Indígenas atacam indígenas. E motivo pode ser dinheiro
A Polícia Federal começou a investigar um ataque bastante violento a uma aldeia indígena de Pitanga, na região central do estado. A ação aconteceu às 6h da manhã de ontem (sábado), ocasionando o ferimento de, pelo menos, oito pessoas. Delas, quatro continuam internadas. Sendo duas, em estado grave. As lesões são decorrentes de tiros e facadas. Pelas informações levantadas no local, indígenas da aldeia Ivaí, de Manoel Ribas, atacaram indígenas da aldeia da Serrinha, de Pitanga. Um conflito entre “irmãos Caingangues”. Veja fotos no final da matéria.
Todos os quase 400 membros da aldeia da Serrinha pertenciam até um ano à aldeia Ivaí. No entanto, não aceitando o modo como o cacique coordenava a tribo, decidiram abandonar o local, se tornando uma espécie de dissidentes, fundando no lado oposto das suas terras – em Pitanga -, uma nova aldeia. Desde então, o convívio sempre foi crítico e, de certo modo, tenso. “O cacique da Ivaí jamais aceitou a divisão de terras. São quase 8 mil hectares que, agora, passaram a ser repartidos, não oficialmente”, explicou o prefeito de Pitanga, Dirceu Moraes (MDB).
De acordo com os próprios indígenas, a eclosão do conflito aconteceu na noite da última sexta-feira. Integrantes das duas aldeias teriam se encontrado em um posto de combustíveis de Manoel Ribas. Lá, uma discussão. Depois, uma briga. Com alguns indígenas da Ivaí bastante machucados, a aldeia decidiu se vingar na manhã seguinte. E a vingança foi como a um filme de guerra.
Ao invés de arcos e flechas, cerca de 150 caingangues da Ivaí rumaram de carro, moto e até ônibus, carregando facões e armas de fogo. Eles chegaram à Serrinha por volta das 6h da manhã. Na entrada se dirigiram até o cacique Valmir. Mas o que seria apenas o início de uma conversa, se transformou em guerra.
Indígenas da Ivaí sacaram armas e efetuaram vários disparos. Pelo menos quatro pessoas foram atingidas. “Eu estava ao lado do Valmir. Não tivemos tempo para conversar. Quando vi, já haviam atirado nele. Então eu virei para correr e uma bala atingiu minha nuca de raspão”, disse Sérgio, 39 anos, sobrinho de Valmir. O irmão do cacique, Ademir, também é um dos feridos, e continua hospitalizado. Sérgio disse não ter visto o autor dos disparos.
Com o início do tiroteio, praticamente todos os 400 indígenas da Serrinha, incluindo mulheres e crianças, correram para se esconder no mato e nas plantações próximas. Enquanto os feridos permaneceram caídos assistindo a barbárie que viria a seguir. Munidos com muita gasolina, integrantes da aldeia rival atearam fogo em quase todas as casas, as destruindo por completo. Nem mesmo alimentos foram poupados. Em alguns casos, casas foram incendiadas com pessoas dentro. Uma mulher foi vítima de queimaduras.
Durante a fuga dos dissidentes, ficaram apenas os feridos, caídos, e os animais da aldeia. Um integrante da Serrinha, após ser rendido, teve as mãos amarradas. Um vídeo mostra o homem amarrado enquanto as casas pegavam fogo. Cães e gatos se mostravam assustados. A TRIBUNA também identificou cães mortos, carbonizados. Como o caso de uma criança, de seis anos, que olhava incrédula seus dois pequenos cães entre as cinzas. Uma cena avassaladora.
José Ramos Soares Lima é um pequeno sitiante local. Ainda pela manhã, enquanto cuidava de sua plantação, escutou tiros. Preocupado, correu para olhar a aldeia. Lá de cima conseguiu visualizar as casas queimando. “Tinha muita gente correndo para o mato. Também vi feridos”, disse.
Um dos dissidentes da Ivaí, João Batista, perdeu todo o pouco que tinha, incluindo alimentos e documentos. Ele foi encontrado em frente às cinzas que se transformou a casa. Ainda em choque disse a este repórter que estava preocupado com a sua esposa. “Eu não vi mais ela. Eu corri pra um lado e ela, para o outro. Até agora não sei onde está”, explicou. Segundo João, a “raiva” dos agressores foi culminada com uma briga na noite anterior, entre membros das duas aldeias.
