“Xandão” fez uma profecia. E ela aconteceu após 21 anos
Corumbataí do Sul, ano 2000. Alexandre Donato, então concursado pela prefeitura local, trabalhava ao lado dos companheiros cascalhando uma estrada rural. Era uma manhã de muito calor. Sol a pino. Ali, em meio ao campo, nenhuma sombra. Então, perto do meio dia, o jeito foi almoçar debaixo do caminhão. Suando e, de certa forma, angustiado pela situação, fez uma promessa aos camaradas: “Um dia serei o prefeito dessa cidade. Vou provar que posso fazer uma gestão honesta. Com igualdade. E quer saber, vamos acender um palheiro na mesa do prefeito, dentro do gabinete”. As risadas começaram. Muitos duvidaram. Mas a profecia se cumpriu. Após 21 anos, “Xandão”, como é conhecido, se tornou prefeito.
A vida dá muitas voltas e, a cada dia, novas surpresas acontecem. E com ele não foi diferente. Dos seus 50 anos, passou a metade como funcionário público. Em 1995, Alexandre foi contratado para fazer serviços gerais. Ao pé da letra, gari. Limpava terrenos, ruas. Capinava, cascalhava. Sem nenhum problema. Afinal, a profissão sempre foi muito digna, em qualquer lugar. Mas na cidade pequena, quase todo mundo tem seu lado político. E não é difícil o “poder” saber de que lado se está.
Conta que cinco anos depois, já em 2000, deixava de ser um contratado para virar um concursado. Desta vez, como motorista. Mas o prefeito da época, segundo ele, já conhecia o seu lado político. E, por óbvio, não gostava. “Por muitas vezes me senti humilhado. Me colocava para fazer o serviço mais pesado e, sempre, sob o sol escaldante”, disse. Mesmo assim, trabalho era trabalho. E não podia parar.
Anos mais tarde, em 2004, se lançou a vereador. Venceu. E lá, na Câmara Legislativa, desocupou a cadeira apenas em 2012. A empreitada não parou. Convidado a ser vice-prefeito, aceitou. Permaneceu assim até 2020, ano que desafiou a própria profecia e se elegeu com quase 70% dos votos válidos. Sim, “Xandão” agora virou o prefeito de Corumbataí do Sul. Aquelas risadas e dúvidas dos antigos companheiros, ainda em 95, definitivamente, se perderam no passado. A promessa foi cumprida.
Sujeito simples, sem falas forçadas e, muito menos, palavras difíceis no vocabulário, passou a encarar a empreitada como sempre levou a própria vida: com os pés fincados no chão. Vivendo uma correria até então, nunca presenciada, garante manter uma gestão focada na igualdade. “Sempre falo à minha equipe: temos que tratar todas as pessoas da mesma forma. Não importa quem seja. Sem fura filas e sem privilégios”, disse.
E tudo tem dado certo. Embora, vez em quando, as coisas não saiam do jeito programado. Dias desses indicou a filha, Letícia Kamily de 18 anos, como secretária municipal de Ação Social. A ele tudo ok. Mas aos olhos do Ministério Público, não, que pediu sua exoneração. O impasse aconteceu. A polêmica foi gerada. Até o Tribunal de Justiça do Paraná consentir a sua indicação. “O fato me constrangeu muito. Um dia estava almoçando em um restaurante lotado. A tv estava ligada e passando a reportagem sobre o caso. Sorte que eu estava de máscara e ninguém me reconheceu. Ficou chato”, lembrou ele, agora sorrindo.
HISTÓRIA
Alexandre nasceu em 1971, em Rancho Alegre, no Norte pioneiro no Paraná. Mas acabou crescendo em Tamarana. De família bastante humilde, repartia roupas e comida com oito irmãos, além de outras cinco crianças criadas na casa. O pai, Francisco, sempre foi do campo. Trabalhou quase toda a vida como empregado em propriedades rurais. Mas com o tempo, conseguiu comprar um pequeno sítio. Enquanto labutava, a mãe cuidava da casa e de toda a prole. “Nunca faltou comida. Mas também, não sobrava. Foi uma infância pobre, mas rica no aprendizado”, lembrou.
Ainda menino, andava seis quilômetros ao lado dos irmãos até chegar à escola. E foi com muito esforço que terminou o segundo grau, anos adiante. Em 1989, aos 18, o pai adquiriu outra propriedade em Corumbataí do Sul. Então, “Xandão” sumiu pra lá. Época em que torrava café, plantava mandioca e lidava com o bicho da seda. Mas, uma discussão com o pai o levou a tomar novos rumos. Colocou uma mochila nas costas e vazou pro Mato Grosso. Lá, permaneceu seis anos trabalhando como peão em fazendas. Carpia, atuava no plantio e na colheita.
Em 1995, já com a bandeira da paz diante do pai, retornou a Corumbataí do Sul. Período em que adentrou à prefeitura e nunca mais saiu. Mas acontece que um homem só não é ninguém. Foi então que conheceu a esposa: Andreia. Não só roubou o coração dele, como também o colocou na linha. Virou homem sério. Com o casamento, em 1999, os dois se transformaram em três. E depois, em quatro. “Ela é muito brava comigo. Dias desses me fez dormir na pia”, brincou “Xandão”.
Além de trabalhador, a vida toda, ele também se preocupou em estudar. Em 2003, transportando alunos da cidade até as faculdades de Campo Mourão, aproveitou o tempo em que permanecia parado, para fazer o curso de auxiliar de enfermagem. Foi um ano e meio de duração. Ele também começou, por duas vezes, a faculdade de Ciências Contábeis. Mas o cansaço do trabalho não permitiu que as concluísse.
Um dos momentos mais tristes de seu plano terreno aconteceu em 2008, três dias antes de assumir o segundo pleito como vereador. O pai morreu vítima de problemas no coração. Segundo Alexandre, deixou um legado de honestidade e exemplos por seguir. “Mostrou que somente o trabalho e a honestidade fazem a vida ter sentido”, disse. De acordo com ele, adquiriu as duas virtudes do pai. E outras duas da mãe, Maria: a cozinha e o capricho. Na verdade, o último brotou nele como uma espécie de toque. “Não posso ver nada fora do lugar. Nem uma mesa meio torta, que vou lá arrumar”, revelou.
Maria Nazareth Donato morreu aos 52 anos, em 1991, vítima de um derrame cerebral (AVC). A morte foi descrita por Alexandre como o pior dia de sua vida. Na entrevista, que aconteceu dentro de uma churrascaria, em pleno meio-dia de uma quinta feira – ele não tinha tempo a este repórter -, um fato chamou a atenção: o camarada mantém uma memória inacreditável. De bate pronto disse uma a uma. Descrevia o dia, o mês e o ano. Mais que isso: também dava detalhes dos fatos ocorridos anos luz da Terra. Memória também é uma virtude aos gestores públicos, embora a maioria não possua.
O ex-gari, ex-peão e hoje prefeito, garante que seu gabinete está aberto a toda a população. “Recebo todo mundo. As portas estão abertas”, disse. Em tempo: “Xandão ainda não acendeu o palheiro no próprio gabinete. Aquele prometido sob a sombra do caminhão em 1995. Talvez seja a correria.