Lendário morador de Campo Mourão, ‘Zé Capeta’ ganhou apenas uma vez na Mega. E morreu sem nada
Era tarde de quinta feira, 2 de fevereiro, quando camareiras de um hotel no centro de Curitiba, encontraram o corpo de um homem, já sem vida. No apartamento 1106, 11º andar, estava caído ao lado da cama. Ao seu lado, um misterioso bilhete da mega-sena, premiado. Segundo peritos criminais, o cadáver não continha sinais de violência. Foi uma morte natural. Um infarto fulminante. O homem em questão era José Aparecido Monteiro. Ou apenas, “Junior” à família. “Zé Capeta”, aos amigos. Mais tarde, se descobriria não se tratar de um prêmio da loteria. Mas sim, um antigo bilhete vencedor, dele mesmo, ainda de 2019. Ao contrário do que muitos pensaram, José não morreu com os bolsos cheios. Morreu sem nada.
José morava em Campo Mourão, ao lado de uma irmã, Maria. Mas estava na capital há dois meses. Lá, vivia sozinho, num dos quartos do hotel em que morreu, há dois dias. Ganhava a vida vendendo peças de roupas. Mais recentemente, comercializava cuecas. E era de troco em troco que conseguia sobreviver. Sempre foi muito trabalhador. Um vendedor nato. E como tal, vivia na gangorra da economia brasileira. Se as vendas aumentassem, se instalava em um bom hotel. Se a semana fosse ruim, retornava a um ruim.
A notícia de um suposto “novo bilhete premiado”, veiculada em toda a parte, deixou a família sem nada entender. Afinal, José seria um entre milhões a ganhar duas vezes na mega-sena. Fato ocorrido apenas com alguns políticos do cenário nacional. Mas isso não aconteceu. Segundo relatos ele carregava o requerimento da retirada do prêmio para arrumar seu CNPJ, junto ao contador, em Curitiba.
No quarto, além do papel vencedor, a polícia identificou tudo em seu devido lugar. Roupas bem dobradas e sapatos arrumados, um ao lado do outro. Até mesmo a mala, que estava completamente organizada. Além disso, muitas caixas de remédios. Algumas, voltadas à pressão alta.
Mais conhecido como “Zé Capeta”, ele vinha se queixando à irmã por um regular mal estar. Há alguns dias, ela pediu que fosse a um médico. Ele a obedeceu. E buscou ajuda. Então na segunda feira, dia 30 de janeiro, enviou fotos de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), de Curitiba. Após ser medicado, passou em uma farmácia e comprou medicamentos. Eram os indícios de que algo não estava bem.
José era mais que um irmão à Maria. Era seu companheiro. Seu confidente. Moravam juntos há anos. Ela ainda não absorveu o impacto de sua ida. “Era a minha vida. Seu sorriso, seu otimismo, a fé em dias melhores, isso tudo não tem como esquecer”, disse ela. Maria conta que, quase ninguém sabia de sua permanência em Campo Mourão. “Todo mundo achava que ele não estava mais residindo aqui”, disse. E o motivo ao seu “desaparecimento” tinha um porquê. Tentando se desintoxicar do álcool e do cigarro, preferiu o isolamento desde 2019, mesmo ano em que participou de um bolão da Mega, premiado. “Ele viu que tinha que parar com tudo. Então ficou mais recolhido em casa. Se afastou da noite, dos amigos e vivia apenas em função de suas vendas, também dentro de casa”, explicou a irmã.
Mas, ainda em dezembro, José ganhou forças, decidindo ampliar as vendas na capital. Certamente, o seu maior erro. Lá, com a grana curta, se instalou em um hotel bastante simples. E, agora longe da irmã, voltou aos tragos excessivos. Eram três carteiras de cigarro por dia. E, o álcool, em abundância descontrolada. Tudo isso, misturado ainda com a oscilação da pressão, possivelmente, foi a fórmula para o levar à morte.
Sorte no jogo
Faz quatro anos, “Zé Capeta” ganhou parte de um bolão da mega-sena. O prêmio, na época, segundo levantado, era de R$381 mil. Com descontos, R$270 mil. Segundo a família, boa parte da grana usou para pagar dívidas. E elas eram muitas. Outra fatia torrou em festas. Muitas festas. E, quando percebeu, a conta estava zerada. Para um primo, José tinha problemas com dinheiro. Definitivamente, um não foi feito ao outro. “Quando ele estava com os bolsos cheios, não tinha dó de gastar. Não soube aproveitar. Não poupou”, disse.
José nasceu em 1969 e foi criado em Campo Mourão. Era o caçula de quatro irmãos, Maria, Vera Lúcia e Francisco. O último morreu em 2020, vítima da Covid. “Zé” passou a maior parte da vida sorrindo. Era difícil vê-lo triste. Ainda na adolescência começou a frequentar a Escolinha de Futsal Tagliari. Tanta arte fez, acabou ganhando o apelido “Zé Capeta”. Era um menino terrível. Aprontava o que podia com os demais colegas. Sempre disposto e com alto astral, fez muitos amigos. E levou alguns com ele, até seus últimos dias.
O menino cresceu sem conquistar o grande objetivo: ser um jogador de futebol profissional. A bem da verdade, jamais foi craque. Dava pro gasto, apenas. Mesmo assim, se motivou pra outras bandas. Tinha o desejo em ser um advogado. Fez vestibular, embora sem êxito. Então, sem um curso superior, se especializou na venda de roupas. Vendia de tudo. E foi com o ofício de vendedor quando se casou – apenas uma vez -, tendo dois filhos (Caio e Gabriela). Mais tarde, depois de separado, teve uma terceira filha, Eduarda, de um outro relacionamento. José se foi, mas viu Gabriela se formar em medicina. E Caio, em agronomia.
“Zé Capeta” era espirituoso. Tinha sempre uma piada pronta. E, mesmo apertado financeiramente, dava um jeito para ajudar Maria. A amizade, a entrega e a gratidão eram tantas que, a própria sobrinha, Bruna, filha de Maria, o tinha como um verdadeiro pai. Que ela nunca teve. Após ter o corpo liberado pelo Instituto Médico Legal de Curitiba, ele foi trazido a Campo Mourão.
O velório aconteceu ainda na sexta feira. Era uma noite de trovoadas. Na capela, uma chuva de lágrimas. Amigos e familiares não se contiveram. E diante de tanta tristeza e saudade, os presentes preferiram lembrar do amigo feliz, sorridente. Como sempre foi no plano terreno. “Zé Capeta” já era uma lenda urbana em vida. Agora, é um mito.