Crônica de um aumento anunciado: os políticos e a vergonha alheia

Gostaria de deixar o cinismo de lado e começar esse artigo desejando um feliz e próspero ano novo a todos. Gostaria de escrever um texto livre da sugestão de dúvidas ou questionamentos sobre a seriedade dos nossos governantes, sem incitar a desconfiança e a revolta. O fato é que hoje dificilmente conseguiria escrever algo sem uma réstia de indignação, mesmo perante a época mais agradável do ano.

Não é de hoje que qualquer defensor de uma ilibada credibilidade do nosso país é tido como um humorista ou um paspalhão. Não sou dos que odeiam o Brasil nem dos que jogam contra, torcendo para que tudo acabe (ou continue) dando errado; no entanto, já pudemos perceber que a qualidade dos nossos representantes, a quem acabamos de eleger, deixa a desejar antes mesmo de assumirem os tão almejados cargos.

Pois bem, não acredito que os governantes sejam o espelho do povo. Também não levo a sério o argumento que afirma ter, cada cidade/estado/país, os políticos que merecem. Na minha ótica um tanto cansada, não acho que possa me espelhar em praticamente nenhum deles, sobretudo em escala municipal, e, além disso, temos de concordar que, na absoluta maioria das vezes, escolhemos por exclusão. Votamos quase sempre no “menos pior” e nos damos por satisfeitos quando não é eleito algum candidato que se mostra incapaz já na campanha.

Mais uma vez, a transição de uma gestão para outra vem dando o que falar. Poucas vezes na vida notei uma correria tão grande nas câmaras municipais quanto na última semana. Em Maringá, por exemplo, os vereadores chegaram a divulgar o encerramento das sessões de 2024, mas tiveram de retornar em regime de urgência, provocando rápidos trabalhos até na véspera de Natal. Tudo isso para aprovar o próprio aumento salarial, com programações de acréscimos anuais até o fim do mandato. Esses acréscimos, inclusive, foram baseados numa suposta “inflação imaginária”. Urgentíssimo, como podemos ver. Interessante é que os vereadores que não se reelegeram ou não tentaram a reeleição estavam também empenhados no projeto.

Em Londrina não foi diferente. A remuneração dos secretários municipais, que beira os quinze mil reais, aparentemente não é atrativa. O salário do vice-prefeito dobrou e ele nem assumiu ainda. Me pergunto se quando se candidatou ele não sabia dos honorários. A justificativa para tanta pressa nas aprovações é baseada no calendário apertado porque, caso não conseguissem terminar agora, os aumentos nos seus ordenados ficariam só para 2026. Uma lástima, veja só.

O problema é que justamente em um momento em que grande parte da população está em férias, em clima natalino e, sejamos sinceros, sem nenhuma paciência para assuntos dessa natureza, os políticos legislam em causa própria. O problema é que isso nem causa mais revolta, tamanha recorrência. O problema é que essa é uma tragédia anunciada. O problema é que eles sempre arrumam argumentos e mais argumentos para se defenderem, por mais que sejam baseados em inflações imaginárias. O Brasil realmente não é para amadores.

Não vou negar, às vezes me pergunto em que mundo eles vivem. Ou melhor, em que mundo eu vivo. O Dólar em alta histórica, instabilidade financeira, insegurança global com ameaça de uma possível terceira guerra mundial, aquecimento do planeta registrando altas históricas ano a ano, e os nossos governantes decidindo sobre o aumento dos próprios salários sem nem terem assumido seus postos.

De fato, é quase impossível não se indignar. E nem quero comparar os vencimentos dos nossos representantes com o salário mínimo. O que nos resta é torcer (sem demasiadas esperanças) para que nos próximos quatro anos eles trabalhem com tanta vontade quanto nessa última semana. Se a gana em desenvolver e ajudar no crescimento das nossas cidades for tão grande quanto a urgência e a disposição em aumentar os próprios salários, por certo terminaremos essa gestão comemorando avanços imensuráveis. Pena que não vai acontecer.

Alexandre Leidens


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