Pequenas gigantes – 5 Lições da visita técnica à Santa Rita do Sapucaí e Itajubá – MG
Quais as lições que podemos aprender com cidades de menos de 100 mil habitantes e distantes de grandes centros, mas que despontam internacionalmente no desenvolvimento de tecnologias disruptivas e no empreendedorismo de base tecnológica no país?
Muito apropriada para essa missão técnica a frase do filósofo catarinense Leonardo Boff, de que “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Ela aplica-se a estas observações, uma vez que em nossa comitiva estavam cinco cidades de portes, estágios, vocações e cenários econômicos diferentes. No mesmo sentido, cada integrante da comitiva certamente percebeu as cidades à partir da sua realidade, formação acadêmica, profissão e expectativas.
Acreditamos que algumas pessoas deverão ouvir o nome de Santa Rita do Sapucaí pela primeira vez neste breve texto. E por que nos dispusemos a enfrentar mais de 15 horas de ônibus aqui do interior do Paraná para visitar uma cidadezinha com menos de 50 mil habitantes?
Em um primeiro momento, quando se chega lá e se vê toda uma cidade histórica e antiga, contrastando com uma cidade que até recebe o apelido de Vale do Silício brasileira, é fácil cair na armadilha de se considerar que não passa de um belo trabalho de marketing, o que também não deixa de ser.
Já tínhamos ouvido falar dessa cidade por ser conhecida como Vale da Eletrônica. Como sabemos, as cidades atualmente também investem no seu próprio marketing, com criação de logotipos, slogans, trabalhos de criação de marca (branding), e até aquela história de como foi criada ou atingiu o atual patamar (storytelling), que em Santa Rita do Sapucaí, é repetida à exaustão em todos os lugares de visitação, sempre protagonizada por uma mulher (a ser destacada a seguir). Se em 2022 a realidade das empresas de base tecnológica ainda é de dominação masculina, nem precisamos de muita pesquisa para saber como era na década de 50.
Duas cenas curiosas logo na chegada mas bastante simbólicas. Na primeira, em um desses comércios mais antigos, onde deve se vender de fumo de corda a ratoeira, havia também na vitrine muitos arduínos (plataforma para desenvolvimento de projetos eletrônicos) e outros componentes eletrônicos que alunos costumam utilizar no aprendizado.
A segunda, em um café da cooperativa da cidade, pequeno, simpático e simples, um senhor comprando café torrado, aparentando mais de 60 anos, calça com sinais de terra, chapéu de palha, indicando ser um pequeno agricultor, com uma camiseta também aparentando bastante uso, mas com o detalhe da estampa que não passou despercebido: “Startup Weekend”, uma organização americana de Seattle que promove alguns dos principais eventos de inovação no Brasil e mundo afora.
Toda essa vocação da pequena cidade mineira veio do empenho de Sinhá Moreira, que em viagem ao Japão enxergou que o futuro seria da eletrônica, e então iniciou a primeira escola técnica de eletrônica da América Latina. Tal fato por si, já mostra um início completamente diferenciado para a Santa Rita do Sapucaí.
Além dessa escola pioneira, há também um ator fundamental para todo esse processo que colocou Santa Rita do Sapucaí no mapa mundial da inovação, o INATEL – Instituto Nacional de Telecomunicações.
O apelido de MIT brasileira revela a importância e a dimensão desse instituto, que desenvolveu da urna eletrônica até as primeiras pesquisas para transmissão em 6G. Além disso, seu braço de P&D batizado de Inatel Competence Center – ICC, conta com parcerias com mais de 100 empresas como Ericsson, Oi, Vivo, Benchmarck, ZTE, Huawei.
Obviamente todas essas informações são facilmente encontradas no Google. De impressões pessoais, listamos aqui 05 lições:
Lição 01: Que salta aos olhos é o papel de grandes e eficientes instituições de educação voltadas ao tema. Quando falamos “grandes”, são tanto em infraestrutura quanto na sua magnitude, foram pioneiras numa América Latina que ainda não tinha qualquer tradição em tecnologia. Outro ponto de destaque, ambas foram financiadas em grande parte pelo setor agrícola.
