O otimismo de Abel
Até pouco tempo, Abel José Padilha andava com uma Ford Ranger. Morava numa casa dele. E ganhava a sua grana através de uma propriedade rural, da família, ao lado de outros três irmãos. Tudo ia de vento em popa. Mas veio uma “tormenta”, transformando sua vida num amontoado de cacos. A partir de um desentendimento com os sócios, chutou tudo e caiu na estrada. Hoje, em Campo Mourão, mantém os bolsos furados e passa as noites na Casa de Passagem.
Abel contou a sua história deitado numa das calçadas da Casa de Passagem. Sobre a grama, aguardava o relógio bater as 17h. Era o momento de adentrar ao local. Uma garoa fina caía. Mas ele não estava preocupado. Aliás, com nada. Não carregava uma mochila sequer.
Abel é um sujeito extremamente interessante. Prestes a completar 50, não para de sorrir. Mesmo a situação em que se encontra é motivo de risos, a ele. A bem da verdade, trata-se de uma pessoa otimista. Não há tempo para chorar. Muito menos, lamentar. Ele sabe que os caminhos percorridos são fruto das próprias escolhas.
Abel nasceu em Santa Maria do Oeste, no Paraná, em 1973. Lá, os pais já eram donos de um sítio de cinco alqueires. Arteiro, o menino abandonou os estudos muito cedo. Fez até o segundo ano do fundamental. E, por este motivo, não sabe ler nem escrever. Ainda aos 16, ao lado da família, já iniciava a labuta na lavoura. Cresceu assim. Nunca mais parou.
Por volta de 2002, preocupados com o futuro dos quatro filhos, os pais gastaram as economias para comprar um novo lote de terras, agora, em Guarapuava. Uma propriedade rural de quatro alqueires. Lá, os irmãos se uniram ao entorno de um só objetivo: ganhar a vida. A atividade escolhida foi a plantação de hortaliças.
Com o tempo, aprenderam a desenvolver diversas variedades. E elas, passaram a ser vendidas na cidade, principalmente, a supermercados. A grana que entrava também passou a melhorar a vida de cada um. No caso de Abel, construiu a própria casa, dentro do sítio, assim como adquiriu um carro e uma moto.
Em 2006, numa viagem com os pais até Clevelândia, sul do Paraná, Abel conheceu uma moça por quem começou a se apaixonar. Tantas foram as idas até a cidade que, na última delas, soube que a moça estava grávida. “Daí eu a levei para minha casa, em Guarapuava. Nos casamos e tivemos dois filhos”, disse.
A convivência com a companheira durou até 2015, quando decidiram se separar. “Os levei até Clevelândia, onde os pais dela moravam. Comprei uma casa e deixei os três lá. Faz tempo que não vejo meus filhos”, revelou. Abel conta que permaneceu sozinho na propriedade, em Guarapuava, trabalhando. Mas em abril de 2022, uma séria desavença com os irmãos fez com que deixasse tudo. “Para não brigar seriamente com eles, preferi sair. Hoje estou em Campo Mourão. Um dia após o outro”, disse.
Meses após a separação e, antes de sair ao “mundão”, Abel recebeu o convite para conhecer o inferno. Mesmo não aceitando, o conheceu. Sem pagar a pensão dos filhos, foi levado a uma das celas da cadeia de Guarapuava. Permaneceu 35 dias. E ele não se esquece de cada momento ali vivenciado. “Ali é onde o filho chora e a mãe não vê. Vi cenas terríveis. Vi estupradores pagando pelo que fizeram. Não há o que fazer. É o inferno mesmo”, revelou.
Campo Mourão
Na cidade, Abel chegou há oito meses. Saiu de casa com R$ 250. Como não conhecia ninguém, adotou as ruas. Ao pedir comida em uma casa, uma mulher se sensibilizou. E estendeu a mão. Não só forneceu o alimento, como se propôs a ajudá-lo. “Ela me indicou uma obra para trabalhar. Consegui o emprego como servente no mesmo dia”, disse.
Agora, trabalhando na construção civil, o dinheiro foi o suficiente para sair da rua. Alugou uma quitinete e, quando viu, já tinha até uma companheira. Juntos, os dois passaram a morar sob o mesmo teto. E tudo ia bem. Até aparecer uma terceira pessoa. “Minha companheira ficou muito enciumada. Achou que eu tinha um caso com a outra. Decidi deixar tudo, mais uma vez, para não entrar numa grande confusão”, explicou ele, rindo. Desta vez, Abel deixou vários pertences. Incluindo, as próprias roupas. Tudo para evitar uma grande quizumba.