Vanderley tatuou a liberdade no corpo. E salvou sua vida

Vanderley nasceu em 1980. Menino, cresceu no campo, ao lado dos pais e irmãos. Corria, jogava bola, nadava. Uma infância inocente, como tinha que ser. Já crescido, não temia desafios. Trabalhou, casou, teve filhos. Mas a separação com a esposa foi o ponto final. Deprimido, se entregou às drogas e, consequentemente, à loucura. Virou andarilho. Percorreu bem mais de mil quilômetros, a pé. Após oito anos como nômade, foi localizado pela família. De volta a Campo Mourão, decidiu recomeçar. Proclamou a própria redenção e parou com os tóxicos. Já são sete anos sóbrio, ajudando outros invisíveis, que não conseguiram deixar de ser um “Vanderley”.

Filho de pais radicados na zona rural, Vanderley nasceu em Roncador e foi educado ao bem. Moleque arteiro, teve uma infância recheada de prazeres. Todos, saudáveis. Talvez, tivesse um celular, não fosse assim. Mas sem a tecnologia de hoje, cresceu como gente. Mesmo morando no campo, frequentava a escola de Nova Cantú. Foi lá quando morou até ser “homenzinho”. Adulto, buscou emprego. Trabalhou em muitos ofícios. Anos depois, juntou os trapos com uma companheira. Teve dois filhos.

Vanderley confessa que sempre teve curiosidade às drogas. O gatilho para experimentar foi a separação da mulher. Aos 21 e deprimido, começou a beber. Fumou maconha e cigarro. Cheirou cocaína. Usou o crack. Conheceu o êxtase. Pronto. Com o roteiro iniciado, decidiu elogiar a própria loucura. Agora, como um verdadeiro “easy rider”, apanhou uma única mochila e traçou seu destino: a estrada.

Desejando apenas fugir dos próprios problemas, acabou em Santa Catarina. Em momentos de sobriedade, lembrava que também havia abandonado os filhos. Mas pra quem não se importava nem com a própria vida, que preocupação teria com outras? Para sustentar o vício, Vanderley arrumava bicos. E foi assim que trabalhou de tudo um pouco. Colheu maçãs, beterrabas, fumo. Trabalhou no ramo têxtil. Vendeu salgados e cebolas. Ajudou no corte de eucaliptos. A grana vinha suada. E também ia, mas fácil. Sempre às drogas. “Eu nunca roubei. Sabia que para sustentar o vício, eu tinha que trabalhar. E assim eu fazia”, disse.

Em Campo Mourão, antes de desaparecer, Vanderley trabalhou em boas empresas. Sempre foi, segundo ele, dedicado. Em Santa Catarina, na região da serra, passou a morar com outros camaradas. Todos como ele, sem rumo. Num casebre alugado, trabalhavam de dia, se enlouqueciam, de noite. Então, voltando do trampo, viu dois invisíveis na rua. Era final de tarde. Temperatura quase zero. “Fiquei com dó dos dois e os chamei para dormirem em casa naquela noite”, disse.

Vindos do Rio Grande do Sul, os dois sujeitos aceitaram o convite. E passaram a ficar na casa, por alguns dias. Mas a amizade terminou de forma trágica. Numa das frias noites, brigaram por cachaça. Um deles apanhou uma faca e quase arrancou a cabeça de Vanderley. “Tomei oito pontos no pescoço. Por menos de um centímetro a faca não cortou a artéria. Seria o meu fim”, lembrou. Ele também já tomou tiros. Numa casa de “moças de família”, arrumou confusão. Levou um tiro de espingarda. Um dos chumbos ainda repousa tranquilo, em sua face.

Nos oitos anos em situação de rua, Vanderley conta que viu de tudo. Morando sob a centenária ponte Hercílio Luz, de Florianópolis, conheceu um professor de inglês. Também deprimido, vivia escondido de si mesmo. “Ele era um homem culto. Dava aula na universidade. Mas caiu na desgraça das drogas. Virou um ninguém, como eu”, disse. Segundo ele, já passou dias com fome. Tímido, tinha vergonha em pedir. No entanto, se viu obrigado a implorar um prato de comida. Dias, semanas, meses, o transformaram em um sujeito bastante comunicativo. 

Em sua jornada secreta, Vanderley procurava não entrar nas cidades. Principalmente, para dormir. Então, na estrada, pernoitava em meio ao mato. Parece contraditório, mas os bichos remetiam menos medo, a humanos. Ele também demorava a tomar banhos. Conta que ficou mais de 20 dias sem isso. “Fazia minha higiene quando dava. Carregava uma pasta e escova dental. Além disso, algumas poucas roupas. Nada mais”, contou.

A vida tresloucada terminou em 2014. Foi quando decidiu ligar ao irmão, o pastor Adão Adriano, em Campo Mourão. Desejando recomeçar, implorou clemência. A família foi até Santa Catarina e o trouxe à cidade. “Ele estava mendigando pelas ruas. Já se encontrava em estado deplorável”, disse o irmão.

“Minha força de vontade decidiu falar mais alto. Desejei parar. E consegui”, revelou Vanderley. Para ele, uma força interior soou as sirenes. Era hora de acordar. “Eu comecei a ver pessoas conquistando seus objetivos. Enquanto eu, só regredia. Pensei comigo, quer saber, vou recomeçar”, disse. Mais tarde, descobriu que a alavanca de seu renascimento foi Deus, que havia traçado a sua redenção. Os dois estão juntos desde então.  

A volta à Campo Mourão também foi um acerto com o passado. Após se separar e entrar num universo paralelo, Vanderley fez coisas erradas. Se envolveu com traficantes. As consequências foram desastrosas. Mesmo na estrada, a ele já existiam mandados de prisão. Bastou pisar em solo mourãoense, para assumir a bronca. Então, se entregou. Ficou quase cinco anos em cana. Saiu em 2019, pela porta da frente. Agora, sem mais nada dever à justiça. Mesmo atrás das grades, não fez uso de drogas. E foi ali onde também, terminou o segundo grau. Hoje, dois anos após conquistar a liberdade, carrega tatuagens das celas. Principalmente, uma ave, livre, batendo as asas.  

Atualmente, com 41, ao lado do irmão, o pastor Adão, ele colabora com as atividades na Comunidade Salvando Vidas. Uma entidade cujo objetivo é resgatar vidas arrasadas pela droga. Lá, ele diz estar em plena felicidade. Através do que viveu, consegue entender o caos das vítimas do mundo do narcotráfico. São muitos “Vanderleys”. Mas ainda há tempo para a cura. De todos eles. A sua missão, começa agora.     

Serviço

Vanderley é pedreiro. E precisa de trabalho. (44) 99182- 8716.