Santa Casa: dívidas, intervenção, ação milionária… Qual o destino do hospital?
Não é de hoje que a Santa Casa de Campo Mourão vive no centro das atenções. Há muitos anos o hospital vem sendo cercado por polêmicas. São vários os capítulos. Uma dívida milionária que já alcança R$ 60 milhões e parece não ter fim; a interrupção de serviços, como o fechamento temporário da maternidade em fevereiro deste ano, que resultou na transferência de recém-nascidos para outros hospitais; o risco de fechamento total do hospital, com um indicativo de interdição emitido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) em janeiro; uma ação milionária vencida na justiça, cujo pagamento ainda enfrenta entraves burocráticos; e, mais recentemente, a intervenção municipal, que afastou a diretoria eleita em julho de 2023, incluindo a então presidente Mariceli Bronoski e os demais membros eleitos.
Todo este enredo vem causando apreensão em quem mais precisa do hospital: a população, que vem sentindo diariamente na pele a falta de um serviço de Saúde de excelência. O atendimento, aliás, está longe do ideal. E não é de hoje. O problema vem se arrastando ao longo dos anos em meio às incertezas da Santa Casa. Mas afinal, qual será o destino do hospital? A Santa Casa tem jeito? É possível que caminhe sem capengar? Depende de quê? O que falta? São perguntas difíceis de serem respondidas, de bate e pronto. No entanto, há luz no fim do túnel. É o que acredita convictamente o advogado e ex-vereador de Campo Mourão, Luiz Alfredo da Cunha Bernardo. “A Santa Casa está bem. Precisa apenas que as pessoas passem a respeitá-la como um hospital filantrópico e não fazer seu cabide de emprego”, disse.
Bernardo conhece bem a saga do hospital. Inclusive já acompanhou lá de dentro um dos capítulos mais dramáticos. Foi em 2013, quando a Santa Casa corria iminente risco de fechamento. Na época, Regina Dubay era a prefeita da cidade. Após uma reunião no gabinete da gestora com o então secretário de Estado da Saúde, Michele Caputo, foi definida a criação de uma Comissão de Controle de Gestão dentro do hospital, a qual era coordenada pelo advogado. Todo dinheiro que entrava tinha saída acompanhada pela comissão. Foram oito meses de trabalho. Naquele momento poderia ter havido igualmente ato de intervenção, mas, como hoje, o então vereador asseverava que essa conta o tesouro municipal não pode pagar e ser responsável sozinho porque, segundo ele, intervenção tem apoio verbal de ‘muitos’. “São despesas altas com salário de interventor, para quem não paga médicos sequer; rescisões de contrato, alinhamento de despesas, reformas da edificação civil, compra de equipamentos, manutenção dos equipamentos, abertura de salas de cirurgias, entre outros”, apontou.
Bernardo disse que chegou na Santa Casa no dia 31 de dezembro de 2013 com R$ 500 de superávit. Ou seja, do dinheiro que entrou e da despesa que gerou sobraram R$ 500. E ficaram R$ 5 milhões de dívidas naquele ano. “Passou esse período devolvemos a gestão plena da entidade. Tive muita dificuldade. Muita situação chata, principalmente com alguns médicos que atendiam na AIH (Autorização de Internamento Hospitalar) nas despesas, mas na receita queria particular. Então a gente fazia este controle. Não foi um ano fácil”, lembrou o advogado à TRIBUNA. Segundo ele, não passaram quatro meses ‘voltou toda a ‘safadeza política’. Tanto é que em 2013 a Santa Casa devia R$ 5 milhões e em 2023 já estava devendo R$ 60 milhões.
Para Bernardo a Santa Casa tem jeito sim. Mas ele alerta que o hospital ‘não sobrevive com esse esmagamento de interesse econômico entre ela’. “E eu não falo só de político não. Tem médicos que estão lá lucrando em detrimento dela. Isso eu posso falar porque eu provo. Tem muita gente que se aproveita da Santa Casa”, denunciou.
Ação milionária
O ex-vereador centrou na entrevista à TRIBUNA, as duas últimas polêmicas envolvendo o hospital, que são uma ação de R$ 300 milhões, já vencida, e a intervenção, condenada por ele. Sobre a ação, Bernardo disse que já havia se manifestado publicamente em 2023 na Câmara Municipal, na sede do Núcleo da Secretaria de Estado da Saúde e na Ciscomcam, dizendo que seria uma questão de tempo de burocracia processual para isso virar uma ‘cesta de números’, se referindo aos altos valores.
