Nilson foi o menino de sorriso fácil
A trajetória de Nilson André Piacentini terminou na madrugada de 19 de novembro de 2017. Naquela noite, ele havia sido convidado a uma festa num prédio da área central de Campo Mourão. Um edifício antigo, na esquina da Avenida Capitão Índio Bandeira com a Rua Brasil. As circunstâncias da morte, segundo a família, foram elucidadas. “Nilsinho”, como era conhecido, caiu na escadaria. Teve uma séria lesão na coluna cervical. Não suportou. Morreu horas depois. Tinha 53 anos. Em sua breve estada, fez um pouco de tudo. Fez filhos. Plantou árvores. Mas o livro… Bem, o livro de sua história não foi terminado. Continua com as páginas abertas. Muitas delas ainda em branco. Ele tinha bastante a escrever. Ou melhor. A viver. Deixou o final inconclusivo. Talvez, aos amigos escreveram as memórias por ele deixadas. Nilson foi um sujeito especial.
“Nilsinho” era de família tradicional. Filho do pioneiro Avelino Piacentini. Era o mais novo de cinco irmãos. Inclusive, puxou o fenótipo do pai. Baixinho e forte. Quem não se lembra do tamanho de suas panturrilhas? Também teve reflexos paternos na gastronomia. Ajudou nas churrascarias da família. Depois teve dois restaurantes. Um vegetariano e uma pizzaria. Ambos na década de 80. Inclusive, a pizzaria Dom Quichopp, marcou uma era. Foi o primeiro forno à lenha da cidade. Nilson era destemido. Nada o afugentava. E quando era pra entrar numa guerra, ia dentro de um tanque blindado. Com raízes italianas, tinha sangue quente. Jamais fugiu de uma batalha.
O menino de sorriso fácil tinha uma infinita coleção de amigos. Segundo relatos do irmão, Nilmar, ele fazia de tudo pelos seus. Era um doce. Mas ao mesmo tempo, com pavio muito curto. Cheio de opiniões. Caso clássico de toda a família. Tinha caráter forte. Festeiro. Solidário. Estava sempre disponível. Solícito. “Era uma pessoa extremamente querida. Meu irmão querido. Uma pessoa especial”, disse Nilmar.
Rock nas veias
“Nilsinho” fez faculdade de Biologia em Curitiba. Final da década de 70. Era músico. Tocava flauta doce. Tinha cabelos compridos e entrou numa banda. Adorava o bom rock and roll. Na década de 80, quando o rock nacional estourara, Nilson levou a Campo Mourão algumas bandas da capital. Uma delas foi a “Beijo à Força”. Fã do rock clássico, em 1985, ele foi ao Rock In Rio. A coisa aconteceu de uma forma bem louca. Como conta o irmão.
Nilmar saiu de Campo Mourão com um Fiat 147 rumo ao Rio. Levou o rock no sangue. Também levou frango e farofa. Tudo pra economizar. Percorreu mais de mil quilômetros. Lá, em meio a 100 mil pessoas, encontrou sua irmã Nelita. Na mesma noite, o irmão Ney. E, pasmem, Nilson também. Uns não sabiam dos outros. Todos decidiram ir. Mas não se comunicaram. Também pudera. Era um tempo esquisito. Não havia celular. Nem redes sociais.
Com muita música, amigos e cachaça, a festa foi boa. Nilmar lembra que encontrou “Nilsinho” na entrada. “Chovia muito. Ele estava de shorts e camiseta. Tava com as panturrilhas de fora. Tinha pernas fortes. Mas lembro que ele havia envolvido seus pés com saco de lixo. Pra não sujar o tênis”, disse. Mas os dois se perderam um do outro. Somente noutro dia, Nilmar soube da presepada com Nilson. “Nilsinho” bebeu demais naquela noite. Acabou desmaiando na lama do festival. Quando acordou, havia sido roubado. O deixaram apenas de cueca. Estava todo enlameado. Além da zórba, também pouparam os tênis. É que eles ainda estavam envoltos no saco de lixo. Possivelmente, acharam que era somente seus pés sujos.
Mesmo com baixa estatura, Nilson jogou basquete. Depois foi para o futebol. Um perna de pau dos piores, diga-se. Mas corria atrás da bola. Queria se divertir. Estar com os amigos. Certa vez machucou o joelho. Então foi ao médico. O doutor perguntou se ele era craque. “Não. Eu sou ruim pra burro. Sou um perna de pau”, teria dito. O médico respondeu: “Então pare. Não quero vê-lo aqui de novo”.
Muito ativo, “Nilsinho” fez muitas coisas em busca de grana. Era um legítimo brasileiro em busca do pão. Depois de formado, deu aulas de biologia em Campo Mourão. Mais tarde trabalhou com o irmão na Construtora Piacentini. Quando seo Avelino morreu, em 1988, Nilson assumiu a churrascaria Piacentini. Permaneceu por alguns anos. Mas o negócio acabou fechando. Ele voltou a Curitiba para trabalhar, novamente, na construtora, ao lado dos irmãos. Na capital, também foi corretor de seguros. Teve estacionamentos de veículos. Um deles, inclusive, deixou para a ex-esposa, quando se separou.
“Nilsinho” era também um boêmio. Adorava uma mesa de bar. Vivia o momento com os amigos. Gostava de uma festa. De uma boa prosa. Nos bailes de carnaval aproveitava cada minuto. Tratava-se de um cara culto. Debatia qualquer assunto. Sempre com suas opiniões formadas. Chegava ser até teimoso. Mas pra ele, o que valia da vida mesmo, era a alegria. Poucas vezes foi visto sem aquele sorriso fácil na cara. Sorrisão de um cara contagiante.
Paloma Piacentini, sobrinha mais velha de Nilson, lembra de um tio sempre rodeado pela família. Com uma agenda extensa de amigos. Com muitos sonhos e projetos de vida. “Ele viveu intensamente tudo. Espalhou amor por cada canto que passou. Dominava qualquer tipo de assunto. Estar ao lado dele sempre foi um imenso prazer”, disse. “Nilsinho” teve dois lindos filhos. Seu legado de amor.
Ela lembra que o tio sempre puxava pra si os planejamentos das festas da família. Sabia e dominava a arte em receber e servir. Fazia com brilho nos olhos e um largo sorriso. Herdou o ensinamento de seo Avelino. “Antes de partir, passamos na mesma estrada. No mesmo dia. E perto do mesmo horário. Ele enviou uma foto de um lindo pôr do sol. Vista da rodovia Avelino Piacentini. Estávamos eu e ele admirando ao vivo a mãe natureza. Só que em carros diferentes”, lembra Paloma.
Antes de morrer, Nilson trabalhava para o governo. No Instituto de Águas. Estava eufórico. Muito animado. Mapeava todo o estado como biólogo. Viajava pelos municípios e, por esta razão, vinha empolgado com a jornada. Paloma lembra do dia do acidente. O sol acabara de surgir. Uma manhã esquisita. O telefone tocou as 6 da manhã. Correu ao hospital. Deu tempo de vê-lo na maca. Ainda estava vivo. Ela avisou toda família. O tio Nilmar disse: “Não importa o que aconteceu. Temos que salvá-lo”. Não deu tempo. Naquela madrugada, “Nilsinho” havia se desequilibrado e caído na escadaria de um edifício. Exatamente no prédio que sediou o primeiro escritório da construtora da família. E assim foi a despedida. Pela primeira vez, Nilsinho ficou sem sorrir.