“M” e seu “crime” em não poder comprar absorventes

“M” está com 60 anos. É uma mulher sofrida. Já passou por poucas e boas. Jamais roubou. Não é criminosa e nunca fez mal a ninguém. Mas seu “crime” – se é que ele existe -, foi nascer no veio de uma família extremamente pobre. Ela não quer ser identificada. E há muitas razões a isso. A principal é a vergonha em, por muitos anos, não ter grana para comprar simples absorventes em ciclos menstruais. “M” é somente mais uma brasileira, reflexo direto de conjunturas políticas defeituosas.

Filha de uma trabalhadora rural e um pai boêmio – ele nunca trabalhou e sempre sugou o dinheiro da família -, comeu o pão que o diabo amassou. “M” não teve gentilezas da vida. Quase nunca foi presenteada em datas como aniversário e Natal. Pior ainda foi ver a família sem condições mínimas à sua higiene pessoal, no caso, um mero absorvente. “Só quem tem uma filha pode sentir a dor em não conseguir dar o que é necessário”, disse ela, emocionada e agora, mãe de uma moça.

Na década de 70, quando completou 13, foi surpreendida com o primeiro ciclo menstrual. E, se a família, por vezes, nem comida tinha, como pensar em comprar absorventes. “Minha mãe me ensinou a usar paninhos, como retalhos de tecidos. Era o que tinha”, disse. A prática durou anos. “M” só passou a utilizar absorventes depois de conseguir se estabilizar financeiramente. E quer saber, isso tem menos de uma década.

Mas o dilema de “M” como a tantas outras como ela, estava no fim. Um projeto de lei que garantiria a distribuição de absorventes a mulheres pobres, foi por água à baixo. Aprovada pelos deputados, foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, faltava no projeto descrever a origem dos recursos, da ordem de R$85 milhões ao ano.

A exemplo de Brasília, a vereadora de Campo Mourão, Naiany Hruska Salvadori, também propôs em junho, e teve aprovado, em julho, um projeto de lei sobre o tema: “Programa Municipal de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nos Estabelecimentos Públicos de Ensino e nas Unidades Básicas de Saúde”. Nele, se atribui ao município a obrigação em fornecer gratuitamente absorventes higiênicos. O público beneficiado são mulheres em situação de vulnerabilidade econômica ou social, visando à prevenção e riscos de doenças, bem como a evasão escolar.

Enviado ao prefeito Tauillo Tezelli, o projeto foi vetado. Ele respondeu entendendo o “meritório propósito”. No entanto, alegou ser inconstitucional. “Ocorre que independentemente da origem das verbas para custear o programa está havendo a criação de uma despesa obrigatória de caráter continuado, prática vedada pela Lei Complementar Federal nº 173/2020”. Mesmo vetando o projeto de Lei, Tezelli teve o veto derrubado pelos vereadores, em setembro. Agora valendo, a lei deve ser implementada já, a partir de janeiro, aliada ainda a uma emenda parlamentar de R$250 mil, que deve ser voltada à compra dos produtos. O drama de meninas com “M” pode estar chegando ao fim.

Exemplos

Rita de Cássia Cartelli, Diretora do Colégio Estadual Marechal Rondon, diz que a unidade distribuiu absorventes já, há mais de 20 anos. São casos de “acidentes” ou apenas a verdadeira necessidade das adolescentes em adquirir os mesmos. “Recebemos através de doações da própria comunidade”, disse. Há mais de duas décadas, o colégio mantém pequenos estoques às estudantes.

Miria Goretti Zamboni, presidente da entidade Raio de Luz, ligada ao Rotary, criou um projeto de ajuda às mulheres. Mas, devido a muitas dificuldades, ainda não foi colocado em prática. A ideia, segundo ela, era comprar uma máquina para produzir absorventes e colocá-la no Lar Dom Bosco.

Toda a produção, consequentemente, seria destinada a população vulnerável da cidade. No entanto, descobriu-se que, no Brasil, a tal máquina não existe. “Então a encontramos na China. Muito sofisticada, toda computadorizada. As dificuldades são a operacionalidade e a manutenção. Outro problema é que o equipamento só produz no tipo tampax, que foge da cultura brasileira”, disse.

Miria diz que muitas mulheres, por falta de absorventes, acabam utilizando algodão e mesmo outros produtos. A prática leva a infecções urinárias e, até, à evasão escolar. “É comum também verificar a mesma situação em mães carentes. Entre comprar um litro de leite e um pacote de absorventes, é claro que ficam com a primeira opção. Principalmente, porque é um produto caro, ainda mais a quem não tem dinheiro”, disse. Enquanto as leis não são implementadas, o Raio de Luz está em campanha com o Sesc e a Câmara da Mulher, através de arrecadação de absorventes.