Marla vence barreiras e faz história ao se tornar a primeira travesti a se formar na Unespar de CM
Sim, é possível vencer as barreiras, sejam elas quantas forem. A ativista de causas LGBTQIAPN+, sigla que representa a diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero, Marla Dias da Rocha, de 50 anos, moradora de Janiópolis, é a mais prova viva disso. Ela é mais uma formada no curso de Turismo pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), em Campo Mourão. Mas sua trajetória a torna única. Foi a primeira acadêmica travesti a conquistar o diploma de graduação na universidade no campus local. Definitivamente, Marla derrubou os ‘muros’ do preconceito. Se tornou exemplo de resiliência e inspiração. A trajetória de Marla, em suas palavras, é um “farol de esperança”.
Ela, que foi escolhida oradora da formatura, no último dia 27 de março, fez um discurso emocionante diante de 135 formandos de outros cursos contra as barreiras de identidades de gênero impostas pela sociedade. Para Marla, sua formatura foi não só uma celebração de conquistas, mas um “chamado à coragem”, ao se referir à sua luta às causas LGBTQIAPN+.
“Ser pioneira em um determinado contexto muitas vezes implica navegar por um território desconhecido, onde normas e estruturas podem não estar totalmente preparadas para acolher a diversidade de experiências. Questões como o uso do nome social, o acesso a banheiros adequados e a garantia de um ambiente livre de discriminação foram desafios que precisei superar”, relatou a ativista.
Marla esbanja inteligência e educação. Ela se tornou uma figura ilustre na universidade. Muito querida entre professores, colegas de classe e acadêmicos em geral, ela disse que sua formatura representou não apenas a conquista do diploma, mas também um marco significativo para a comunidade acadêmica e a sociedade em geral. “O fato de eu ser a primeira aluna travesti a concluir um curso no campus da Unespar de Campo Mourão não apenas celebra minha perseverança individual, mas também representa a inclusão e a representatividade do público travesti no ensino superior”, falou.
A mais nova turismóloga complementou que sua conclusão no curso abre caminho para futuras gerações de estudantes trans e travestis, demonstrando que o acesso à educação é um direito de todos, independentemente da identidade de gênero. Ela observou que a inclusão deve ser pensada de forma ampla e reforçou a necessidade de políticas e práticas que acolham a diversidade em todas as suas formas. “É fundamental que as universidades e os formuladores de políticas públicas adotem medidas inclusivas para garantir um ambiente de aprendizado seguro, respeitoso e equitativo, no qual todos os estudantes possam prosperar e contribuir para uma sociedade mais justa e diversa”, cobrou.
Durante sua jornada acadêmica, Marla também enfrentou desafios financeiros. Ela lembra que, nos estágios obrigatórios do curso, precisou se mudar temporariamente a Campo Mourão, deixando seu pai em Janiópolis. Nesse período, uma família acolhedora da cidade ofereceu-lhe um lar temporário, garantindo que pudesse concluir essa etapa do curso.
Marla faz questão de expor sua gratidão aos profissionais da universidade e à Unespar como um todo, que a acolheram de braços abertos, um gesto que fez toda a diferença para sua formação. Na Unespar, diz ela, se sentiu sempre em casa. Essa relação gerou um forte vínculo de amizade entre Marla, professores e acadêmicos. “Minha formação em Turismo adiciona uma nova dimensão à minha atuação nas causas LGBTQIAPN+, unindo a paixão pelo serviço e pela hospitalidade ao meu engajamento em questões sociais”, explicou.

Mestranda
O destaque acadêmico de Marla é evidenciado por sua aprovação em dois programas de mestrado na Unespar: o Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade em Desenvolvimento (PPGSED) e o Mestrado em História Pública (PPHP). Ou seja, a busca por educação continuada, mesmo diante dos desafios enfrentados, destaca sua dedicação ao aprendizado e ao desenvolvimento pessoal e profissional.
Os projetos aprovados de Marla nos dois mestrados têm foco no município de Janiópolis, mas Marla decidiu trabalhar com o projeto “Memória, Gastronomia e Identidade: A Festa da Leitoa Fuçada como Patrimônio Cultural em Janiópolis/PR”.
Após a divulgação do resultado do edital, Marla buscou apoio para viabilizar sua participação no mestrado. Inicialmente, recorreu à Secretaria de Educação de Janiópolis. Embora tenha sido bem recebida, não conseguiu ajuda com transporte, mesmo sendo um direito garantido aos universitários da cidade.
Como não obteve nenhuma resposta do município e ela não podia esperar, recorreu às redes sociais e criou uma vaquinha online. Não demorou muito e, graças à colaboração de amigos, conseguiu recurso para o transporte por um período da especialização.
Marla elogiou a Universidade, que proporcionou mais uma vez sua inclusão social. “A Unespar, ao me acolher e proporcionar isso tudo, demonstrou um compromisso com a diversidade e a inclusão, reforçando que o espaço acadêmico deve ser acessível a todas as identidades de gênero”, afirmou, ao ressaltar que a própria Unespar a reconheceu como a primeira aluna travesti do campus, dando ainda mais visibilidade e reconhecimento à sua conquista histórica.
Dedicação às causas LGBTQIAPN +
A dedicação de Marla às causas LGBTQIAPN+ em organizações não governamentais do Paraná é prova de seu compromisso contínuo com a defesa dos direitos e a promoção da inclusão. Marla tem forte atuação como ativista, participando de podcasts e outras iniciativas voltadas à visibilidade e à inclusão da comunidade LGBTQIAPN+. Seu ativismo aborda temas como acesso à educação, direitos à saúde, combate à discriminação e promoção da inclusão. Sua vivência pessoal e seu conhecimento das vulnerabilidades da população trans em relação às IST/AIDS informam suas perspectivas e prioridades.
Paralelamente, ela viveu uma experiência de sete anos na secretaria de Saúde de Campo Mourão, atuando no setor de IST/AIDS, onde adquiriu um profundo conhecimento das vulnerabilidades sociais e das necessidades de saúde da população.
Durante esse período, Marla teve a oportunidade de realizar uma capacitação em Direitos Humanos relacionados às ISTs, a convite da Coordenação Estadual de DST/Aids do Estado. Posteriormente, foi convidada pela enfermeira Ana Lúcia Cardoso, então coordenadora do programa de IST/Aids de Campo Mourão, para trabalhar no Ambulatório Especializado (CTA), conciliando essa atividade com o curso de Técnica de Enfermagem que realizou no Colégio Marechal Rondon.
“Essa experiência profissional e a parceria com a Ana Lúcia Cardoso foram fundamentais em minha trajetória, marcando a transição de um contexto de vulnerabilidade para um emprego formal”, disse ela. Após essa fase, Marla passou uma temporada na Europa e retornou ao Brasil com novos planos profissionais.