O sopro divino na vida de Alcides Mantuan

Dezembro de 1989. Dias antes da era Collor começar, o empresário Alcides Mantuan teve uma espécie de “sopro divino”. Sem saber dos planos “diabólicos” do futuro governo em confiscar a grana da população, ele decidiu sacar todo o seu dinheiro de um banco em Campo Mourão. “Cheguei lá e falei pro gerente me dar tudo. Ele não queria tirar. Me deu um chá de cadeira. Mas permaneci na agência até os funcionários saírem. Foi então que sacou tudo e colocou num envelope”, lembra. E, enquanto os brasileiros penavam por falta de Cruzados Novos, seus próprios Cruzados Novos, ele começava a construção do prédio em que mora até hoje. Não fosse a sua persistência, possivelmente, o dinheiro nem existiria mais.

O “sopro divino” em questão, sempre direcionou a vida de seo Alcides. Fora alguns tombos, – calotes – foi quase sempre assim. E, aos 82 anos, ele acaba de encerrar as atividades de sua empresa, a Ilacoman Indústria de Lajes e Concretos. No frigir dos ovos, cansou. Foram 57 anos à frente de um negócio inédito na cidade, pelo menos até 64, em plena ditadura militar, quando chegou a Campo Mourão.

Nascido em Pirapozinho, interior de São Paulo, veio com a mãe, os irmãos e tios ao Paraná. Em 1958 se fixaram em Terra Boa. E foi ali onde a jornada com concreto teve início. Lá, foi contratado por um ex patrão – Zico. Pela honestidade e responsabilidade, passou a ser o braço direito do homem. E tudo ia bem. Até Zico perder o empreendimento numa aposta política. “Ele me disse pra eu ficar tranquilo. Ia procurar uma nova empresa e comprá-la. E eu seria o seu sócio”, lembrou. A promessa foi cumprida.

Honrando as calças que vestia, Zico pediu a Alcides que buscasse uma empresa parecida. Então, numa viagem até Engenheiro Beltrão, a encontrou. Passado algum tempo, o ex patrão a adquiriu. Agora, não era mais patrão, nem ex patrão. Ele honrou sua promessa e passou a chamar Alcides de sócio. Naquela época, os homens tinham palavra.

Buscando uma cidade para ganhar dinheiro, Alcides e Zico encontraram em Campo Mourão uma possibilidade para trazer a empresa. E, numa boa conversa ao pé do ouvido, com o então prefeito Milton Luis Pereira, deram um tiro certeiro. “Me lembro do prefeito ter falado: venha. Monte aqui. Vou começar a fazer o asfalto do centro da cidade. Vamos precisar de artefatos em concreto”. E não deu outra. Passados alguns dias, a Ilacoman já estava no poeirão vermelho da cidade.

No começo, 1964, ela foi sediada na avenida Goioerê, num antigo barracão de Geraldo Bronzel. Anos depois passou à rua Pitanga, quase esquina com a Capitão Índio Bandeira, já num terreno próprio. A sociedade com Zico durou até 1970. Ano em que decidiu vender sua parte à Alcides. Mais uma vez, o tal do “sopro divino” apareceu, fazendo com que acreditasse na empresa. Acertou de novo. Na década de 80, mais precisamente na gestão Sarney, a empresa alavancou o pico de sua produção. “Nunca ganhei tanto dinheiro. Era construção pra todo lado”.

O juiz gente boa

Ainda em 1964, procurando um lugar para morar, Alcides se deparou com um vizinho. Ele tinha um imóvel, mas não conseguia o alugar. É que, dois anos antes, alugou a um sujeito – que nunca o pagou -, e ainda, trancou o imóvel e desapareceu, mesmo com seus pertences lá. “Ele me falou: se o juiz tirar o cadeado você pode morar ali e, sem pagar o aluguel. Pelo tempo que você precisar”. Mesmo com uma proposta encantadora, Alcides não sabia como falar com o juiz.

