O incrível Programa de Seleito Silva
Bredápolis, comunidade rural de Janiópolis. Lá, as nove horas de uma manhã extremamente gelada, Seleito tomava um trago no balcão da mercearia do seu Roberto. Sentado sobre um velho banco de madeira, foi surpreendido com a chegada do repórter. E se assustou ao saber que a procura era, especificamente, por ele. A reportagem estava ali por um motivo bastante simples: encontrar o sujeito que conseguiu inventar uma espécie de rádio no Whatsapp. Sim, o camarada vem já, há dois anos, alimentando cerca de 160 pessoas, com notícias da região. Uma façanha para poucos.
Seleito é um cara simples. Sempre foi pobre. Trabalhou desde os sete na roça, quando carpia, colhia mandioca e raleava o algodão. Mesmo assim, estudou. Terminou o segundo grau e, “forçado” pela irmã, chegou a passar no vestibular em Curitiba. Na época, foi selecionado para Educação Física. Mas desempregado, não teve condições em manter a mensalidade. Desistiu.
Comunicativo, há dois anos, numa brincadeira com amigos, decidiu imitar alguns locutores de rádio. Foi um sucesso imediato. Os companheiros não só o incentivaram, como pediram para que montasse uma pequena rádio. Então, sem recursos, o jeito foi apelar à ferramenta do Whatsapp. Montou um grupo e, a cada dia, mais gente pedia para participar. E isso acontece até hoje.
Diariamente, Seleito apanha notícias dos sites e as envia aos participantes. Além de ler as postagens, a turma ainda as debate. Pior se forem notícias políticas, entre a direita e a esquerda. Aí o pau quebra. Mas sempre com opiniões. Quase nunca com agressões. “Tem gente de muitas cidades no grupo. Tem até de outros estados”, diz o comunicador.
Entre as notícias, pausas para entrar ao “vivo”. Ele fala do tempo, as vezes lê um salmo. Também faz propaganda. Já possui dois patrocinadores. Ao todo, R$ 200 por mês. É quase nada, mas bastante para incentivá-lo. Dias desses, as notícias pararam. Preocupados, alguns membros buscaram informações. E descobriram que Seleito estava sem celular. “Fui ao banheiro e quando vi, o aparelho tinha caído na privada”, disse.
Sem grana, o jeito foi ajudá-lo. A turma fez uma vaquinha e reuniu R$900. Foi a salvação. A verba foi usada ao novo celular. Agora, até com capinha. No mesmo dia da entrega, Seleito voltava ao ar. Desta vez, agradecendo a turma toda. “Eles disseram que sem mim, o grupo não podia existir. Achei bem bacana o que fizeram”, disse.
Aos 33 anos, Seleito é um sujeito descolado. Brinca com todos e não perde a chance em “filar” o wifi de alguém. Quase todos os dias, empresta a rede do amigo Roberto. Dono da mercearia local – uma espécie de venda à moda antiga -, ele já até se acostumou com o comunicador. É que, ainda pelas manhãs, Seleito já chega com sede. Mas não uma sede de água: de cachaça mesmo.
Bebendo desde os 16, ele sabe que o hábito não tem sido bom à sua saúde. Dias atrás, caiu. Teve convulsões e acabou no hospital. Lá, a médica teria dito: “Ou você para ou vai morrer cedo”. “Eu dei razão pra ela. O álcool não está sendo bom pra mim. Como não consigo parar, decidi procurar uma clínica de recuperação”, revelou. Segundo ele, exames já foram realizados. Falta agora, apenas o dia do comunicado chegar. O chamado à própria redenção.
Seleito Aparecido da Silva, o criador do “Programa Seleito Silva”, lembra que o vício sempre o levou para baixo. Em todos os sentidos. Bêbado, já se enfiou em confusões. Apanhou e bateu. Mas, a pior delas, foi trabalhar numa boa empresa e, depois de conseguir comprar um carro de R$18 mil, acabou o perdendo. Ou melhor, o bebendo. “A bebida faz você perder o juízo. Fiz muita festa e quando vi, já tinha vendido o carro”, disse.
Seleito nasceu em Bredápolis. A comunidade, com cerca de 500 pessoas, pertence ao município de Janiópolis – 15 quilômetros separam as duas. Os pais também eram da lavoura e tiveram nove filhos. Com a morte deles, acabou morando com uma das irmãs. Nunca se casou, tampouco teve filhos. Além de pegar wifi de amigos, é na praça onde também faz o programa. Lá, a rede da igreja é aberta e gratuita.
Mas já ao final da prosa com o repórter, chega um de seus amigos e dispara: “Quando Seleito morrer vai ser enterrado fora do cemitério. É que nego bom não se mistura”, disse rindo. Ele também trazia um corote de aguardente. Bastou alcançar o balcão para abrí-lo. Carregava um facão dentro da blusa. Nada demais. Apenas a ferramenta da labuta do campo. E entre goles e conversas, os dois ali permaneceram. Já o repórter, saiu de fininho, pronto a contar a história do incrível comunicador do Whatsapp.