Negligência ainda lidera causas de acidentes de trabalho

Uma viga de concreto que caiu durante a reforma de um salão comercial no centro de Campo Mourão colocou fim à vida de José Dias de Oliveira, 69 anos, na tarde do dia 21 de setembro deste ano. Ele trabalhava na reforma do imóvel sem equipamentos de segurança e chegou a ser socorrido com vida, mas morreu poucas horas depois no hospital. 

Esse foi um dos 26 acidentes de trabalho já registrados oficialmente este ano pela Secretaria Municipal de Saúde. Em todo o ano passado foram 28 acidentes. “Esse foi um acidente que poderia ter sido evitado. Faltou uma análise de risco”, observa o técnico em segurança do trabalho, Oliveira Pereira Lopes, que há 39 anos atua no ramo em Campo Mourão com treinamentos, inspeções e assistência a empresas e setor público.

Segundo ele, embora o número de acidentes tenha sofrido uma significativa redução nos últimos anos, a negligência do trabalhador, aliado a imprudência, ainda é a principal causa. “Sem dúvida a falha humana, consciente ou inconsciente, é o que provoca a maioria dos acidentes. A pessoa abusa da experiência e sempre acha que não vai acontecer com ela”, diz Oliveira, que na sexta-feira realizava mais um treinamento para trabalhadores da construção civil em sua empresa. 

Mas engana-se quem pensa que a construção civil é a campeã em acidentes de trabalho. “Isso era uma realidade na década de 1980. De lá pra cá houve muitos avanços, inclusive na legislação e hoje os sindicatos da construção estão atuando com fiscalização rigorosa”, explica o empresário, ao acrescentar que no Paraná a construção civil está na 5ª colocação no ranking dos acidentes.  

A área da saúde, indústrias de alimentos e o setor mobiliário (onde estão as serrarias, oficinas, marcenarias e madeireiras), são os campeões no número de ocorrências. Em Campo Mourão, a linha de produção do setor de alimentos foi onde ocorreu o maior número de acidentes em 2018. 

Já dos 26 acidentes registrados nos nove primeiros meses de 2019, os empregados domésticos de serviços gerais foram os que mais se acidentaram. Dados da Secretaria de Saúde mostram que os homens sempre lideram o número de vítimas (mais 80 por cento).

Todo acidente de trabalho deve ser notificado pelo hospital onde o trabalhador é atendido à Vigilância Sanitária do município, que deve fazer uma investigação. “Um técnico vai verificar a situação de saúde do paciente e também no local onde ocorreu o acidente para fazer o acompanhamento e registro”, explica a enfermeira Edina Simão. 

Ela ressalta que as empresas também são fiscalizadas e notificadas pelo município sobre situações de risco no ambiente de trabalho. A notificação da Vigilância Sanitária também pode ser feita a pedido do Ministério Público. 

Acidentes não notificados mascaram as estatísticas

A falta de registro do acidente é o que prejudica um levantamento real do número de ocorrências.  “Para termos uma ideia aproximada temos que pegar os dados oficiais da Previdência Social e multiplicar por três”, afirma Oliveira.

Para que o acidente apareça nos registros, segundo ele, é preciso fazer a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), que é o controle da Previdência. “A CAT é a garantia para o trabalhador gozar dos benefícios legais e também tirar a responsabilidade do empregador”, explica. 

Muitos acidentes com servidores públicos, de maneira geral,  também não entram nas estatísticas. “Vários pequenos acidentes ocorrem nos hospitais, clínicas e postos de saúde, onde os profissionais trabalham com objetos cortantes ou pontiagudos. Como na maioria das vezes a pessoa é socorrida no próprio local de trabalho, esse tipo de acidente acaba não sendo registrado”, observa.

Prevenção

As empresas acima de 20 funcionários, dependendo do grau de risco, são obrigadas a constituírem a CIPA (Comissão Interna de Acidentes de Trabalho) e o Ministério do Trabalho tem o poder de fiscalização, além de desenvolver programas de orientação. 

Também existe a fiscalização do Ministério Público e da Previdência Social. “Mesmo as empresas que não são obrigadas a constituírem a CIPA, precisam ter uma pessoa designada para cumprir com as atribuições”, completa Oliveira, ao lembrar que a CIPA tem o papel de orientar e até notificar o empregador para que medidas preventivas sejam tomadas. 

Um acidente de trabalho a cada 12 minutos no Paraná

As estatísticas mostram que os acidentes de trabalho no Paraná vêm caindo nos últimos anos. Mesmo assim, entre 2015 e 2017 (último ano com dados disponíveis), foram registrados 133.222 acidentes, dos quais 629 trabalhadores morreram e 2.739 ficaram incapazes permanentemente.  Por esses dados, divulgados pelo Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) da Previdência Social, a cada 12 minutos ocorre um acidente de trabalho no Estado.

Os cinco primeiros lugares das atividades econômicas ainda trazem a presença do setor de transporte, armazenagem e correio, com 9.951 casos. Só então aparece a construção civil, com 7.836 registros. 

Este ano a Secretaria de Estado da Saúde realizou a campanha “Abril Verde” para alertar e sensibilizar profissionais e empresários sobre acidentes de trabalho. Em Campo Mourão a Divisão de Segurança e Medicina do Trabalho da prefeitura desenvolveu ações, como conscientização de trabalhadores quanto ao uso dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), assim como visitas e orientações em instituições de ensino.

Na Secretaria do Meio Ambiente foram demonstrados aos servidores os acidentes do setor, enfatizando o “trabalho em altura”, com foco nos riscos envolvidos nos serviços de podas de árvores e nas redes elétricas, bem como da importância do uso dos EPIs.

O Abril Verde é uma rememoração às vítimas de uma explosão em uma mina no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos, no ano de 1969, que matou 78 trabalhadores, tornando-se um dos maiores e mais conhecidos acidentes trabalho da humanidade.