Instituto do Rim pode fechar as portas em Campo Mourão
Pacientes, funcionários e médicos do Instituto do Rim de Campo Mourão promoveram na manhã desta quinta-feira (25), o “Dia D da Diálise”, uma manifestação da campanha “Vidas importam. A diálise não pode parar”, que tenta sensibilizar os governantes e a sociedade perante a realidade que os pacientes e centros de diálise vêm enfrentando. Com faixas, bexigas, cartazes e gritos de ordem “a diálise não pode parar”, os manifestantes se concentraram na frente da clínica, no centro da cidade. O protesto foi feito por todo o Brasil.
O Instituto do Rim de Campo Mourão é a clínica de diálise referência na Comcam, e corre o risco de fechar as portas com os 210 pacientes SUS podendo perder o tratamento, que é vital para eles, informou a diretora, Maísa Moraes, médica nefrologista. Segundo ela, o manifesto desta quinta foi um pedido de socorro aos governantes.
Maisa informou que a defasagem dos repasses das sessões de hemodiálise pelo Governo Federal é um descaso histórico que ameaça seriamente o atendimento dos pacientes que precisam de tratamento de terapia renal substitutiva para filtrar artificialmente o sangue. “Vivemos uma defasagem tão grande da tabela que inviabiliza economicamente de continuar com o tratamento. Estamos vivendo a situação mais crítica da história da hemodiálise”, lamentou.
Atualmente, as clínicas de diálise que prestam serviços ao SUS recebem R$ 218,47 por sessão, depois de um reajuste em dezembro do ano passado de 12,5% na tabela. Mas de acordo com cálculos da ABCDT (Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante), o custo do procedimento é de R$ 303,00, ou seja, há uma defasagem de 39%.
A situação se agravou ainda mais com a sanção do piso salarial da enfermagem. Com a lei do piso de enfermeiros, o valor por sessão de diálise no Instituto do Rim subiu para R$ 336,00, ou seja, um déficit de R$ 136,00 por sessão, tornando o tratamento impraticável. Cada paciente faz 12 sessões por mês. A clínica estima um prejuízo de mais de R$ 240 mil mensais.
Maisa ressalta que o valor repassado pelo Governo Federal para os procedimentos pelo SUS está abaixo do custo real e não acompanha a cotação do mercado. Grande parte dos insumos, como produtos e maquinários são importados, além de gastos com dissídios trabalhistas, folha de pagamento, água, energia e impostos. “Com todas essas despesas e a grave diferença de valor corremos o risco de encerrar as atividades pela falta de recursos para compra de insumos para o atendimento aos pacientes”, reafirmou. A médica ressaltou que a defasagem da tabela SUS se arrasta há mais de 10 anos.
“Enfrentamos a pandemia da Covid-19 aos trancos e barrancos já com a tabela deficitária. Por mais que a gente queira de todo jeito garantir o tratamento dos pacientes e trabalhar, está sendo impossível. Estamos ‘enxugando’ gastos de todo lado, mas chega um momento que fica impossível continuar, e chegamos neste ponto”, lamentou.
Para cortar gastos, a clínica já adotou uma série de medidas. A partir deste mês, deixou de atender o ambulatório, que são as consultas de nefrologia e não está dando entrada de novos pacientes. Além disso, parou de fornecer lanche a eles. “Tivemos de adotar estas medidas para poder garantir recursos para compra de insumos”, disse Maisa.
Questão de sobrevivência
Sem recursos, muitas clínicas deixaram de fazer investimentos. E, na atual conjuntura, podem vir a fechar. A situação preocupa pacientes, que dependem do tratamento para sobreviver e também seus familiares. O mestre de obras, Luiz Moura Pinheiro, morador de Campo Mourão, participou do manifesto nesta quinta no Instituto do Rim.
Sua esposa, dona Roseli, de 59 anos, há dois anos faz o tratamento de hemodiálise no local após a falência dos dois rins. “Estou bastante preocupado com essa possibilidade de fechamento da clínica. Se isso acontecer, onde os pacientes vão fazer o tratamento”, preocupou-se. Ele comentou que somente pelo fato de a clínica ter parado de fornecer o lanche já dificultou a situação de tratamento da esposa. “Que nossos políticos possam olhar com sensibilidade para a causa. Estamos falando de caso de vida ou morte”, acrescentou.
Clínica pede socorro emergencial para prefeitos
Depois de apelar ao Governo Federal e Estados por ajuda, a clínica está correndo em busca de auxílio também junto aos municípios por meio do Ciscomcam, Consórcio Regional de Saúde, informou o gestor do Instituto do Rim, Patrick Fiorese Schreiber.
Foi solicitado aos municípios que encaminham pacientes do SUS à clínica, uma ajuda financeira emergencial por quatro meses no valor de R$ 61,00 por sessão de hemodiálise. Por mês, cada paciente recebe 12 sessões. Ou seja, cada município deve repassar R$ 732 mensais por cada morador que faz o tratamento.
Na região, todos os 25 municípios encaminham pacientes ao Instituto do Rim para hemodiálise, com os maiores números sendo de Campo Mourão (53); Goioerê (22); Luiziana (15); Terra Boa (15); Ubiratã (13); e Barbosa Ferraz (12), conforme dados repassados à TRIBUNA. Vale lembrar que por se tratar de um serviço de alta complexidade não é responsabilidade dos municípios o repasse de subvenções, mas sim dos Governos do Estado e Federal. Um ofício será encaminhado à Regional de Saúde pelo Ciscomcam e Procuradoria Geral da República (PGR) sobre o caso.
Atualmente, apenas os estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Santa Catarina complementam os custos da diálise. Vale ressaltar que os pacientes renais crônicos dependem da diálise para sobreviver. Quando os rins param de funcionar e filtrar o sangue, somente uma máquina é capaz de realizar essa tarefa. E todo paciente dialítico precisa da terapia ao menos por quatro horas, três vezes por semana, até que possa conseguir um transplante renal, se estiver apto.
Crise histórica
De acordo com a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante o setor privado supre 90% da demanda pública e enfrenta uma crise histórica com fechamento e endividamento de clínicas. O alerta da rede, que tem 91 clínicas e um centro de acesso vascular e atende a 350 hospitais no país, reflete uma grave crise que atinge uma área fundamental para o doente renal crônico. Na diálise, uma máquina filtra e limpa o sangue do paciente, fazendo parte do trabalho que o rim doente não pode fazer.
Cerca de 90% das clínicas de diálise que atendem ao SUS são privadas e recebem repasses do governo federal. Elas relatam que já vinham lidando nos últimos anos com valores defasados dos procedimentos, mas que nos últimos meses, com a alta do dólar, o aumento do preço dos insumos e a inflação, o cenário foi ainda mais agravado.