Santa Casa ilustra dia a dia do Covid-19 em Campo Mourão

Pessoas inseguras. Medo. Angústia. Histeria. Há pouco mais de 30 dias, a vida já não é mais a mesma. Mas no caso de uma contaminação pelo Covid-19, a quem recorrer? O que fazer? As respostas remetem a apenas um local: hospital. Remetem a somente determinados profissionais: os caras da saúde. Respostas simples. Todos sabem. Mas, o que vem acontecendo no interior destas unidades, ainda é desconhecido. A população não tem ideia.

Hoje, médicos, enfermeiros, técnicos, e todas as demais profissões, que mantém um centro hospitalar, estão abalados psicologicamente. Lutam diariamente contra a morte. São humanos. Podem ser infectados. Têm um turbilhão de emoções. A todo instante. E eles precisam de apoio. Ainda mais atuando em unidades de saúde com recursos a conta d´água. Num clichê popular, mas verdadeiro, operando milagres.       

Santa Casa de Misericórdia de Campo Mourão. Dia 23 de abril de 2020. A pneumologista Bianca Pasquini Galinari não pode falar com a reportagem. Estava ocupada na UTI Covid. Ela entrou na ala dia 30 de março. Não saiu mais. Dorme em uma cama do hospital. Deixou os pais. A casa. Vive o dia a dia de uma cena surreal. Uma doença misteriosa. Um mal que paralisou o mundo. Um contexto cheio de realidade e nenhuma mentira. Não há tempo para lamentações. Ela está na linha de frente. O que vem passando? Quem se importa? Suas angústias são sentidas apenas por ela mesma. Num canto do pequeno banheiro onde utiliza. Todos os dias. Sem ninguém ver ou escutar.  

Responsável Técnica da UTI da Santa Casa, a médica intensivista Adriana Abrão, relata que hoje, são praticamente dois hospitais. Dentro de um só. Um pra Covid. Outro para casos diversos. No início de março, com a pandemia a caminho de Campo Mourão, a entidade iniciou um grande planejamento. Ainda era uma novidade. Um desafio. Como lidar com o tal Covid? Não existiam protocolos. Não havia diagnóstico. Cura, remédios? Sem chance. A exemplo do planeta, ninguém sabia o que era a doença. 

O Dia “D”

Dias depois, já com o planejamento em prática, surge o primeiro caso da professora. Ela adquiriu o vírus fora da cidade. Mas aquele 19 de março foi o dia D. A doença chegou rápido demais. Organizaram, de fato, uma UTI Covid em menos de duas horas. O mal havia chegado. Fecharam o centro cirúrgico. Mesmo assim, um corpo clínico já estava formado. Eram 30 médicos e quase 20 outros profissionais. De uma forma ética e responsável, o hospital deu o suporte necessário. Hoje, a paciente está curada. A correria daquele dia fez com que a equipe se unisse em torno da causa. Pensaram: ou o vírus, ou nossos pacientes.   

“Hoje temos dois profissionais de plantão. E um responsável apenas pela intubação dos pacientes. Onde o risco de contaminação é maior”, explica Adriana. Fora isso, a UTI conta com médicos urologistas, cirurgiões, nefrologistas, pneumologistas, infectologistas, anestesistas, oncologistas e cardiologistas. Todos com experiência em UTI. A médica ligou, ela mesma, a cada um dos profissionais. Fez sua equipe e contou com uma adesão de 90%. Passados mais de um mês da primeira internação, nenhum membro foi contaminado. “Isso é prova que a nossa UTI funciona”, diz Renato Schmitz Gibim, médico Diretor Técnico da Santa Casa. 

O dia a dia dentro do hospital não é fácil. A ninguém. Pacientes correm riscos. Familiares sofrem distantes. Médicos ainda aprendem a lidar com a doença. Além disso, cada caso é discutido. Emoções humanas tornam-se acaloradas. Afinal, o objetivo é um só: salvar vidas. Adriana explica que sua equipe está apta a lidar com o corona. Ela não descansa. Trabalha na UTI durante o dia. De noite estuda. São calhamaços de papéis que ela mesma foi rascunhando. Acabou desenvolvendo seu próprio dossiê. O protocolo “Abrão”. Nele constam análises clínicas, exames, diagnósticos, estatísticas. E ela não para. Estuda também diversos protocolos vindos de países como Itália e Estados Unidos. Tudo para não perder a guerra contra o vírus. “Sabemos muito sobre o Covid. Ele deixou de ser um inimigo oculto”, revela. 

