O dia que Sônia encontrou João

Sônia Maristela Ahmad Eid deitou em sua cama. Era noite. Decidiu ver o celular antes de apagar. Olhou o Facebook. Estava estampada uma matéria do Jornal Tribuna do Interior. “Léa precisa de ajuda”. Leu sobre o desespero de uma família que morava na rua Cardeal 78, em Campo Mourão. Foi aí que a ficha caiu. No Natal de 2019, ela recebeu uma cartinha do Papai Noel. Era uma criança pobre. Pedia material escolar. A carta se perdeu. Como não lembrava o endereço, o presente nunca foi entregue. Mas a matéria despertou a memória. A criança era João, um dos seis filhos de Léa.

No dia seguinte, assim que acordou, foi ao endereço. Levou produtos de higiene pessoal. Era o que a família pedia na matéria. Mas a ida tinha um objetivo ainda maior. Ela tinha que falar com o menino. Na casa, o encontrou. E pediu desculpas. Disse que a carta havia se perdido. “Falei que agora o desejo dele irá se realizar. Só as aulas voltarem e eu irei dar o material que pediu no Natal”, disse Sônia. Ela também passou em uma loja e comprou doces às sete crianças da casa. Seis de Léa, e um do irmão dela. Com o frio, levou cobertas à família. Só não doou o próprio o coração. Mas em tese, o deixou lá.    

Sônia é uma mulher guerreira. Aos 53 anos, é professora licenciada. Tem três filhos. E vem lutando contra várias doenças. Tudo ao mesmo tempo. Faz tratamento e quimioterapia. Quis o destino que seu marido fosse morto em 2002. Hanuar Ahmad Eid tinha 35 anos. Uma discussão sem nexo com um policial militar. Por causa de um capacete. Uma arma. Um tiro. Ficou viúva. O marido tinha um sítio em Altamira do Paraná. Ia frequentemente ao lugar. Mas naquele 12 de novembro de 2002, não voltou mais.

Viúva aos 35 anos, criou os três filhos como professora. E tem orgulho disso. Também teve ajuda da pensão do falecido. Mas a jornada foi difícil. Ainda mais lutando contra a temida depressão. Uma doença sorrateira. Que não avisa quando chega. E, quando avança, provoca dores em toda a família. Muitas vezes ficou internada. Os filhos ficavam com a avó. “Criei meus filhos com o alicerce do amor”, disse. Além da ausência da mãe, muitas vezes hospitalizada, a falta do pai, assassinado, provocou solidão aos filhos. “No Dia dos Pais eles preferiram ficar isolados”, disse Sônia.  

Em 1998, pouco antes da tragédia do marido, problemas de depressão a derrubaram. Permaneceu dois anos entre a cama e o hospital. Até hoje luta contra o mal. Toma remédios pra isso. Uma batalha constante. Em 2016 começou a pedalar com um grupo de amigas. Um tipo de terapia à doença. Certo dia apareceu uma mancha em suas costas. Foi ao médico. Uma cirurgia foi marcada no dia seguinte. Detectado um cisto. Não era câncer. Mas Esclerodermia. Uma doença inflamatória crônica do tecido conjuntivo. Ligada a fatores autoimunes. A principal característica é o endurecimento da pele.

O uso de vários medicamentos teve consequências. Uma delas foi uma cirurgia na coluna. Problemas na medula. Havia estourado uma hérnia de disco. Ficou com colar no pescoço. Seis meses deitada. Hoje ainda toma remédios pesados. Tem dias que não consegue andar. Em resumo, a doença não tem cura. E o prazer de pedalar com as amigas, teve que ser adiado. Faz dois anos que não usa a magrela. “Já venci muitas batalhas. Não é essa que vai me derrubar agora”, disse. Assim, a professora de artes vai vivendo. Um dia por vez. Devagar. Com cautela. Uma caminhada vitoriosa. Com batalhas a cada momento. Como se fosse um quadro vivo, como a disciplina que sempre lecionou. Em tempo: a magrela está esperando.