Lição 02: Não foi marketing, não foi por decreto, não foi apenas a educação e também não foi somente a iniciativa privada. A segunda lição que aprendemos lá foi ver em ação, e não apenas para mostrar um discurso atualizado, o que chamamos de quádrupla hélice da inovação realmente girando e impulsionando, ou seja, poder público, academia, empresas e sociedade civil trabalhando juntos no desenvolvimento da cidade.
Apenas para se ter uma ideia desta percepção, a entidade gestora do parque tecnológico (que é aberto), é um sindicato de indústrias, que inclusive elabora projetos e estudos de alta complexidade para a cidade. Lá também tem uma associação de indústrias (separada da associação comercial), focada nas especificidades e bastante ativa junto ao setor.
Lição 03: Se o Vale do Silício verdadeiro já teve fama de ser um lugar chato de se morar, o que esperar de uma cidade no meio de montanhas com 40 mil habitantes no interior do Brasil? Acreditem, lá tem a fama de ser um dos lugares mais legais de se viver, atraindo nômades digitais e as mentes mais criativas e brilhantes não só na área de tecnologia.
E daí vem a terceira lição. Tratar a inovação bem longe de uma sociedade tecnocrata ou com hiperfoco que impede de colher inspirações e criatividade nas artes, gastronomia, eventos culturais e musicais. A chamada economia criativa é bastante presente por lá.
Além de um dos 5 carnavais mais famosos do Brasil, e um evento de inovação chamado Hacktown, que em 2022 espera trazer 30 mil pessoas e mais de 800 palestras (completamente inspirado em um dos maiores festivais de inovação e música do mundo, o SXSW em Austin, Texas), os pequenos empreendedores transformam pequenos negócios tradicionais, como um simples café com um balcão para 5 pessoas em uma experiência gastronômica.
Arte de rua, festivais de música autorial, Festival de Jazz e Blues, TEDx, diversidade de empreendedorismo e de culturas nas ruas, tudo isso forma um caldo de mentes criativas que com certeza devem fazer a diferença por lá.
Lição 04: Em Itajubá, cidade com quase 100 mil habitantes, a presença da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI é um exemplo de campus moderno, cheio de parcerias e prédios de encher os olhos. Laboratórios, um prédio inteiro bastante moderno dedicado somente à incubação de empresas, aceleração e P&D voltado para as hard techs, ou tecnologias complexas para área de saúde, robótica, smartgrid, cibersegurança etc. Inquestionável, e o lugar por si já vale a visita.
Mas a lição mesmo veio da escola. Professores do ensino fundamental falando jargões como “ecossistema de inovação”, professores de filosofia engajados também na tarefa de despertar o pensamento e busca de soluções diferentes para problemas da cidade. Nasce aí o principal insumo para uma cidade que deseja inovar, é um clichê, mas não tem como fugir, são as pessoas, até alguns garçons falam de inovação por lá. E é necessário destacar também o diferencial de autoridades constituídas de todas as esferas governamentais, na visita ouvimos vários relatos, “tal Prefeito da época ou atual, Secretário, Ministro, Governador, Presidente, foram fundamentais, fizeram a diferença, etc”.
Lição 05: Há alguns anos planejávamos essa missão técnica. Veio uma pandemia que durou mais de 2 anos no meio, mas desde o início o destino era Santa Rita do Sapucaí. Itajubá veio praticamente em cima da hora e acredito que a maioria dos membros não conhecia. Mesmo sendo uma cidade com mais que o dobro de habitantes, 5 centros de pesquisa, mais de 100 startups e um forte slogan batizado de “Itajubá Hardtech”, por que só ouvimos falar de Santa Rita do Sapucaí? Aí está a quinta lição: marketing.
Como mencionamos lá no início a cidade não é somente marketing, mas o belo trabalho e investimento em divulgar Santa Rita do Sapucaí e seus atributos, com todo o pacote de construção de marca, slogan, identidade visual, fotos etc, com certeza impulsionou a cidade mineira a ponto de cidades muito bem posicionadas e maiores como Maringá integrarem a comitiva e enfrentar as 15 h de viagem para conhecer seu ecossistema.
Eduardo Akira Azuma – Secretário de Inovação e Desenvolvimento Econômico de Campo Mourão – PR
Sérgio Luiz Maybuk – Professor do Colegiado de Ciências Econômicas da Unespar campus de Campo Mourão e Chefe da Divisão de Extensão e Cultura do Campus.
*Os autores viajaram em comitiva organizada pelo SEBRAE-PR.