. Segundo ele, o empresário era viúvo e deixou três filhos. Ele informou que o irmão não demonstrava atitudes violentas. E, assim como Nei, se dedicava inteiramente ao trabalho. Para um amigo e cliente, que preferiu não ter o nome revelado, “Magrão” era um dos sujeitos mais pacíficos que já conheceu. “Ele era muito calmo. Sempre na boa. Mas gostava de tomar suas bebidas. E elas não eram poucas. E, por certo, quando bêbado, não era o mesmo”, disse. Segundo amigos próximos, “Magrão” passou a beber após perder a esposa, há alguns anos. Como um legítimo empresário, não media esforços em atender bem aos clientes.
“Nei se prepara aí. Vamos marcar o dia e vamos nos matar”, disse Darci, num dos últimos áudios. Ele morreu acreditando que o casal não o pagaria. Numa das mensagens enviadas a Nei, afirmou se tratar de um dinheiro amaldiçoado: “O dinheiro que vem do trabalho suado é abençoado. Mas o dinheiro que você tira do outro, tipo passar a perna, é amaldiçoado. Eu já fiz isso e não prestou. E vocês vão se dar mal também”, disse. E como numa trágica peça da vida real, ou uma premeditação de Darci, apenas um saiu vivo.