Um cidadão chamado Juvenal Pedroso
7 de dezembro de 2021. Centro de Campo Mourão, 22h. Após comer e pagar a conta, um cliente do Xaxixão Lanches caminha até o carro. Ele não sabia, mas estava sendo vigiado. Armado e encorajado a roubá-lo, um elemento o aguardou abrir a porta. Ao se sentar no banco, sentiu o cano da arma na cabeça. O bandido também não sabia. Acreditava em uma ação bem sucedida. Mas ele também estava sendo vigiado, desta vez, por Juvenal Pedroso, o dono da lanchonete.
Em posse do velho e companheiro 38, ao perceber o assalto, Juvenal agiu como um verdadeiro cidadão. Silenciosamente e, numa coragem para poucos, caminhou até a traseira do carro. Ainda abaixado, se certificou do crime. Então apontou o cano ao criminoso e exigiu que baixasse a arma. Ao invés de soltar o revólver, o sujeito o virou a Juvenal. Sem pestanejar, o empresário disparou, acertando seu rosto. Era o fim da tentativa “bem sucedida”. E ferido, o assaltante finalmente largou a arma. Todos vivos, sobrou ao bandido. Levado ao hospital pela polícia, saiu algemado dias depois, direto à cadeia.
“Não me arrependo do que fiz. Primeiro porque salvei o rapaz. E só disparei porque senão seria eu que estaria no hospital ou no cemitério”, disse Juvenal. Ele conta que há pelo menos 30 anos mantém a arma no estabelecimento. É registrada mediante ao porte legalmente conquistado. Juvenal é o que se chama por aí de “homem dentro da lei”. Um homem incapaz de assistir uma ação criminosa sem nada fazer.
Em Campo Mourão, certamente, não há uma só pessoa que não conheça Juvenal. Afinal, ele é o “botequeiro” mais antigo da cidade. Instalado na praça do fórum desde 74, começou a vender lanches ainda em 72, em frente a casa do Bispo. A chegada à praça aconteceu quando ainda trabalhava dentro de um trailer. Somente anos depois construiu a estrutura atual. E, de lanche em lanche, educou e formou todos os três filhos.
Juvenal é um sujeito sistemático. As coisas têm que ser do seu jeito. Não adianta. É a teimosia em pessoa. A esposa que o diga. E, trabalhando num segmento onde bêbados são inevitáveis, algumas situações saíram do controle. Era 1978, quando atendia a clientela já, na praça do fórum. Ali, um homem havia bebido mais que o próprio limite. Não prestou. Os dois se desentenderam feio, até o cliente decidir ir embora.
Passadas algumas horas, Juvenal é atingido em cheio no peito. Um disparo de 38. Caiu em meio a lanchonete. Correria geral. Muitos achavam que tivesse morrido. O gatilho era do irmão do cliente bêbado, horas antes. Ele tomou as dores fraternais e rumou obcecado em fazer justiça. Até fez, mas acabou preso. E, como uma espécie de corpo fechado, Juvenal se restabeleceu, inteiramente, dois dias após o atentado. “Tenho o projétil no meu peito até hoje. Ele não perfurou nenhum órgão”, disse. Como lição, Juvenal se armou. E nunca mais deixou a arma.
Mas como se evitar tretas da própria família? 1982. Juvenal trabalhava na correria de sempre. De um lado a chapa fervendo. De outro a venda das bebidas. E lá fora, a vasta clientela sentada nas cadeiras de latas. Quando percebeu, a cunhada segurava um revólver contra a sua cabeça. Perplexo com a situação e, sem ter o que fazer, a respiração parou. E viu a mulher disparar duas vezes. Mas, novamente, como uma espécie de corpo fechado, a arma negou fogo. No próximo segundo, voltou a respirar e, num ímpeto de raiva, arrancou o revólver daquelas mãos furiosas. Mas será Juvenal um imortal?
Juvenal nasceu em Janiópolis em 1953. Filho de pais agricultores – o pai Juvenal Pedroso da Silva e a mãe Palmíria Luiza de Oliveira -, também trabalhou no campo. Mas, já “homenzinho”, buscou na cidade o seu alento. Atuou nos Correios, no banco Sul América e, mais adiante, numa lanchonete junto a antiga rodoviária. E foi ali onde comprou o trailer que dedicaria sua vida terrena. Do casamento dos pais, Juvenal teve apenas uma irmã. No entanto, antes disso, o pai já havia tido outra relação, com quatro filhos. “Depois da minha mãe, meu pai teve outros seis filhos. Então, ao todo, eu tenho 11 irmãos”, disse.
Quase ninguém imagina, mas na adolescência, Juvenal tinha os cabelos cumpridos. Ia até o quadril. Época em que iniciava os primeiros “namoricos”. “Era um tempo que eu gostava de rock. Ouvia Raul Seixas, Elvis. Depois a Jovem Guarda”, lembrou, rindo. Ele se casou em 77, com Santina. Por certo, o nome é de santa. Conta ela que, quando o conheceu, no colégio, definitivamente, sentia aversão ao camarada. “Eu era muito de casa. Não gostava de sair. E ele, muito festeiro. Além de atrevido. Eu não gostava nenhum pouco dele”, lembrou. Por fim, o sujeito a ganhou no cansaço. E deu tudo certo.
Hoje, aos 68 anos, Juvenal diz que já trabalhou muito. Está cansado. Mas se mantém o mesmo, de sempre. Ali, atrás daquelas bancadas, continua com suas botas de peão, calças jeans surradas, cinto com direito à fivela, além da camisa social de mangas curtas, sempre. A tv se mantém ligada. E, quando o movimento cai, ele se dá ao direito de assisti-la. Se for filme de comédia, a eterna gargalhada continuará alcançando os vizinhos. Dias desses um cliente pediu que colocasse num jogo do Santos. “Não. Tô assistindo um filme”, ditou Juvenal, numa calma de dar raiva.
Após 50 anos na atividade, Juvenal viu muitas gerações aprontarem e, mais tarde, tomarem juízo.
“É gostoso ver a moçada que antes me dava trabalho casada, com filhos. A maior parte tomou juízo. É gratificante ver o crescimento deles”, disse. Ele ainda se lembra dos milhares de conselhos dados a muitos jovens. Por certo, alguns aceitaram. Enquanto outros, não. Por outro lado, o empresário também sente falta de velhos e bons amigos, que se foram. Um deles era o “lorde” Antônio Colli. “Ele passava aqui na frente, a pé, todos os dias. Na sua elegância, sempre falava comigo. Era uma pessoa sensacional”, disse. Ele também não se esquece de Dilmar Daleffe e Laurinho, da BR3. “São bons companheiros que se foram muito cedo. É triste saber que não os verei mais”, revelou.
Hoje, inevitavelmente, os filhos das gerações que ali apareciam, dão prosseguimento à clientela do Xaxixão. Acompanhados dos pais, ou não, visitam o amigo Juvenal por entender se tratar de uma tradição. Uma tradição de meio século. E quantos negócios duram 50 anos?
Juvenal atravessou todos os planos econômicos. Na era Collor, dormiu com grana e acordou com míseros R$50. Por último, enfrentou sem a ajuda de ninguém, o sofrimento da pandemia. Ele sabe que o país tem muito a melhorar. Mas, como teimoso que é, segue acreditando. “Nós temos jeito. Temos que acreditar. O voto é o primeiro passo”, diz.