Sebastiana, 70 anos, estava tirando os pertences que restaram de sua casa incendiada. Empilhando trouxa a trouxa do que restou, ela disse que deseja ir embora e nunca mais voltar. O mesmo sentimento de Fátima, 53 anos. Ao lado dos cinco filhos, afirmou que irá embora para Apucarana, onde mantém parentes. “Se ficar aqui vamos morrer de fome. Eles queimaram nossos alimentos”, disse.
Praticamente todos os dissidentes, agora sem casas, foram levados até uma escola rural na comunidade João da Colina, 26 quilômetros de Pitanga. Lá, o prefeito Dirceu Moraes determinou a acolhida de todos eles. “Estamos providenciando colchões e alimentos. Eles irão ficar aqui até decidirmos com outros órgãos quais os procedimentos a seguir”, disse.
Segundo ele, amanhã, o município terá uma reunião com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Polícia Federal e Polícia Militar. Quando será decidido um posicionamento oficial sobre a situação das vítimas do ataque. “Pretendo mantê-los na escola por uma semana. Depois disso temos que devolvê-los às suas terras”, explicou. Em tempo: nenhum profissional integrante da FUNAI apareceu para averiguar o conflito.
Prefeito
Dirceu Moraes, mais conhecido como Sargento Moraes acabou de iniciar o seu primeiro mandato como prefeito de Pitanga. E, como um ex-membro da Polícia Militar, deixou o ar condicionado da prefeitura para arregaçar as mangas e ajudar os indígenas. Ele chegou à aldeia logo após o ataque. “Quando cheguei os agressores ainda estavam lá. Então apanhamos os feridos e os encaminhamos a hospitais da região”, disse.
Para isso, ele contou com a ajuda de produtores rurais vizinhos. Enquanto alguns levavam os feridos, outros levavam mulheres e crianças ao abrigo. Caminhões e carros foram utilizados. “Não poderia ficar parado. Sempre fui um sujeito operacional”, afirmou. Toda a coordenação para retirada dos indígenas foi feita pelo prefeito. Ainda ontem, Moraes moveu parte de profissionais do município para ajudar no posto de saúde onde estão os abrigados. Muitas mulheres com idade avançada necessitaram de apoio médico.
Conflito pode ser motivado por dinheiro
De acordo com uma fonte que, por motivos óbvios, não quis se identificar, todo o conflito entre as duas aldeias ocorre por um só motivo: dinheiro. Segundo consta, as terras da aldeia Ivaí possuem quase oito mil hectares. Sendo que, grande parte, está arrendada a outros produtores – o que não poderia acontecer. “Se fizer uma conta básica, são cerca de R$ 6 milhões em arrendamentos que eles recebem. É claro que o cacique da Ivaí não quer a divisão. Principalmente, porque agora, os dissidentes, em tese, mantém 70% das terras”, afirmou.
Segundo a fonte, todo o dinheiro arrecadado cai numa conta da Associação da Aldeia Ivaí. A partir disso, a comunidade indígena decide como gastar o valor. Isso na teoria. “Na prática, os coordenadores não tinham transparência com o dinheiro. E foi por isso que dissidentes deixaram a Ivaí e fundaram a Serrinha”, disse. Segundo ele, além do dinheiro, a “guerra” entre as aldeias também sugere um amplo conflito de interesses políticos e de poder.
Em 2012, o ex-cacique da Reserva Indígena Ivaí e, na época, vereador de Manoel Ribas, Dirceu Retanh Domingos Santiago, foi preso por denúncias de que estaria arrendando terras indígenas a agricultores. Santiago foi preso dia 13 de dezembro daquele ano, na Operação Forte Apache 2 da Polícia Federal (PF). Conforme as investigações policiais, na ocasião, teriam sido arrendados por Santiago e outros réus cerca de 400 alqueires, quase mil hectares, de terras indígenas, desde 2005.
O antigo cacique estaria ainda exigindo filiação de indígenas ao Partido Progressista (PP), cobrando contribuições dos professores para poderem ministrar aulas na reserva, retendo cartões de Bolsa-Família dos indígenas para seu benefício e expulsando caciques de reservas próximas para nomear outros de sua confiança.
Mesmo não sendo mais o cacique da Ivaí, a fonte revelou que é Santiago quem continua a comandar a aldeia. A TRIBUNA enviou mensagens a ele para falar sobre o ataque de ontem. Mas até o momento, ele não retornou. O espaço continua aberto para seus questionamentos.