Ele explicou que os processos judiciais nesta fase contra a União tem investidores no mercado financeiro que podem comprá-lo. “Na ocasião, defendi em setembro e outubro daquele ano que se a gente pegasse a possibilidade deste recurso certo e vendêssemos no mercado financeiro, ao menos R$ 20 milhões desses R$ 300 milhões a Santa Casa sobreviveria mais um ano sem ficar capengando. Mas fui motivo de gozação. O prefeito falou na época que isso era conversa fiada e disse que essa ação não valia nem R$ 18 milhões e que levaria 30 anos para ser paga. Eu mantive a minha posição. Quando eu saí da Câmara Municipal, começaram a dizer nas redes que estava roubando, que estava desviando. Ora, isso é uma operação séria que quem compra não gosta de comprar confusão. Ele gosta de comprar só o dinheiro. Automaticamente passou a ser impossível vender antecipadamente o crédito por percentuais justos e de mercado. Se a intenção era conseguir deixar a entidade sem o dinheiro, e em condições de criar condições de intervenção no papel” conseguiram, lamentou.
Bernardo disse que mesmo após a Santa Casa mostrar documentalmente que o valor de R$ 300 milhões a receber, após levantamento de calculista contratado pelo hospital (ele que foi responsável por trazer esses técnicos para a entidade), ‘a administração municipal não teve seriedade para tocar o negócio’ – vender as ações – tornando a negociação das vendas impossível. Após isso veio a intervenção em fevereiro deste ano. “Quando foi agora em maio e setembro de 2024, os advogados que deram início na ação e têm direito aos honorários sucumbenciais [eles têm R$ 30 milhões – 10% da condenação total – para receber], resolveram negociar R$ 1.663.044,00, e lhe foi pago à vista em setembro de 2024, R$ 1.029.005,00. Dos honorários contratados – 10% do ganho – negociaram a quantia de R$ 6.873.000,00, recebendo à vista em maio de 2024, R$ 4.340.000,00 (as Sociedades de Advogadas têm sede na cidade Maringá e Londrina). Ambas as operações receberam mais de 50% do valor do crédito. Se a Santa Casa tivesse feito a mesma negociação de R$ 80 milhões proporcionalmente, ela teria, por exemplo, R$ 40 milhões para receber”, exemplifica Bernardo. Ele continuou: “Naquela época eu propus o seguinte: a gente vende R$ 20 milhões, sobrevive um ano, negocia mais R$ 15 ou R$ 20 milhões e sobrevive mais um ano, paga contas e alinha outras. Este valor de R$ 20 milhões é muito mais do que a prefeitura colocou na intervenção de recursos livres do caixa dela. Mas é muito menos do que a prefeitura está devendo com a intervenção de recursos livres do tesouro municipal”. Com isso, Bernardo faz um alerta aos administradores que assumirão o município: “Se trilharem o mesmo caminho da iniquidade, se trilharem o mesmo caminho da campanha política, a Santa Casa vai continuar no limbo. A entidade tem dinheiro, tem recurso, o que ela não tem é gente com vontade de tocar ela. É todo mundo querendo tirar voto. É todo mundo querendo ser eleito com ela. É deputado, é vereador e é prefeito”, criticou.
Intervenção é ‘maléfica’ à Santa Casa, diz Advogado
O advogado Luiz Alfredo da Cunha Bernardo é enfático ao afirmar que a intervenção pela administração municipal está sendo ‘maléfica’ à Santa Casa, embora balanço apresentado pela Comissão Interventora na última sexta-feira (8), aponte o oposto. Ele afirmou que a intervenção é ato lesivo ao erário porque o coloca responsável por contas que não são devidas por ele, e ‘nunca seriam’. “A Santa Casa pode ser bem gestada, mas não será pelo interventor atual e não será pelo interventor futuro. Até porque a própria intervenção não vai permitir que ele receba este dinheiro antecipadamente. A intervenção não permite e a atual diretoria não permite. Então ficam em uma ‘briga de rua’, uma briga de pessoas sem consciência social e a entidade superavitária. E a população fica lá à deriva”, argumentou, ao reiterar que pode provar que a intervenção ‘está muito mais maléfica ao hospital em relação ao período que tinha a presidente Maristela ou outros gestores’.
Convicto de que a intervenção não ‘ajuda em nada’ a Santa Casa, Bernardo ingressou com uma ação popular na justiça para garantir que os prejuízos do tesouro municipal seja pago pelos autores da intervenção. “O interventor não consegue prestar contas de um mês de quem contratam, como gastaram o dinheiro e não tem previsão orçamentária”, afirmou. Na opinião do advogado, a Santa Casa está virando um ‘monstro incontrolável’ para o tesouro municipal, e com caixa superavitário não realizado por picuinhas pessoais.
