João desapareceu. E pode estar na mira da Justiça
“Tomamos. Graças a Deus, tomamos o poder. Tomamos o poder. O povo brasileiro tomou o poder. O povo de bem tomou o poder. Tomamos”. A ilusão traduzida em palavras repetidas foi dita por João Cláudio “Bolsonaro” Tozzi, em 8 de janeiro. Num vídeo que ele mesmo fez, em Brasília, durante a quebradeira generalizada à Praça dos Três Poderes. Com o Congresso Nacional ao fundo, chorava durante as poucas frases. Mas, embora pequenas, elas podem ser grandes o suficiente para o colocar em maus lençóis.
João é somente um, entre centenas de pessoas, que pode estar na mira dos procurados pelo vandalismo. Isso porque, se existe uma lista, a mesma não foi disponibilizada à imprensa. O processo corre em segredo de justiça. Uma página do Instagram, “Contragolpebrasil”, ilustra a sua façanha naquela tarde. E também pede informações sobre ele. “Denuncie no e-mail do Ministério da Justiça e Segurança Pública”, diz.
João é morador de Goioerê, na região de Campo Mourão. E na cidade sempre foi bastante conhecido. Informações indicam que sua principal atividade, anos antes, foi na construção civil, como pedreiro. No entanto, com o passar do tempo se aventurou nas veias políticas. Foi candidato a vereador em 2012 (PSD) e 2020(PDT), atingindo uma votação nunca maior que 61 votos. Na mais recente, chegou a colocar o nome “Bolsonaro”, numa clara tentativa de pegar carona na onda que surfava o ex-presidente. Mas deu tudo errado. Fez apenas 57 votos.
Desde os atos antidemocráticos em 8 de janeiro, a população de Goioerê não mais o viu. Ele residia ao lado de um dos dois filhos, numa casa alugada na rua Guarapuava, 215. Mas, bastou o episódio acontecer para que a esposa – que havia se separado em 2021 – fosse até o imóvel retirar os pertences. E, sem avisar ao dono da casa, também desapareceu. Ficou a destruição. E a falta do pagamento, de 14 meses de aluguel. “Ele pagou os primeiros aluguéis. Depois disso, nunca mais”, revelou o proprietário.
Segundo ele, o imóvel foi alugado à esposa de João, ainda em 2020. Até 2021 os aluguéis foram honrados. Mesma época em que a companheira decidiu dar adeus ao marido. A partir daí, a conta não mais foi paga. Durante vários meses, o locador insistiu no pagamento. Mas João jamais o honrou. “Pensei num despejo. Mas uma lei da pandemia, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), impedia ações de despejo”, disse. Em 9 de novembro de 2022, ao ser cobrado novamente, João enviou um áudio: “Doutor, até o final de semana dou uma passadinha aí. Tô envolvido no trevo aqui”. O envolvimento no trevo eram os manifestos antidemocráticos.
São quase R$8 mil em aluguéis atrasados. Mais R$ 4 mil em contas de água. Além de outros R$5 mil com pintura, vidros quebrados e outros consertos. Quando soube que a casa estava vazia, o locador foi até lá, e o que viu, foram cenas de terror, literalmente. “As paredes estavam pichadas com inscritos de rock and roll e palavras satânicas”, revelou. Num canto havia os dizeres: “Venda sua alma aqui”. No outro, “Satan”. Até um pequeno demônio foi desenhado.
João teve os pais nascidos em Penápolis, interior de São Paulo. Mais adiante, o casal mudou para Goioerê. E foi ali onde João nasceu, em 1964. É o caçula de sete irmãos. Na cidade estudou somente o fundamental. Já na adolescência iniciou na construção civil. Tornou-se um pedreiro. Era o seu ganha pão até pegar gosto pela política.
Uma sobrinha informou que o tio é um sujeito destemido, bem humorado, boa gente.
E preocupado com o país. “Ele é muito perseguido aqui por bater de frente com políticos que fazem coisas erradas”, disse. Há tempos, João começou a fazer postagens nas redes sociais sobre “coisas erradas” na cidade. Numa delas chamou o deputado estadual Douglas Fabrício de corrupto. Não prestou. Foi processado. E, mais adiante, condenado por injúria. Teve que apagar as postagens. Além de desembolsar R$2 mil por danos morais. Muito provavelmente, parte da grana do aluguel.
A reportagem esteve em Goioerê, mas não localizou João. Um vizinho da rua Guarapuava revelou que o conhecia. E se dava bem com o mesmo. “Era um bom vizinho. Uma boa pessoa. Mas não sei onde ele está”, disse. Outra moradora dali disse que o conhecia apenas de vista. Nada mais que isso. E também desconhece seu paradeiro. A casa de madeira, onde morava, ainda estampa o seu adesivo de candidato a vereador. E mais um, com a propaganda do “Japonês da Federal”, o seu candidato a deputado. João fez intensa campanha na cidade, angariando cerca de 60 votos ao “amigo”.
João também apresenta uma boa ficha na justiça. São algumas ações cíveis contra ele. A maioria por falta de pagamentos. Ao seu nome também estão ligadas quatro empresas, sendo uma construtora, uma agência de publicidade e uma associação beneficente e radiodifusão.
Para a sobrinha, nem mesmo a família sabe onde João está. Segundo ela, ele deve estar com medo da repercussão do seu vídeo. “Não podemos dizer que ele quebrou alguma coisa em Brasília. Ele estava lá. Mas se quebrou algo, não sabemos”, disse. Ela também informou que, vez em quando, o tio ajudava a empresa da família, fazia músicas e gostava de ouvir rock and roll.
No dia 31 de dezembro, véspera da posse de Lula, João fez o seu penúltimo vídeo nas redes sociais. E disse: “Infelizmente, no jogo, existem os vencedores e perdedores. Perdemos a batalha. Mas não a guerra. Fomos traídos por políticos e generais. Bolsonaro fez tudo o que podia. Mas estava sozinho e não conseguiu. Aquele jogo das quatro linhas da Constituição não funcionou. Este país tem muitos ladrões. Aqui tem muitos políticos que só pensam em roubar. E se esquecem do povo. Perdemos a batalha, mas não a guerra. É hora de nos reagruparmos, principalmente, para saber como iremos agir daqui pra frente. Estou triste. Revoltado. É hora de separar os homens dos meninos”.