Na solidão da rua, Adriano está por ele mesmo
Aos fundos de um prédio público de Campo Mourão, um homem de 47 anos esfregava os pés com uma escova. Era o início dos rituais do banho. Encheu um balde com água e, mesmo no frio, lavava as partes, uma de cada vez. Depois da higiene, o sujeito de olhos verdes, cabelos grisalhos e de baixa estatura, adentrou à própria “casa”. Ela foi construída há dois meses entre três paredes de concreto do imóvel municipal. Sozinho no mundo, o barraco é tudo o que possui no plano terreno. No espiritual, tem fé que as coisas melhorem.
Dormindo nas ruas, Adriano ganhou um colchão e cobertas. Depois de encontrar o local, identificou placas de madeira jogadas na via. E as transformou em teto e parede. Então, sobre a tampa de uma fossa em concreto, armou a estrutura. É lá onde passa os dias e noites. Todas, a lamentar pela situação em que se encontra.
O improviso chamado de “casa” acomoda os poucos pertences. Tudo, devidamente organizado. Roupas num canto. Sapatos noutro. Uma bandeira do Brasil amarrada ao teto. E no chão, o pequeno colchão com os cobertores. Do lado externo, uma pequena panela. É lá onde faz o arroz e feijão, recebidos de gente que ainda se preocupa com gente. Utiliza duas latinhas com álcool para aquecer a água. E, depois de quente, prepara o rango.
Adriano conta que a vida não tem sido bacana. As ruas, nem sempre foram sua morada. Nasceu em Apucarana, em 74. Mas ainda criança, foi abandonado pela mãe. Acabou nos braços da avó paterna, em Londrina. Aos oito, soube que o pai estava em Campo Mourão. Então, foi enviado com uma pequena mala ao genitor.
Recebido, trabalhou como bóia fria ao seu lado até os 14. Foi quando descobriu que a madrasta, não era a mãe biológica. “Cresci com meu pai dizendo que ela era minha mãe. Sempre acreditei nisso. Mas depois descobri a verdade”, disse. Conflitos constantes com o genitor fizeram com que deixasse a casa. Ganhou as ruas. E depois, o mundo.
Desde cedo, Adriano aprendeu a trabalhar na construção civil. E foi na atividade onde ganhou dinheiro. O suficiente para sobreviver. Cansado das aventuras, sempre acabava retornando à casa do pai. Mas os conflitos continuavam. E foi assim, sempre, até o genitor morrer, há cerca de três anos.
Adolescência
Aos 15, Adriano se casou. Ele engravidou uma jovem, como ele. Da relação, teve dois filhos. Os quais nunca mais teve notícias, disse. Mas a convivência com a companheira durou pouco. Já, aos 16, conheceu quem não devia. E pagou por isso. Fez um roubo e ganhou três anos de reclusão numa casa à menores. “Aprendi a lição. Nunca mais fiz isso”, revelou.
As ruas também evidenciaram o óbvio. Ainda jovem, conheceu o álcool e as drogas. Mais adiante, já aos 30 e poucos, se afundou no crack. Mas, segundo ele, não usa mais. Teria sido um período de apenas sete meses. Sozinho, se aventurou em Maringá, onde foi flanelinha. Lá, conheceu um sujeito. Juntos, tinham vontade em conhecer São Paulo. Mas sem grana, decidiram ir a pé.
“Demoramos uns seis dias pra chegar lá. Foi uma aventura”, disse. Segundo Adriano, quase não dormiam. Paravam pouco para descansar. Comida era apenas miojo, que faziam no caminho. Na cidade grande, permaneceu quase dois meses. E viu que, as ruas de lá, eram bem piores que as de menores cidades. Drogas e violência o assustaram. “Pensei comigo, sabe de uma coisa, vou é sumir daqui”, disse. De volta a Campo Mourão, foi acolhido, mais uma vez pelo pai. Mas a eterna dificuldade no convívio o afastou, mais uma vez.
No começo deste ano, desejando parar de beber, buscou ajuda numa casa de reabilitação. Foram apenas quatro meses. Mas teve problemas na relação com outros internos. “Para não cometer nenhuma loucura, decidi deixar o local”, revelou. Sem teto, buscou ajuda dos freis franciscanos, na Casa de Passagem de Campo Mourão. Não conseguiu ficar. “Descobri que minha vida é ser sozinho. Tenho dificuldades com a convivência de outras pessoas. Vou continuar assim”, revelou.
Adriano diz estar por ele mesmo nesta vida. Só. Mas ainda tem esperanças em encontrar um emprego, registrado. “Quero ter meu trabalho e alugar uma casa. Não posso continuar assim”, disse. Esta semana, buscou pequenos bicos na cidade. Mas até isso, segundo ele, está difícil. O segundo desejo é encontrar a irmã que nunca viu. Ela mora numa fazenda no Mato Grosso do Sul. Mas possui poucas informações.
Esta semana os freis retornaram o convidando a voltar à Casa de Passagem. Mas ele não aceitou. “Não consigo conviver com outras pessoas. Prefiro ficar sozinho mesmo. Mas agradeço a ajuda oferecida”, disse. Enquanto o tempo passa, Adriano continua no improviso. Sua fé é grande. E acredita que o vento soprará a seu favor. Muito em breve.