Rota da Fé: Caminho, verdade e vida

Num mundo feito por tijolos e concreto, globalizado e ultra tecnológico, o homem passou a ficar distante, cada vez mais, um do outro. Se a ideia era uni-lo aos demais, a coisa deu errada. Hoje, vivendo às pressas, sem reflexão e pressionado pelos “muros das cidades”, acabou se assimilando a uma ilha. Muita coisa se perdeu. Principalmente, o convívio familiar. Faltam diálogos. Encontros. Palavras. Entendimentos. União.

Para redescobrir a verdadeira missão da família, uma reunião entre lideranças da Igreja Católica, entre eles, o engenheiro Ruben Orlando Moyano, ainda em 2006, deu início à Rota da Fé. Objetivando sentir a natureza, incitar o auto conhecimento, redescobrir a fé e, principalmente, reviver o sentimento familiar, iniciaram o Caminho. Nunca mais pararam.

A coisa deu tão certo que, no último ano, o caminho conquistou o respaldo da Ordem do Caminho de Santiago de Compostela, da Espanha, por meio da Associação Internacional de Cooperação Turística (ASICOTUR). O Chanceler da entidade, o espanhol Alejandro Rubin Carballo esteve em Campo Mourão. “Quando soube de suas características, não tive dúvidas em apoiar a ideia. A Rota da Fé reúne a essência do caminho europeu: família, natureza e fé”, disse.

Consagrada pela sua peregrinação, o 1º Caminho Iniciático de Santiago de Compostela (Rota da Fé – 62 edições), mantém uma singularidade histórica repleta por mistérios. São aspectos e locais interessantes. Todos cercados pelo misticismo. Com percurso de quase 100 quilômetros, saindo de Campo Mourão, passando por Corumbataí do Sul, Barbosa Ferraz, até Fênix, os caminhantes têm a possibilidade de conhecer alguns deles. E, de quebra, vislumbrar a natureza e ter um novo olhar sobre si mesmo. Uma reflexão sobre o “eu”.

Rocha misteriosa

Em meio a uma fazenda, a cerca de 300 metros da estrada, escondida próxima a um rio, uma rocha se mantém misteriosa. Nela, um grande espiral foi esculpido, possivelmente, com fins religiosos. “São resquícios da presença indígena na região”, afirma a professora Gisele Ramos Onofre, Coordenadora do Curso de Geografia da Unespar, de Campo Mourão.

Segundo ela, ali era um dos ramais do famoso Caminho do Peabiru, onde passavam diferentes povos indígenas. Entre eles, dois em especial: Índio Bandeira e Índio Gembre. De acordo com Gisele, tão curiosa a rocha é que, anos atrás a imprensa espanhola a retratou. Embora misteriosa, até hoje não foi feita uma datação precisa sobre ela. O que intriga ainda mais a curiosidade acerca da mesma.

Gisele também relata que uma infinidade de artefatos indígenas já foi encontrado. Os chamados resquícios líticos foram levados para o museu paranaense, para estudos. E, além de pesquisadores, gente comum também encontra restos da cultura indígena na região. Eles estão por quase toda parte. Na estrada ou em propriedades locais. Alguns estão à mostra até mesmo numa venda rural dali.

Rocha com resquícios indígenas ainda é um mistério

Cemitério indígena

Bem mais afastado da estrada, sobre um morro, um antigo cemitério indígena continua preservado. Com pedras escuras sobre as covas, acredita-se que os corpos ali enterrados pertençam ao Guaranis, quando habitaram a região a cerca de 300 anos. No local, é bastante comum observar artefatos da cultura. No entanto, por ser um campo sagrado, ele está isolado. Não recomenda-se a visitação.

São Tomé

Ruben Orlando Moyano, um dedicado combatente pela consolidação do caminho, há anos, colaborou com a equipe da Rota da Fé para construir na região uma capela voltada ao Apóstolo Tomé ou São Tomé. De acordo com ele, há anos ouvia dizer sobre a sua presença na região. “Eu não acreditava. Questionava como um apóstolo de Jesus teria saído daquela região e chegado até aqui. Tinha minhas dúvidas”, relatou.

No entanto, faz algum tempo, soube que em livros espanhóis, constava a presença do santo pelas terras paranaenses. Foi então que decidiu construir a pequena capelinha. Hoje, sobre um morro, o lugar se tornou parte da devoção do caminho. Local para pausa e reflexão. “Foi feito até um pequeno foço para os caminhantes depositarem os seus pedidos. Um desejo realizado em vida pelo professor Amani Spachinski de Oliveira”, disse.

São Tomé era judeu da Galileia e foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo. Seu nome está ligado à expressão “ver para crer”. Ele estava ausente e duvidou da ressurreição de Jesus.