Ainda conforme Bernardo, a intervenção foi de forma incorreta pela prefeitura, uma vez que a quantidade de recursos colocados na Santa Casa não corresponde aos valores que deveriam ser repassados, gerando passivo, quer pelo uso de bens e serviços ou porque faz contas e não as paga no prazo ajustado ou de dever legal. “A decisão que poderia ser séria e correta virou um ato político. Foi mais para manter emprego e controle sobre internamento já que é o único hospital com maternidade da cidade. A intervenção ocorreu porque a diretoria afastada falou que o prefeito de Campo Mourão mentia dizendo que colocava dinheiro na Santa Casa, mas não colocava. E tinham medo que isso pudesse ser usado na época de campanha eleitoral. Aconteceu por causa disso. É fato público e notório”, sustentou.
Também conforme Bernardo, para a Santa Casa receber esse dinheiro da ação, a intervenção tem que acabar e o hospital eleger uma diretoria que não seja subalterna e subserviente do poder público. Ou seja, o hospital tem que ter vida própria já que é um prestador de serviço. “Ele tem que passar por um processo de revisão de gestão. Lá tem muita gente [empregados]. Tem que ter um processo revisional, tem a questão de suas estruturas físicas que estão deploráveis, condições da construção civil, entre outros detalhes”, explicou.
Entenda a ação movida pelo hospital para receber indenização
A ação movida pelo hospital partiu de uma tese que vem correndo muitas instituições hospitalares do país. E consiste em recuperar uma grande defasagem cometida por erros contínuos do governo federal. No frigir dos ovos, nada mais que uma indenização. Em se tratando de um hospital filantrópico, mas também privado, a instituição deveria receber não apenas pela tabela SUS. Mas sim por um índice conhecido até abril de 2011 como Tunep. A partir de 2011 a Tunep foi extinta, recebendo a partir daí, o nome IVR.
Todos os procedimentos hospitalares foram pagos de forma errada. O hospital deveria ter recebido a mais. Os cálculos para corrigir a defasagem abrangem o ano de 2017 até 2023. Chegando à casa dos R$300 milhões. “Só fazer cumprir essas determinações que se terá aumento de receita. Aumentar – como alega o interventor que o fez em 30% – os atendimentos SUS com valores pagos hoje, apenas aumenta o déficit mensal. E este nunca foi baixado. Esta maquiado apenas”, falou Bernardo.
Hoje, a Santa Casa de Campo Mourão mantém um saldo negativo de R$ 60 milhões, em dívidas. O hospital também acumula parcelas de negociação de tributos atrasados, que chegavam a quase R$ 600 mil. E outros R$ 200 mil em atrasos à prestação de serviços da lavanderia. Bernardo explicou que a própria intervenção está penhorando os créditos da ação Tunep em Brasília para suspender os bloqueios judiciais de penhora. “Se pode penhorar, pode vender e antecipar recursos”, comparou.
A ação foi julgada pelo TRF-1 de Brasília. Em 15 de maio de 2023 transitou em julgada. Desde então, a instituição vem analisando todas as possibilidades para contar com o dinheiro. A diretoria afastada vinha conversando com alguns fundos de crédito. Porém, com o seu desligamento, as negociações foram encerradas. “Há solução. Mas a solução está, ainda, sepulcrada pela prepotência. Vim a público trazer esses dados porque não é por mim compreensível que tão poucos possam fazer mal a tantos, tantas vezes. E, principalmente, comprovar que sempre informei a todos a verdade fática”, acrescentou o advogado.
Resultados da intervenção são positivos, diz interventor
Por outro lado, na sexta-feira (8), o interventor da Santa Casa, Sérgio Henrique dos Santos, apresentou um balanço da intervenção na Câmara Municipal. A medida teve início em fevereiro deste ano. Santos afirmou que os resultados são positivos. Nestes oito meses de intervenção, ele disse que houve aumento do atendimento na UTI Neo e Adulta e o crescimento do faturamento SUS em 30%.
Ainda segundo o interventor, no período houve a redução de um déficit de mais de R$ 1 milhão. “Isso demonstra que o hospital tem jeito e que enfrentava mesmo um problema de gestão”, avaliou. Os dados apresentados apontam aumento no número de cirurgias, além do número de consultas e exames que passaram de 3.500 para 6.500 em nove meses. “O cenário ainda não é ideal, temos vários problemas internos, mas a equipe está comprometida para deixar o hospital em condições de atendimento conforme nossa população merece”, reconheceu.
Entre as várias situações consideradas alarmantes encontradas pela comissão interventora, Santos citou contas pagas que constavam como pendentes. “Isso é um erro gritante de gestão. Constatamos meio milhão de reais que constavam como dívida, que na verdade já estava paga. E esses números podem ser ainda maiores, porque o levantamento não terminou. Isso não pode ser admitido que aconteça novamente”, disse.