Matsumi foi o mestre de uma vida

No quarto, caixas de remédios ao lado da cama. Nas paredes, retratos de um tempo saudoso. Certificados e homenagens sobre a cômoda. Numa sacola azul, álbuns com fotografias antigas. Elas pertencem a Shigueru Matsumi. O primeiro professor de judô de Campo Mourão e toda a região. Aos 87 anos, já aposentado, desfruta a serenidade da idade. Continua como sempre. Um homem gentil. Inteligente. Vaidoso. Cabelos extremamente bem penteados. Casa organizada. A disciplina, antes imposta em suas aulas, ainda se mantém. 

Matsumi nasceu no Japão, na cidade de Kunamoto-Ken. Veio com os pais ainda recém nascido, em 1934. Na viagem de quase 50 dias dentro do navio, a família fugia de épocas de guerra. Desejavam a tranquilidade do Brasil e, quem sabe, novas oportunidades. “Meu pai dizia que aqui faltava gente pra trabalhar. Então viemos”, disse. Se instalaram em Mogiana, São Paulo. E lá, os pais foram contratados por dois anos na colheita do café. A seguir, rumaram a Marília. 

Já aos 12 anos, Shigueru mudou com a família à capital, São Paulo. Naquele tempo, os filhos tinham que labutar, desde cedo. Os estudos ficaram de lado – completou somente a quarta do fundamental. Então, ajudou na tinturaria e na quitanda dos pais. Aos 15, iniciou seu aprendizado para a vida: o judô. Ele ainda não sabia, mas a arte marcial marcaria sua vida. Para sempre. 

Em São Paulo, abriu sua academia. Tinha 29 anos. Como mestre, se destacou no bairro do Tatuapé. Fez amigos, discípulos. Mas a convite de um conhecido, visitou Campo Mourão. Era 1968. Aqui, viu a possibilidade de prosperar. A cidade iniciava seus passos. Tudo era poeira e terra vermelha. Asfalto mesmo, apenas na Capitão Índio Bandeira. Mesmo assim, nada tirou sua permanência da cabeça. Foi amor à primeira vista. Nunca mais saiu.

No mesmo ano, iniciou a sequência do judô na cidade. Ao longo dos anos, teve mais de três mil alunos. Conquistou inúmeros troféus, sendo por três vezes, campeão paranaense por equipes. A fama e o profissionalismo de Matsumi, correu o estado. Era conhecido pela forma plástica dos golpes. A leveza e a beleza de sua técnica, o faziam diferente dos demais. Colaborou com a arte em vários municípios. Reconhecido pela Federação Paranaense de Judô, aposentou-se em 1998.

Na jornada ininterrupta pelo esporte, não ganhou rios de dinheiro. Segundo ele, apenas o suficiente para manter o sustento da família. Formou todos os filhos. Com a esposa, Toshiko Matsumi, teve cinco filhos. A companheira morreu há três anos. “Ela foi antes de mim. Me deixou aqui, sozinho”, disse. 

Nos 65 anos como professor, foram mais de 3 mil alunos

Matsumi conta que, entre as aulas, intermediava negócios imobiliários. Era uma forma de ganhar uma grana extra. E, de certa forma, deu certo. Conseguiu construir uma edificação de dois pavimentos. Ali, passou a residir e dar aulas de judô. O prédio continua com a família. Ali, naquele imóvel, pelo menos 16 mourãoenses conquistaram a faixa preta. Mas isso só foi possível devido a rigidez e a disciplina exigida pelo mestre. 

Hoje, Matsumi vive numa casa pequena, aos fundos da filha mais nova. Com ele, uma cuidadora. Nunca está sozinho. Toma remédios. Tem pouco fôlego. Muito possivelmente, em virtude dos cigarros queimados até os 70. Fora isso, está bem. Lúcido. E com uma memória invejável. 

Em tempos de pandemia, o professor se recolheu. Sai apenas para ir ao médico. Enquanto o vírus não desaparece, faz suas caminhadas pelo próprio quintal. O corona também adiou sua maior honraria, em vida. Ele foi agraciado com o Título de Cidadão Honorário de Campo Mourão. A proposta do ex-vereador Sidnei Jardim, foi aprovada por unanimidade ainda em 2019. Mas não pode ser entregue. O vírus não permitiu. “Ele já possui o título. Ele já é um cidadão honorário da cidade. Só falta entregar o certificado a ele”, disse jardim. Matsumi não vê a hora disso acontecer. É que na parede, entre os vários documentos, está um lugar reservado para esta honraria. 

Durante a entrevista, Matsumi relatou diversas vezes a paixão por Campo Mourão. E da honra em levar os ensinamentos marciais a milhares de crianças e adultos. No entanto, embora não saiba, ainda, a maior honra aqui, é da própria comunidade. Que pode afirmar que o professor Shigueru Matsumi, doou seu coração a esta terra. Matsumi foi o mestre de uma vida.