Igreja de Serra

Em 1589, colonizadores chegaram ao ponto onde hoje está localizado o município de Fênix. A mesma cidade que abriga o parque estadual de Vila Rica do Espírito Santo. Na época, o município era dividido entre índios e espanhóis. E também foi ali onde uma capela, em estilo gótico, foi construída. Aliás, uma das primeiras construções da região.

Cercada por muito mistério, a pequena igreja foi alvo, primeiro na década de 60, por vândalos que acreditavam encontrar outro sob ela. Ao escavarem, também a comprometeram. Mais adiante, na década de 90, novos “descobridores” tentaram novamente. Mas agora, em suas paredes. Praticamente destruída, recebeu investimentos e foi recuperada.

Hoje, os Vândalos sumiram. Mas por outro motivo: surgiram lendas de assombrações. No rito popular, diz-se que a aparição de um frei e, até bolas de fogo saindo de lá, já foram presenciadas. Mas a Igrejinha da Serra, como é conhecida, continua lá. Com ou sem assombrações. Com ou sem ouro.

Igreja da Serra, em Fênix, estaria mal assombrada. Ou melhor, bem assombrada. Foto: Prefeitura de Fênix

O presente

Em resumo, a partir de agora, o trajeto – ligando campo Mourão a Fênix em quase 100 quilômetros -, passa a ser oficialmente reconhecido no mundo como um dos seus principais caminhos religiosos. E as consequências são bastante positivas à região. A principal delas é atrair turistas de todos os cantos. “O turismo religioso – 30 milhões somente no Brasil – é movido pela fé. Mas é também capaz de agregar o turismo da natureza e gastronomia. Na verdade, movimenta quase toda a economia local, regional e estadual”, explicou Carballo.

Engenheiro de sistemas, e um dos precursores da pastoral do turismo e da Rota da Fé, o argentino Ruben Orlando Moyano, acredita ser o sonho se transformando em realidade. Nascido em Buenos Aires, torcedor do Racing, Moyano já está há 24 anos no Brasil, mais especificamente, em Campo Mourão.

Casado com uma mourãoense e com três filhas, ele acabou, também, se apaixonando pelo turismo religioso. Há 18 anos é ele quem vem desbravando a Rota da Fé, sempre com o apoio incondicional da Fundação São José de Ciências Humanas e Religiosas, além da diocese local.

“A vantagem do turismo religioso é que você não escuta vozes, mas palavras, sentidos. Não olha o rosto, mas os olhos das pessoas. Resgata coisas simples e naturais. Você sente a natureza, passa dar valor a um simples copo de água. Sem contar com a proximidade com você mesmo, com Deus”, disse Moyano. Ele também explica que a Rota da Fé retrata uma verdadeira iniciação, como a recuperação da fé e, principalmente, a proximidade entre humanos, sempre, desenvolvendo as comunidades por onde passa.

O Caminho

A Rota da Fé é um movimento inter-religioso caracterizado como uma romaria, com objetivo de visitar lugares sagrados, diferentes culturas, costumes locais, gastronomia das comunidades por onde passa e ter contato direto com a natureza. Esse movimento de romeiros acontece a cada dois meses, partindo da Catedral São José, em Campo Mourão. Cerca de 600 pessoas percorrem juntas o trajeto.

O Caminho de Iniciação sairá de Campo Mourão, passando por Corumbataí do Sul, Barbosa Ferraz, chegando à Fênix. No entanto, a concretização de todo o processo passará por um plano diretor. Nele, as participações da iniciativa público e privada terão que caminhar juntas. Em resumo, há a necessidade em aprimorar o caminho, seja com a criação de pousadas aos peregrinos, sinalização e outras melhorias de infraestrutura pelos municípios.

“Só para se ter uma ideia, no Caminho de Compostela, a cada 25 quilômetros existem locais para pouso”, disse Carballo. De acordo com ele, cerca de 400 mil pessoas fazem o percurso, na Espanha, todos os anos.

Plano diretor

Na próxima semana quatro técnicos espanhóis estarão em Campo Mourão para a execução do plano diretor do 1º Caminho Iniciático de Santiago de Compostela. Eles irão percorrer todo o trajeto, de carro, a pé e com bicicletas. A ideia é avançar na consolidação para a peregrinação. Moyano revelou já existirem empresários com o intuito em montar pousadas no Caminho.

Vice Governador do Paraná, Darci Piana revelou que o estímulo ao turismo, como a Rota da Fé, em Campo Mourão, possui um potencial econômico expressivo aos municípios. “O Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha é conhecido no mundo inteiro e atrai centenas de milhares de turistas que gastam dinheiro nos hotéis, restaurantes e bares”, disse.

Segundo ele, o estado já firmou um acordo com os quatro municípios por onde a Rota da Fé passa. E, em parceria com a iniciativa privada e o setor produtivo, pode ajudar a atrair muita gente à região.