Hoje

Atualmente, a Santa Casa está com seu sistema de atendimento estabilizado. São 15 leitos para o vírus. Sendo 10 para o SUS. E os casos graves pararam de chegar. Não existe uma explicação. Possivelmente, segundo Adriana, pelo isolamento social. “As pessoas viram que o vírus pode matar. A quarentena certamente colaborou para a diminuição de internamentos”, disse. Mas, o planejamento não pode parar. De acordo com ela, recursos amplamente divulgados ainda não chegaram ao hospital. 

Dinheiro mesmo, por enquanto, apenas dos municípios da Comcam. Fora isso uma imensa colaboração da comunidade. Pessoas. Gente que se preocupa com gente. Máscaras. Luvas. Aventais. Respiradores. Comida. Materiais de higiene. Tudo doação. Como na construção do hospital. O tempo não só parou. Parece ter voltado à década de 80. Informações também indicam que três grandes empresas de Campo Mourão doaram R$100 mil cada. O dinheiro será utilizado na ampliação da UTI Covid. 

Renato garante que todos os protocolos do Covid estão sendo praticados no hospital. Exemplo disso é o que ocorre com a própria companheira de trabalho, Adriana. Com roupas adequadas ao Covid, parecendo até uma astronauta, antes de deixar a ala, troca de roupa. Mais. Toma banho. Lava os cabelos. São três a quatro banhos por dia. Parte de seu pescoço está machucado em virtude de máscaras. O rosto também apresenta marcas da esfregação sem fim. Mas o que é um tormento a ela, significa saúde aos demais profissionais. Tudo em nome dos tais protocolos. Além disso, não é raro observar funcionários limpando e desinfectando corredores a todo momento. O dinheiro é pouco. Mas a vontade, muita. 

Sofrimento

Pacientes do Covid sofrem. E muito. Quando entubados, ficam numa espécie de coma induzido. Mas continuam sendo bem cuidados. Técnicos em enfermagem são os anjos da vez. Higienizam as camas e os doentes. “O papel destes profissionais é tão importante quanto ao nosso, de médico. Eles atuam de modo silencioso. Sem ninguém saber ou ver. Mas pelo que fazem nesse momento, têm que ser lembrados para sempre”, afirma Renato. 

Para minimizar o drama dos infectados na UTI, o hospital humanizou o atendimento. Diariamente, os médicos e enfermeiros colocam áudios de celular em seus ouvidos. São mensagens positivas da família. Fora isso, em frente as suas camas, fotos de parentes na parede. E ao contrário de uma UTI convencional, médicos fazem três visitas diárias aos pacientes. Manhã. Tarde. Noite. Não bastasse isso, ajuda psicológica foi disponibilizada às famílias e profissionais da Santa Casa. 

Parece cômico, não fosse trágico. Mas até mesmo uma “equipe da morte” teve que ser estruturada na unidade. Para combater as redes sociais – que continuam matando infectados do Covid – o hospital se adequou para manter informações sobre óbitos. Uma espécie de assessoria de comunicação fúnebre. O hospital, mantendo sua ética, faz a coisa certa. Mas a população se encarrega de apressar as notícias ruins. Às vezes, antes mesmo da família saber. Não é exagero dizer que as redes sociais mataram mais que os óbitos ali registrados.  

Até ontem, a Santa Casa contabilizava seis mortes por Covid. Mas o que a população desconhece são as 37 tratadas e livres do vírus. Na UTI e na enfermaria. Batalhas vitoriosas infinitamente maiores que os óbitos. “Temos condições de tratar a doença como em qualquer outro centro do país. Aprendemos a lidar com o vírus. Temos uma equipe pronta e treinada. E seguindo todos os protocolos de saúde do país”, afirma Adriana. Questionada sobre o cansaço da equipe, ela informou que isso faz parte da profissão. No entanto, o que mais precisa agora, é do apoio da população. E isso basta.