A política entre a sátira e a distopia
Gladstone Osório Mársico escreveu uma novela chamada Gatos à paisana, no já um tanto longínquo ano de 1962, que, como toda sátira política, se mantém atual. Publicada pela primeira vez pela editora Sulina e vinte anos mais tarde pela editora Movimento, a novela escancara a falta de vergonha na cara dos representantes do povo que naturalmente foi incorporada ao cotidiano político nacional desde muito.
Nesse quesito, Luiz Fernando Veríssimo foi mestre. Em inúmeras crônicas, nas Aventuras da Família Brasil e nas Cobras, em tirinhas, satirizou e questionou o constructo político tupiniquim. Mais recentemente, com o romance O império do oprimido, aliás, engraçadíssimo, Guilherme Fiuza fez o mesmo. As Lições de um Ignorante, de Millôr Fernandes, pulsavam ironia e sarcasmo, assim como vários outros dos seus livros, um deles de nome sugestivo, intitulado Que país é esse? De fato, excelentes.
Victor Giudice questionou a sociedade da sua época e as relações políticas e trabalhistas em O arquivo, seu conto mais conhecido, que abre Necrológio, sua primeira publicação em livro. Esse conto, inclusive, até hoje figura entre as produções brasileiras mais traduzidas no exterior. Em um amplo espectro, desde as Cantigas de Escárnio e Maldizer no Trovadorismo do século XII, passando por Dante na Comédia, que só depois viria a ser divina, adentrando nas produções distópicas, em um contexto diferente, iniciando possivelmente em Nós, de Ievgêni Zamiátin, passando por Admirável mundo novo, de Huxley, Laranja Mecânica, de Burgess, 1984, de Orwell, dentre muitos outros, os governantes e governos figuram no âmago de importantes produções literárias.
Nesse período do ano, encontramos candidatos em todo e qualquer lugar. Esbarramos em alguns preparados, mas também trombamos com outros, em que a inabilidade para assumir qualquer cargo público fica evidente. Esses são, de uma forma ou outra, as alavancas ou as molas propulsoras para o aparecimento de cada vez mais obras satirizando ou demonizando o contexto político nacional. Creio que todos concordamos que um salário avantajado e uma carga horária de trabalho diminuta, quando não resumida a uma sessão semanal de menos de uma hora, não deveriam ser as principais motivações para uma candidatura, mas o que acontece na quase totalidade dos casos é o contrário. Infelizmente, o próprio nível cultural dos nossos representantes tende a deixar a desejar, com raríssimas exceções.
Importa lembrar que quando foi deputado, José de Alencar enfrentou a ironia de alguns de seus colegas por produzir literatura e, porque não dizer, ser um homem diferente dos legisladores de então. De lá para cá podemos afirmar que nada ou muito pouco mudou. Exemplos de desprezo pela cultura e por outras importantes áreas não faltam, assim como situações em que vereadores e prefeitos demonstram inclusive desconhecerem as suas obrigações, se ponto em situações ridículas e vexatórias.
Por fim, um apelo seria que os políticos ou candidatos, no mínimo, lessem tanto as sátiras quanto as distopias aqui listadas, e muitas outras, caso o cotidiano atribulado e corrido permita. Um sonho seria que não agissem de forma a sugerir a produção de sátiras ou distopias, nada contra a produção literária, mas bafejando apenas uma política um tantinho mais eficiente. Um meio termo simples, não caindo para a vergonha alheia nem para o tirânico, para hoje e para os próximos quatro anos, já está ótimo.
Alexandre Leidens, Mestre em Letras pela UTFPR/Pato Branco. Gestor de cultura em Bela Vista do Paraíso/PR, realiza pesquisas acadêmicas sobre literatura e crítica literária, escreve sobre assuntos do cotidiano
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