De bóia fria à empreendedora rural, Cláudia venceu
Claudia é daquelas mulheres capazes de tudo. Trabalhando como bóia fria, desde os nove, desafiou preconceitos e regras para montar o próprio negócio. Não fosse a persistência e a auto confiança, continuaria na lida do campo, mas comandada por homens. Hoje, após decretar sua “independência”, ela mantém seis estufas de tomates e pepinos num sítio arrendado, em Araruna. Planta feijão e ainda mantém alguns porcos e vacas. Mesmo com tanto trabalho, ainda ajuda a filha a cuidar de idosos, à noite. Cláudia não para.
Nascida em 1976, na pequena Altamira do Paraná, Cláudia Aparecida da Silva, hoje aos 45, teve apenas um irmão. Ainda aos quatro anos, ela e ele foram com os pais ao Paraguai. Lá, Procópio, o genitor, tinha emprego garantido numa fazenda de hortelã. Mas não há nada que dure para sempre. Trabalhando demais, a esposa pediu a separação. Ela ficou no país. Mas o pai não. Retornou ao Brasil em 1983, junto aos dois filhos.
A chegada foi numa comunidade rural, Tupinambá, próxima a Astorga, no Paraná. Procópio iniciou a labuta num sítio, mais uma vez. Enquanto trabalhava, Cláudia permanecia em casa, cuidando do irmão doente. “Eu tinha sete anos e já cuidava da casa e do meu irmão, com bronquite aguda. Mas teve um dia que me queimei com água fervendo. Aquele foi o limite para ficarmos sozinhos”, disse Cláudia.
Meses depois o pai já havia encontrado uma nova companheira. Era o que ele precisava para trabalhar em paz. Enquanto permanecia na lida da lavoura, a mulher fazia o papel de mãe aos dois pequenos. Dois anos depois, já em 1985, Procópio recebeu uma proposta melhor de emprego, desta vez, numa fazenda de Araruna. E foi lá, o primeiro contato de Cláudia com a roça. “Meu pai nunca me forçou. Eu decidi trabalhar como bóia fria por mim mesma”, disse.
Então, aos nove, a menina abandonou a própria infância. E trocou suas bonecas pela colheita de algodão e mandioca. As pequenas mãozinhas suavizadas pela idade, agora iniciariam o processo das peles calejadas. O gosto pelas cansativas jornadas na lavoura, como bóia fria, só parou aos 39, depois de iniciar cursos junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). E foram as cartilhas, junto aos profissionais, que abriram a sua cabeça. Era hora de empreender.
“Em todos os locais que trabalhei, quando via, eu já estava coordenando a turma. De uma certa forma, estava sempre com um passo à frente dos outros. Então pensei: porque não me aperfeiçoar em algo e traçar meu próprio caminho”, explicou. E foi o que fez. Em 2012, num dos cursos, “Mulher Atual”, descobriu que aquele passo à frente era somente uma pista do seu potencial. E não demorou muito para que o voo começasse.
Ao verificar possuir “asas”, Cláudia então estudou a possibilidade de manter uma estufa de tomates. Pronto, agora vai. Comprou o equipamento e, com a ajuda da ex patroa – que cedeu o local -, iniciou a produção. Tempos depois viu a necessidade em ampliar a estrutura. Conseguiu parceria de uma comadre e, juntas, passaram a dividir o trabalho. No entanto, em 2013, a sociedade terminou. Mas Cláudia sempre foi abençoada.
Numa das tantas conversas que teve e tem – Cláudia é bastante comunicativa -, ouviu sobre um sítio abandonado em Araruna. Correu em busca de informações e chegou até os donos. E tudo deu certo, mais uma vez. Ela levou a estrutura para lá e, ainda, teve a parceria dos proprietários.
Com o tempo, após ter duas filhas, o casamento de Cláudia terminou. Ela então passou a morar apenas com a mais nova, numa casinha de madeira, no próprio sítio. Foi nesse período também que os donos da área decidiram romper a parceria. Agora, eles não mais ajudariam no negócio. Receberiam parte da produção, apenas. “Esta mudança foi boa. Sempre me ajudaram e me respeitaram em tudo. Mas o destino me levou a empreender sozinha mesmo”, disse.
Em 2018, Cláudia saiu de moto da propriedade. Ela seguia até a cidade. Mas no caminho, um trator a derrubou e, ainda, passou sobre um dos seus pés. Após deixar o hospital, as dores cessaram após um ano. Mesmo assim, ninguém e nada a parou. Mesmo de muletas, continuava a cuidar de suas, agora, seis estufas de tomates. Até 2020, Cláudia tinha ajuda apenas da filha mais nova, Beatriz. Era o seu braço direito e esquerdo. Mas, mais uma vez, não há nada que dure para sempre. A moça encontrou o próprio destino. Se casou e foi embora para Cianorte. Cláudia estava de novo sozinha, no trabalho e na casa. Não durou muito até que encontrasse um novo, como ela mesmo diz, “namorido”: Gerson. Receoso em vê-la morar sozinha no sítio, fez o convite. E ela aceitou. Hoje moram juntos em Araruna.
Para não deixar a propriedade sem ninguém, contratou um casal: Cícero e Leni. E são eles quem a ajudam hoje, em tudo. Ao mesmo tempo em que trabalha com as estufas, Cláudia trava uma guerra pessoal. Ela luta contra uma doença da filha mais velha, Patrícia. “Tem um mês que ela está internada em Jandaia do Sul. Foi diagnosticada com esquizofrenia. Mas Deus vai nos ajudar”, revelou.
Patrícia ganhava a vida como cuidadora de idosos em Araruna. Teve o dom herdado da mãe, que também tinha esse desejo antes de se embrenhar na produção de tomates. Mas agora, adoentada, é Cláudia quem a substitui. Então, após deixar o sítio, ao invés de descansar em casa, ela segue à residência onde a filha trabalhava. “Pra mim é um prazer. Sempre gostei de fazer isso. Teve um tempo que eu queria fazer curso pra enfermagem. Mas não deu”, disse.
O ano de 2021, definitivamente, não deixará saudades. Além da saúde da filha, Cláudia diz que a natureza foi impiedosa com seus tomates. Primeiro sofreu com a seca. Depois vieram duas geadas. Mais adiante, com o fogo – um incêndio na lavoura do vizinho chegou até uma das estufas. E por último, e mais recentemente, com os ventos. Na última semana, parte das estufas foi bastante danificada pelo que ela diz, um redemoinho.
Além dos tomates – ela vende no particular a empresas de Araruna, além de entregar a uma cooperativa de Campo Mourão -, Cláudia também mantém pepinos na estufa, tudo no sistema orgânico. Tem uma plantação convencional de feijão e criações de bovinos e suínos. Cláudia é uma mulher “porreta”. E ela não se arrepende de nada. Ao contrário. Faria tudo de novo, principalmente, pensando na labuta desde criança. “Hoje, vejo como uma mudança de valores. Trabalhar desde cedo antes podia. Agora é proibido. É por isso que tem tanto bandido por aí. Valorizar o trabalho é necessário”, disse.
Em tempo: seu Procópio, a quem Cláudia descreve como seu “pai herói”, após muito trabalhar, se aposentou e leva a vida pacatamente em Campo Mourão. Após se separar da primeira esposa – mãe de Cláudia -, e também romper com a companheira que cuidou dos seus dois filhos, está com a terceira mulher. A mãe de Cláudia voltou há tempos do Paraguai. Vive hoje no Palmital dos 30. Faz três anos que as duas se viram pela última vez.