Quantas palavras, 27 anos

Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve.

Vergílio Ferreira

 

Esta Coluna tem agora 27 anos de existência. O ponto inicial, na verdade começado pelo parágrafo, é o dia 10 de julho de 1988! Com toda a exclamação, expresso a mais incontida e sincera gratidão aos caros leitores. Se para unir ou separar pelo pensamento, que as palavras possam continuar a ser o elo entre quem escreve e quem lê, mensagem da vida e do tempo. Os domingos, como foram até aqui, prossigam em cada encontro, diálogo fraternal que contenha o respeito e a manifestação às ideias entre nós. Obrigado, sempre!

Fases de Fazer Frases

Fim da vida, partida da vida de quem a perde e de quem fica.

Olhos, Vistos do Cotidiano

Frio da madrugada, o silêncio cai com a temperatura. Eles congelam orvalhados.

Reminiscênciasem Preto e Branco

Chamá-lo de senhor era tratá-lo com o respeito que merecera, sempre. E fazer-lhe referência como tio Neno jamais deixou de ser sentimento do maior afeto familiar que tanto fora sempre digno. Egydio Silva Brisola chegou a Campo Mourão em 1957, predominava poeira ou barro de uma terra dadivosa, outrora densa verdejante que foi cedendo lugar para o cultivo do solo fértil.

Pioneiro e empreendedor veio para ficar, se estabeleceu comercialmente, fixando sua identidade cultural enraizada pela e para a família e amigos que amealhou.

Um turbilhão de lembranças surge tão numeroso, marcadamente para homenageá-lo neste último encontro, adeus derradeiro. Registro certas referências, citações que são ínfimas ante a sua trajetória de vida, e o que mais tinha nela eram boas histórias que testemunhou ou que foi personagem.

Sempre pronto, disposto, sem hora marcada, sem medir esforços, era o companheiro das horas que se exigiam o bom combate, a lisura, o ombro amigo, o despojamento típico daquele destemido que não fugia da luta, ansioso para a batalha.

Ao olhá-lo na noite gelada quando o céu já recolheu suas estrelas e a bruma do tempo apontava o azul do infinito, quando lhe telefonei, tio Neno, se prepare, sábado agora eu passo aí às cinco horas da manhã. Eu irei levá-lo… – Pra onde?!– adianta o meu tio. Era surpresa.

Eu o levaria para a cidade natal, dele e da irmã (minha saudosa mãe Elza). A Jaguaraiva, na região dos Campos Gerais. De lá veio pequeno para Ponta Grossa, mas a memória afiada ficou latente ao percorrer as ruas de paralelepípedo, antigas, estreitas, íngremes. Viagem de retorno, volta aos mais de 50 anos que ficaram ali, intactos grandemente como um quadro bem cuidado, posto novamente na parede das reminiscências. Seus olhos marejados e com o vozeirão, embargavam e embarcavam naquela contemplação. O tempo todo o senhor queria me agradecer. Eu mais feliz por realizar algo simples, lhe dizia ser uma forma de reconhecer, e retribuir ainda que muito aquém, o laço forte da amizade.

O senhor não teve tempo de freqüentar escola, teve que enfrentar as vicissitudes da vida, jamais faltou a força e disposição para o trabalho. A Mecanográfica Remington (desde 1957) foi o seu ganha pão, a rotina de décadas tão impregnada que, mesmo aposentado, acordava bem cedo, abria as portas, e se punha a desmontar, soldar, lubrificar, concertar antes máquinas de escrever e de somar, depois os motores de popa.

Na parede da sua oficina, tinha lá, na moldura de madeira e vidro, o texto que escrevi para homenagear o professor Pardal. Era o seu orgulho, meu também, publicado nesta Coluna há vinte anos. Vai o meu tio, meu leitor, crítico, amigo, um dia antes de esta Coluna completar 27 anos, tempo que não é nada diante dos seus 84 anos vividos arrojadamente.