Gilbertinho, o pregador do pensamento

Para os persistentes sonhadores desses tempos de guerras visíveis e invisíveis, semeadores

de utopias possíveis. A meu pai, Cícero (in memoriam) e minha mãe, Antônia, que vieram

do ‘norte’ em busca de uma nova vida, pelo exemplo de dignidade, com amor e carinho.

Aos meus irmãos e, em especial, ao companheiro e irmão Osmar Santana, um Dom

Quixote na luta pela vida e por um mundo justo, fraterno, igualitário e saudável”.

Dedicatória do autor do livro, Gilberto Santana de Alencar – Muito além da Bahia.

Antes de comentar o livro Muito Além da Bahia – Temas e figuras em Capitães da Areia, começo pelo autor, Gilberto Santana de Alencar, o Gilbertinho. Ele ainda era apenas a figura familiar da qual recebeu o apelido. Para quem o conhece ou veja ele pela primeira vez, deduzirá que é chamado assim devido a pequena estatura. Conheci os pais do Gilbertinho, seu Cícero e a dona Antônia lá no estabelecimento comercial na Vila Cândida. Assim como os irmãos, Gilbertinho foi educado pelo exemplo, trabalho honrado, honestidade do modo de agir dos pais.

Início dos anos 80, tempos do Golpe de 64, o regime militar cerceava a liberdade de expressão. A ditadura foi implacável com o movimento estudantil secundarista, inclusive veladamente em Campo Mourão. Gilbertinho e eu somos dessa época, integramos a UMESUnião Mourãoense dos Estudantes Secundaristas (hoje Ensino Médio). Vivíamos fatos que parecem, hoje, inacreditáveis, como a cobrança para todos os estudantes, de taxas pela FUNDEPAR – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional, quando muitos não podiam arcar com tais custos. Protestamos também contra cadernos da mesma FUNDEPAR, vinha impresso o nome do diretor da então Fundação, fazendo propagada dele.

Tínhamos descoberto, cada qual ainda em seus respectivos colégios, que tais problemas, somados a outros aparentemente menores e localizados, tipo carteiras faltantes ou danificadas, merenda escolar precária, eram, na realidade, problemas vivenciados em toda rede estadual. Daí o Gilbertinho que também integrou a UPES – União Paranaense, se tornando um dirigente respeitado no Paraná e depois nacionalmente por integrar o Movimento em todo Brasil, através da UNE.

A fala em tom sereno, vem sempre depois de saber ouvir quem quer que seja. Atualmente mantém o diálogo aberto principalmente na área da educação municipal e na rede pública estadual existente em Campo Mourão.

Ainda que se dedicando às causas sociais, não se descuidou dos estudos, conquista a formação superior, consolida a carreira como pedagogo. Ainda é menino, um homem que contornou ou venceu vicissitudes da vida, esteio e orgulho familiar.

A pecha de radical, “esquerdista”, sectário é imagem fixada ou pelo preconceito ou falta de informação por alguns poucos. O que ele é coerentemente, a figura aguerrida, idealista e, sem fazer agora referência da nossa amizade que tanto é essencial para mim, rica e inabalável, cito o advogado Izael Skowronski, que tem por ele uma enorme consideração, oriunda das lides estudantis.

Em Capitães da Areia, Gilbertinho acertadamente contextualizou à época da primeira publicação do livro do Jorge Amado, 1937. O presidente Getúlio Vargas estabelece o chamado Estado Novo, ele prometia progresso nacional.

A dissertação de mestrado, trabalho intelectual metódico desenvolvido pelo Gilbertinho, analisa a fala dos personagens, meninos que viviam na Bahia, Salvador, aqueles que sequer tinham mães, casa, brutalizados pelo mundo, despossuídos do mínimo de afeto e lar. Meninos que se reuniam para furtar, roubar, “ganhar a vida”, tendo a simpatia do Amado, embora o escritor não legitimasse o que eles faziam, compôs a obra narrando fatos, sendo a voz muda ou eloquente deles.

Outros contextos e suas respectivas narrativas da obra, Gilbertinho primeiramente soube harmonizar a cátedra com um conteúdo acessível para ser entendido pelos debaixo, como enfatizava o mestre Darcy Ribeiro. Na análise do pedagogo Gilberto e sem precisar ter escrito, o conteúdo humano, agruras da dinâmica social sustentada por antigas estruturas sociais e econômicas do patriarcado. Estruturas que contrapunham a dos pescadores e dos sem ocupação.

Personagens, condições e conteúdo da fala deles, são elencados pelo Gilbertinho, possibilitando a compreensão maior ante a comunicação, seus símbolos, a tematização e figurativização.

Desigualdades profundas e a luta para sobreviver, caminhos e descaminhos, a “leitura” que os próprios meninos faziam como quem tem o único hábito livre, entrar e sair do mar, de um Brasil ali descoberto e encoberto, profundos, contraditórios, desníveis sociais que Gilbertinho bem conhece.

Fases de Fazer Frases (I)

Velejar no mar da imaginação, se afogar ou vir à tona quando quiser.

Fases de Fazer Frases (II)

Se tudo for passível, passa.

Olhos, Vistos do Cotidiano

Passando por reforma, a antiga sede do Sport será ocupada pelo Nacional. Um pedaço de calçada foi refeito. Ainda fresco o cimento, alguém assinou, “Nego” (a aspa é por minha conta, não duvidando que seja este mesmo o apelido do “autor”, vez o certo é negro. Ainda, nego pode ser verbo negar, talvez diria o estúpido ao negar. Diria o meu saudoso pai Eloy Maciel, “por onde o burro passa, deixa o rastro”.

Farpas e Ferpas

Vê-se pelas frestas onde só o sol só livremente penetra.

Trecho e Trecho

A alegria daquela liberdade era pouca para a desgraça daquela vida”. [Jorge Amado, Capitães da Areia].

A música é a linguagem dos espíritos”. [Khalil Gibran].

Reminiscências em Preto e Branco

Viro a ampulheta de cabeça para baixo para tentar me manter de pé.


José Eugênio Maciel | [email protected]

* As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal