Trânsito Vivo: O eu, Pedestre!

O trânsito é um organismo vivo, em constante movimento e transformação. Assim como no corpo humano, onde células, hormônios e órgãos desempenham funções específicas para manter a saúde, no trânsito, pedestres, motoristas, ciclistas e vias interagem de maneira complexa e interdependente.

Cada elemento do trânsito tem um papel crucial. Para os pedestres, é essencial estar atentos e respeitar as sinalizações, atravessando sempre nas faixas de pedestre e aguardando o sinal verde em locais semaforizados.

Hoje quero falar diretamente com você, pedestre. Você sabia que todo motorista é um pedestre, mas nem todo pedestre é motorista? Pode parecer óbvio, mas quando estamos ao volante, muitas vezes esquecemos que também somos pedestres. Isso ocorre devido a um fenômeno que a psicologia descreve como dissociação de papéis. Quando assumimos o papel de motorista, nossa percepção e comportamento podem mudar, fazendo com que nos esqueçamos da perspectiva do pedestre.

No contexto de papéis sociais, essa dissociação pode levar a comportamentos e atitudes que são específicos ao papel assumido, como ser mais agressivo ao volante do que ao caminhar na rua.

Isso ilustra bem a mudança de perspectiva entre motoristas e pedestres. Quando estou dirigindo, raramente quero parar na faixa de pedestres para deixar alguém atravessar. No entanto, quando sou pedestre, fico frustrada se os motoristas não param para me dar a preferência. Ao trocar de papel, os interesses também se invertem.

O que quero deixar claro é que todos somos pedestres e que a preferência no trânsito deve ser nossa. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu Art. 70, estabelece que “os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste Código”. Mas sabemos que na prática não é bem assim.

Um fator crucial muitas vezes esquecido ao atravessar uma via é a necessidade de se tornar visível. O pedestre deve ter certeza de que foi visto pelo motorista, pois estar na faixa de pedestres, por si só, não garante sua segurança.

A faixa de pedestres é essencial para garantir a segurança dos pedestres, sinalizando o local correto para atravessar e organizando o fluxo de veículos. O CTB apresenta a hierarquia dos veículos na via, onde os veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela segurança dos pedestres.

A disposição da faixa de pedestres também é crucial para garantir a segurança. Como engenheira de tráfego, aprendi que, se o local não for seguro, não se deve instalar a faixa de pedestres, pois pode ser mais perigoso. O projetista de sinalização viária deve buscar o lugar mais seguro para a travessia, mesmo que não seja próximo às esquinas, mas que garanta a acessibilidade e boa visibilidade para motoristas e pedestres.

O CTB estabelece diversas obrigações para os pedestres, visando garantir a segurança de todos no trânsito. Além de obedecer à sinalização, é fundamental que o pedestre tenha atenção redobrada ao atravessar uma via.

Voltando ao ponto inicial, onde todo motorista é pedestre, mas nem todo pedestre é motorista. Quando é que o pedestre aprende sobre as leis de trânsito? O CTB estabelece obrigações para os pedestres, mas em que fase da nossa vida adquirimos esse conhecimento? Para motoristas, isso ocorre durante a formação para obter a carteira de habilitação. Mas e para quem nunca foi ou será motorista?

Muitas pessoas que atuam na área de trânsito dizem, e eu concordo em parte, que “educação no trânsito é para crianças”. Se analisarmos o contexto, talvez essa seja a melhor fase para ensinar a uma pessoa seus deveres e direitos como pedestre. Considerando que uma criança ainda não é motorista, ela crescerá já ciente dos deveres do pedestre na sociedade.

Antes de atravessar a rua, o pedestre deve sempre olhar para ambos os lados, esperar que os veículos passem ou parem completamente, e atravessar em linha reta, evitando atalhos ou caminhos mais fáceis. Esses simples atos de atenção e cuidado podem prevenir acidentes de trânsito, protegendo o elemento mais vulnerável: o ser humano.

A visibilidade do pedestre para o motorista é de extrema importância, pois diversos fatores podem influenciar a percepção do condutor. O movimento do veículo, os pontos cegos e a iluminação, especialmente à noite, são elementos cruciais que podem afetar a segurança.

Segundo dados do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), em 2022, Campo Mourão registrou 29 mortes em acidentes de trânsito. Dentre essas, 4 eram pedestres: 1 homem e 3 mulheres, sendo que 3 das vítimas tinham mais de 80 anos.

A vulnerabilidade dos pedestres é exacerbada pela idade. Tanto crianças quanto idosos precisam ter cuidados redobrados ao atravessar a rua, devido à maior fragilidade e menor capacidade de reação dessas pessoas.

Gostaria de concluir este texto afirmando que nenhuma morte no trânsito é aceitável, especialmente quando envolve pedestres. Isso evidencia nossa falha em proteger aqueles que, por lei, deveriam ser os mais protegidos na hierarquia do trânsito. Se o acidente ocorre em uma faixa de pedestres, a gravidade é ainda maior.

Pedestres, contribuam para um trânsito mais seguro: estejam sempre atentos ao atravessar a rua e até mesmo ao caminhar na calçada. Evitem distrações como celulares e fones de ouvido, que podem diminuir suas percepções no trânsito. Motoristas, lembrem-se de que, ao sair dos seus veículos, vocês também são pedestres.

Por Cristiane Ap. Homan Razzini é Engenheira de Tráfego – [email protected]

* As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal