Pesquisadora sobre raça diz que novo feriado nacional é mais um ‘aquecimento’ para avanços

Para alguns, o novo feriado nacional instituído pela Lei nº 14.759, de 21 de dezembro de 2023, no próximo dia 20 de novembro (Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra), pode significar apenas mais um dia de descanso do trabalho. No entanto, sobretudo para a população negra brasileira, essa medida representa mais um avanço na tentativa de reparação mínima de séculos de exploração vivida no país por seus antepassados. Esse é o posicionamento, por exemplo, da psicóloga clínica Sirlene Souza, de Campo Mourão. “O feriado é o aquecimento, bem como as cotas, mas temos muito que avançar e lutar”, disse.

A profissional – mulher negra, periférica, docente, palestrante e ativista – considera que a oficialização do feriado promove um espaço de reflexão sobre as contribuições dos povos africanos para a formação do Brasil, além de trazer visibilidade às lutas históricas e contemporâneas contra o racismo estrutural. “Ao considerarmos o vinte de novembro como feriado, estimulamos o diálogo e a conscientização sobre a desigualdade racial, bem como incentivamos ações de inclusão e de reparação histórica”, afirmou.

O que ela argumenta é que essa medida, de forma isolada, não é suficiente. Para ela, a luta não deve ser apenas do povo negro, mas da população branca também, sendo necessário engajá-la, segundo Sirlene, para o país como um todo avançar na luta antirracista. “Reforço aqui meu posicionamento de chamar todas as pessoas brasileiras para lutar arduamente, na tentativa mínima de reparação”, convocou.

A profissional explicou que o racismo é um preconceito criado e mantido pelo sistema colonial para a manutenção de poder, apresentando um efeito antagônico. “De um lado, há quem explora e se sente superior (apoiando-se em teorias racistas que sustentam essa ideologia); de outro, os grupos não brancos, historicamente inferiorizados, que ainda hoje enfrentam essa dinâmica enquanto tentam ocupar espaços na educação, na política, na saúde e em outros lugares que promovam emancipação”, elucidou.

A psicóloga salientou, ainda, que, assim como a instituição do novo feriado nacional, outras mudanças positivas no Brasil também já foram realizadas no decorrer da história. Uma delas foi por meio da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio. Mas, novamente, a lei, por si só, não é o bastante. “Para além das cotas, precisamos pensar em políticas educacionais de permanência, fazer a Lei 10.639/03 ser efetiva”, anunciou.

Portanto, conforme Sirlene, é possível notar os avanços no país, embora estejam acontecendo ‘a passos lentos’. “Todas essas conquistas são frutos da luta antirracista do movimento negro”, destacou, ao reforçar à população que leia mais sobre a temática e saia da militância das redes sociais, tendo ações comprometidas com a mudança.

Instituição da lei

A Lei nº 14.759, que decreta feriado nacional o dia 20 de novembro, em alusão ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, foi instituída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 21 de dezembro de 2023. A data faz referência à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares (comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas no Brasil Colonial), que lutou, portanto, contra a escravização negra no Brasil.

Conforme histórico publicado no Portal do Ministério da Cultura, Zumbi morreu em combate em 20 de novembro de 1995 e teve a cabeça degolada, sendo exposta publicamente em Recife, por ordem do então governador de Pernambuco, para servir de exemplo aos escravizados. Por razão da morte do ícone da resistência negra à escravidão, a data passou a ser lembrada e comemorada oficialmente no Brasil como o Dia da Consciência Negra por meio da Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011.

Anteriormente à lei que define o dia como feriado em todo o território nacional, seis estados brasileiros já tinham a data como feriado, sendo Mato Grosso, Rio de Janeiro, Alagoas, Amazonas, Amapá e São Paulo, assim como mais de 1,2 mil cidades, conforme a Agência Brasil, por meio de leis estaduais e municipais.

Sirlene

Sirlene Souza é psicóloga clínica especialista em Análise do Comportamento e Terapia de Aceitação e Compromisso. Além disso, é mestranda em Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), de Campo Mourão, e integra o Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas. Atua também como palestrante nacional nas temáticas de raça, gênero e classe. É professora em uma plataforma de ensino em Análise do Comportamento no Brasil e no Núcleo de Estudos em Psicologia Feminista. Também é criadora de conteúdo sobre saúde mental, empoderamento feminino e psicologia antirracista no Instagram @oipretas.