Geizimara foi contaminada pelas redes sociais

Campo Mourão, 08 de abril de 2020. Por volta das 21h, a menina Geizimara dava entrada na Santa Casa. A família havia informado se tratar de uma paciente com bronquite asmática. Respeitando protocolos de saúde, o Hospital a colocou na UTI Covid. Foi considerada suspeita do corona. Lá, foi entubada e recebeu os cuidados necessários. Menos de 24h depois, a irmã Geizibel é chamada. Recebia a notícia de sua morte. Aos 21 anos de idade, a estudante de administração morria. A notícia da tragédia já se disseminara nas redes sociais antes mesmo dos seus pais serem avisados. A família está revoltada. Para piorar a história, no último domingo saiu o resultado dos exames: testou negativo.  

Geizimara da Silva Gomes era apenas uma menina. Alegre, contagiante. Mas sempre tranquila. Caseira, não sabia o que eram as chamadas “baladas”. Nunca fumou. Muito menos o tal narguile. Como as redes sociais “vomitaram”. Trabalhava desde os 14 anos. E assim traçou sua vida. Tudo seguia bem até setembro de 2019. Foi quando passou mal. Teve problemas para respirar. A família buscou um médico. Foi diagnosticada com bronquite asmática. Passou usar medicamentos específicos. Como a “bombinha” e inalações. 

Um mês depois, em outubro, teve uma crise forte. Foi ao 24h. Mais tarde levada com oxigênio pelo Samu à Santa Casa. Ficou internada sete dias. Um quarto isolado. Um tratamento humanizado. Foi um grande susto. Saiu bem. Mas agora, no dia 06 de abril, os problemas voltaram. Estagiária na secretaria de Saúde do município, afastou-se bem antes. Sabia que o vírus era seu notável inimigo. Então buscou ficar em casa e no sítio da família. 

Tudo começou com inchaços nos pés e mãos. Ao mesmo tempo dificuldades na respiração. A irmã Geizibel cuidava da mana. Ajudava nas inalações e tentava diminuir os hematomas dos pés. Ela queria que Geizimara fosse buscar ajuda médica. Ela aceitou. Numa consulta, o médico pediu exames e disse que estava com problemas de circulação. Ela foi embora. Em casa, continuava mal. A irmã, preocupada, queria que buscasse mais ajuda. Mas tinha medo de hospitais. Principalmente, em decorrência do vírus. Mas no dia 08 a coisa se tornou insustentável. Vômitos, diarréia e falta de ar. Ela não conseguia mais comer. Não teve jeito. O Samu foi chamado. Foram até a UPA. E de lá, até a Santa Casa. Não saiu mais.

Uma vez internada, a população entrou em “polvorosa”. Tratava-se apenas de uma suspeita. Embora a família tivesse certeza que não se tratava de Covid. Mas em se tratando de uma moça de apenas 21 anos, as notícias se espalharam. “Inventaram coisas sobre ela. Mentiram sobre muitas coisas. As pessoas não estão preparadas para utilizar uma ferramenta como o facebook”, afirmou Geizibel. 

Com uma vida toda pela frente, Geizimara tinha planos para casar. Ela já morava junto com o companheiro. Mas o seu maior sonho, era ter conhecido o mar. “Tinha desejo de pisar na areia e sentir a água do mar nos seus pés”, lembra a irmã. Sempre foi trabalhadora. Já aos 14, era menor aprendiz numa empresa da cidade. Aos 20, já tinha comprado carro. Com o próprio esforço. Nunca pediu nada. A ninguém. 

Afastada da secretaria de Saúde, ela vinha tomando todos os cuidados com o vírus. Talheres e copos esterilizados. Roupas e sapatos da rua, do lado de fora. Evitava aproximações. Não cumprimentava. Não podia ser contaminada. Sabia que era ela, ou o vírus. 

No dia 08 de abril, por volta das 20h, Geizibel foi chamada ao hospital. A notícia não era boa. “Me disseram que ela teve duas paradas cardíacas. Na terceira não resistiu”, conta. Um dia antes, porém, soube que a irmã estava diagnosticada por dengue. “Os inchaços, vômitos e diarréia, foram apontados como dengue”, disse. No dia mais triste de sua vida, Geizibel teve que reconhecer o corpo da irmã. Enquanto estava numa sala para vê-lo, ficou sabendo que a prefeitura já havia soltado a nota do falecimento. Isso aconteceu, segundo ela, antes dos próprios pais serem avisados. Mas as redes sociais se encarregaram disso. A notícia se espalhou como a velocidade da luz. A mãe, que mora em Iretama e o pai, em Paranavaí, foram comunicados por Whatsapp e Facebook. “Fomos desrespeitados no momento mais difícil de nossas vidas. Eu não tive tempo para avisar meus pais”, revelou. 

Município

“Imagino que tenham algumas pessoas que deixem vazar essas informações dentro do hospital”, disse Sérgio Henrique dos Santos, Secretário de Saúde. Segundo ele, quando estava indo dar a notícia à família, vários grupos de redes sociais já perguntavam sobre o fato. Sérgio afirma que a prefeitura teve a cautela de soltar a nota apenas depois de ter avisado o marido e a irmã. “É algo que a gente tenta cercar de todos os lados pra não acontecer. Mas que acaba acontecendo”, disse. 

Assessor de imprensa da prefeitura, Ricardo Borges explica que o município solta as notas apenas depois que a Santa Casa o comunica que as famílias já foram avisadas. “A família foi comunicada. A irmã dela e o marido receberam a notícia”, disse. Para ele, os familiares poderiam ter informado que os pais moravam longe. Desta forma a nota poderia ter saído mais tarde. Borges garante que as autoridades estão trabalhando com ética, profissionalismo e o maior respeito pelas vítimas da pandemia.   

Funeral em 10 minutos

O corpo deixou a Santa Casa direto ao Prever. Lá foi arrumado. Não teve velório. Os familiares não puderam ir à empresa de funerais. Foram avisados pra ir ao cemitério. Lá, num dia ensolarado, o carro fúnebre chega. Profissionais da morte vestidos como astronautas. O caixão, lacrado, ainda recebe uma grande quantidade de álcool. Coisas do tal protocolo. Um pastor é chamado pela família. Geizimara era evangélica. Ele teve apenas três minutos para orar. No total, 15 pessoas da família. Ninguém pode chegar próximo ao caixão. Em menos de 10 minutos, todo o funeral é encerrado. Agora, ficaram apenas as lembranças da menina de 21 anos. 

Exame negativo

No domingo, último, Geizibel estava em casa. Era noite quando, mais uma vez, as redes sociais começaram a “vomitar”. Diziam que o exame da menina havia testado negativo ao Covid. Todos sabiam. Menos a família. Mais uma vez. “Isso só confirmou o que nós já sabíamos. Afinal, ela não teve contato nenhum com outras pessoas”, disse a irmã. No entanto, ficou mais uma vez revoltada. “Não fomos avisados. Tive a confirmação apenas na segunda. Depois que toda a internet já havia falado”, explica. “Não desejo que nenhuma família passe o que nós passamos. Respeitamos os protocolos. Entendemos isso. Mas informações repassadas antes da família, não podem continuar acontecendo”.

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