Mas acontece que as coisas sempre aconteceram de modos e formas misteriosas na sua vida. Dias depois da conversa com o vizinho, Alcides passou a pé ao lado do fórum de Campo Mourão. Lá, acontecia um júri popular. Ouvindo o debate ao longe, decidiu adentrar e presenciar o júri. Um homem era julgado por ter matado outro homem. Mas foi absolvido. Na época, os jurados entenderam que além de ser traído no casamento, agiu em legítima defesa.

“Nunca vou esquecer das palavras daquele juiz: Você está livre. Saia pela porta da frente. Trabalhe, tenha uma vida direita e cuide de sua família”. Vendo que o magistrado era um sujeito simples, como ele mesmo, decidiu conversar sobre a casa do vizinho. “Falei com um dos policiais que precisava falar com o juiz. Expliquei o caso. Ele pediu para esperar até a sala esvaziar. Depois, me levou até ele e anunciou o meu assunto. E o juiz disse ao policial: Ué, você não tem um 44 na cintura? Vá lá e atire no cadeado. Deixe o homem adentrar à casa”. Missão dada é missão cumprida. O policial levou Alcides até o imóvel e, sem utilizar a arma, arrancou o cadeado. Na casa, morou por dois anos, sem pagar aluguel.

Alcides

Prezando pela qualidade, prazos de entrega e, principalmente, pelo profissionalismo, seo Alcides sempre foi muito requisitado. Foi o primeiro a chegar com a ideia em concreto. Aos que o conhecem o destacam pela honestidade. E foi com ela que criou oito filhos, fruto de dois casamentos. Como o tempo, ele também não parou. E já está no terceiro matrimônio. O nono filho veio há 17 anos. “Eu tinha nove consórcios. Agora só tenho um”, brinca ele.

Sorridente, Alcides é uma máquina de positividade. Não existe tempo ruim. Uma de suas virtudes, certamente, está no fato de fugir de confusões. “Eu não discuto com ninguém. Fujo disso. Sempre soube entender o direito de cada um. E, se soubermos respeitar os direitos, não há conflito”, diz. Certa vez, um engenheiro solicitou a produção de uma laje. Alcides o questionou. Disse que o certo era a fazer maior, com mais aço. O camarada teimou que aquela medida daria. “Preferi não fazer. O prédio estava todo perfeito. Não poderia terminar com uma porcaria de trabalho. Pedi a ele que buscasse outro profissional”, disse.

Hoje

A empresa, que já teve até quatro funcionários, vinha trabalhando nos dois últimos anos apenas com Alcides e um de seus filhos. Mas com a idade avançada, um marca passo no peito, e novas tecnologias empregadas no ramo, ele decidiu que era hora de parar. Então, colocou tudo à venda e hasteou a bandeira da aposentadoria. É o momento de descansar. Buscar novos oceanos. Novas brisas. Um novo alento. E ele está contente com a decisão.

Agora, a nova rotina consiste em se reinventar. Uma delas está num terreno comprado recentemente. Lá, ao invés dos seus concretos, o que se vê são hortaliças, mandioca, frutas. “Eu e minha esposa decidimos fazer uma grande horta. E é ali que nos realizamos”, revela. A ida até o local é diária e, porque não, deliciosa. Quando retorna à casa, a busca é tentar vender os equipamentos da antiga empresa e, quem sabe, o velho e companheiro caminhão Ford 1971. “Tudo está à venda. Quem quiser adquirir os equipamentos é só me ligar”, explica Mantuan.

Alcides vem de uma família extremamente simples. Os pais, Olivio e Rosa Maria, eram lavradores no interior de São Paulo. O pai morreu quando o menino Alcides tinha apenas três anos. Depois disso, rumaram ao interior do Paraná. Há nove anos, quando tinha 98, a mãe morreu em Campo Mourão. “Ela sempre esteve ao meu lado”. Aos 82, Alcides acredita em Deus. Muito? O suficiente, diz. Hoje, certo de todos os propósitos da vida, ele mantém a família unida. Uma espécie de firmamento ao coração. Fez tudo o que podia para criar os filhos. Viveu e trabalhou honestamente e, possivelmente, por estas razões, continua a sorrir. “Ninguém vive bem se não vive de modo correto”.